A Língua é nossa Pátria


 

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Numa de suas odes memoráveis, Pablo Neruda exaltava o idioma espanhol, do qual dizia, se o processo de colonização assassinou tanto das culturas indígenas, legara ao povo chileno aquela língua, aquela identidade. Penso que igual pensamento se pode aplicar ao Português com relação à Nação Brasileira – e mais. Se, buscando uma Tordesilhas ancestral, imaginamos que a América Latina é dividida em vários Estados falantes do Espanhol, do outro lado temos um único país, de continentais dimensões, unificado todo ele por uma Língua. Foi brutal, foi genocida, chegando inclusive a se criminalizar o fato de falar algum idioma indígena, mas se garantimos uma unidade territorial gigantesca (a despeito do delírio xenófobo dos separatistas) isto devemos à Língua. A Língua é nossa Pátria.

Exposta a premissa, podemos partir de uma referência de Antonio Cândido, que diz ser a Literatura Brasileira um ramo da Portuguesa. Concordo com o mestre, na medida que entendo toda a Literatura ser uma árvore, ramificação de um tronco imenso e pré-histórico, não se sabe se iniciado em Homero ou Gilgamesh. Alguém já falou que Literatura é conversar com os mortos, com o passado. A Literatura é um constructo que dialoga constantemente com o que a antecede, propondo o novo.

Há, inegavelmente, no mundo capitalista, uma intenção deliberada de sufocar o idioma português. A dominação anglo-ianque não engole que o capitalismo atual nasceu das navegações lusas. Precisou-se dar fim ao corpo do rei Sebastião, apagar o português da história, pra garantir a dominação. Esse tipo de pensamento gera imbecilidades qual a proferida pela escritora de blockbusters Marion Zimmer Bradley (Brumas da Avon), que lançou na década de oitenta o petardo “não há uma única obra significativa da literatura mundial escrita em português”. Décadas mais tarde o conceituado crítico Harold Bloom consertaria, colocando no cânone dos cem maiores gênios literários Eça, Machado, Pessoa e Camões. O que é, convenhamos, pouco, pouquíssimo. Por aqui não faltam deslumbrados autointitulados literatos a convalidar essa posição subalterna. A História os esquecerá.

Das duas últimas flores do Lácio que brotaram na Península Ibérica, podemos dizer determinam a Literatura Universal: o romance nasce em Espanhol, com Cervantes, e a Epopeia morre em Português, com Camões. Camões que, contemporâneo ao sumiço de Dom Sebastião e ao declínio do Império Luso, afirmou que morria junto com sua nação. Na minha opinião o maior romance já escrito é Moby Dick. Melville não o teria feito, palavras dele, se não tivesse lido Camões.

Um processo de embrutecimento é imposto na educação dos países subdesenvolvidos. Sob a alegação de que “precisamos é de engenheiros” já se tolheu da grade curricular o ensino do Latim. Não impor obrigatoriedade ao ensino da Literatura Portuguesa é o mesmo que autorizar as escolas públicas/sucateadas e privadas/alienadas e sacar de vez a matéria, o que só nos tornará um povo pior. Não há uma grande Nação sem uma Literatura. Eliminar o estudo do nascedouro da Literatura Brasileira, a Literatura Portuguesa, é uma, mais uma, imposição de um esquema pérfido de dominação através da alienação.

 

 

 

 

 

 

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Manoel Herzog, Santos, 1964, iniciou na literatura em 1987 com Brincadeira Surrealista, poemas. Em 2012 publicou Os Bichos, romance, pela Editora Realejo. Em 2013, Companhia Brasileira de Alquimia, romance, pela Editora Patuá. Em 2014, também pela Editora Patuá, o pornoépico A Comédia de Alissia Bloom, terceiro lugar no prêmio Jabuti 2015. Em 2015 lançou O Evangelista, romance. Coordena oficinas de literatura em Santos, na Estação da Cidadania, pelo projeto Ponto de Cultura. E-mail: manoelherzog@gmail.com

 




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