Quem resgatará Pagu?
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pagu:
tabu e totem / AUGUSTO DE CAMPOS
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quem resgatará pagu?
patrícia galvão (1910-1962)
que quase não consta das histórias literárias
e das pomposas enciclopédias provincianas
uma sombra cai sobre a vida
desse grande mulher
talvez a primeira mulher nova do brasil
da safra deste século
na linhagem de artistas revolucionárias
como anita malfatti e tarsila
mas mais revolucionária
como mulher
fragmentos de uma biografia extraordinária
q começa com a sua participação
aos dezenove anos
ao lado de oswald de andrade
no movimento da antropofagia
em sua fase mais radical (segunda dentição)
chegam até nós como pedaços de um quebra-cabeças
quase tudo o que sei
está no artigo-homenagem
patrícia galvão, militante do ideal
assinado pelo “redator de plantão” da tribuna de santos
(geraldo ferraz, devotado companheiro)
em 16-12-62
três dias após a sua morte
é possível q o turbulento passado político
q cobriu de escândalo o nome de patrícia
e lhe custou anos de prisão e sofrimentos
tenha influído no silêncio
q se faz em torno dela
mas essa fase foi ultrapassada
desde o seu rompimento com o pc
de q é dramático testemunho
o panfleto político verdade e liberdade (1950):
“agora saio de um túnel
tenho várias cicatrizes
mas ESTOU VIVA”
passados tantos anos
podemos totemizar mais um tabu:
PAGU
e o q sobressai
é mais q as sobras de uma vida
é a imagem quebrada
mas rica
de uma vida-obra incomum
q a ação política
(a q patrícia foi levada
por um impulso generoso e apaixonado)
fraturou mas não corrompeu
será preciso
buscar nas páginas perdidas dos jornais
os traços de um retrato ainda nebuloso
mas pontilhado de luzes
não digo q tudo seja importante
mas o “álbum de pagu” (1929)
q divulguei pela primeira vez na revista código nº 2 (1975)
os “flashes” da “mulher do povo”
no jornal o homem do povo (1931)
q ela manteve de parceria com oswald
o romance parque industrial (1933!)
oswaldiano pré-marco zero
(apesar do pesado lastro politizante
q o sobrecarrega e retoriciza)
certos trechos de a famosa revista (1945)
“o protesto e a pedrada à voragem que proscreveu o amor”
(em colaboração com geraldo ferraz)
cor local
as crônicas-carne-viva de 1946-50
e as traduções de poemas e textos
literários
(entre os quais a versão de um fragmento
do ulysses de joyce
a primeira para o português
2-2-47)
na excelente “antologia da literatura estrangeira”
q publicava à época
com geraldo ferraz
no suplemento literário do diário de são paulo
por eles organizado
a crítica notavelmente precisa
q formulou à “geração de 45”
e a análise também agudíssima q fez
do abandono da revolução de 22
em artigo publicado em 9-5-48
a propósito do congresso de poesia
que então se realizara em são paulo
ou a notícia q redigiu sobre antonin artaud
em 1950
quando quase ninguém sabia dele
entre nós
– indicam q há aí
uma personalidade q não se pode ladear
muito mais lúcida e mais relevante
q a de outros tantos
cujos nomes
adornam com seus brilharecos
a histórica epidérmica do nosso modernismo
e das nossas letras modernas
sem nada lhe aditar de instigante
para as novas gerações
um acaso (um acaso?)
me ligou intelectualmente
a essa mulher incrível q não conheci
geraldo ferraz
revelou o mistério
de o sol por natural
poema q fiz motivado pelo belo texto
natureza morta de solange sohl
q eu não sabia ser
um pseudônimo de patrícia
o poema foi publicado em noigandres 1
(1952)
quando iniciávamos a aventura
de uma poesia nova
e eu me perguntava:
– solange sohl existe? é uma só
ou é um grupo de vidros combinados?
a ideia de reunir
estes trabalhos de e sobre
patrícia galvão
entrerretratos
em miscelânea da memória
ou disparate sensível
dos dados casuais
é a de tentar recuperar
algo de uma imagem viva
através desses pedaços
cinzas que vão ao mar e o mar espalha
sobre o mar, detrás do qual existe
pagu mara lobo patrícia
solange sohl
|1978|
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