Estudos da Literatura Portuguesa na BNCC
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A possível retirada da obrigatoriedade do estudo da literatura portuguesa na nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC), a ser implementada em junho próximo, incorreria a meu ver em grave equívoco. Porque resultaria, de um lado, em uma incompreensão das raízes da nossa própria formação literária e cultural e, de outro, em uma limitação dialógica entre as literaturas brasileira e portuguesa na contemporaneidade.
No primeiro caso, como compreender, por exemplo, na integralidade, os nossos autores do período colonial (Anchieta, Gregório de Matos, Vieira, Claudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Basílio da Gama…) e mesmo românticos (Alencar, Macedo) sem a ideia de continuidade, transformação e ruptura com autores portugueses do período e mesmo com os clássicos e transistóricos Camões, Sá de Miranda e Gil Vicente? No realismo, Machado de Assis contracena sabidamente com Eça de Queirós. E, no Modernismo, como ficar distante de Fernando Pessoa e da turma da revista Orfeu?
No segundo, como deixar de conhecer atualmente as obras superlativas de José Saramago, Sofia de Mello Breyner Andresen, Eugênio de Andrade, António Lobo Antunes, Gonçalves M. Tavares e Valter Hugo Mãe, entre outros?
Devemos, ao contrário, ampliar e não reduzir essas possibilidades dialógicas, tendo em vista o universo literário lusófono. Quero dizer: não só a literatura portuguesa, por ser evidentemente a base linguística e histórica da nossa, deve permanecer na BNCC, mas também, se possível, incorporar outras literaturas pertencentes à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), tais como as africanas, nas obras, por exemplo, de Pepetela (Angola) e Mia Couto (Moçambique), as quais guardam, além de grande qualidade estética, fortes identidades com a nossa cultura. Mas isso, sei, seria sonhar demais.
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Adriano Espínola é professor aposentado da UFC, poeta e ensaísta. Doutor pela UFRJ, com tese sobre Gregório de Matos (As artes de enganar. Topbooks, 2000). Autor da antologia poética Escritos ao Sol (Record, 2015). E-mail: adrespinola@gmail.com
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