Pongianas


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A cama, um dispositivo

A cama é uma imensa planície, uma nuvem acolchoada onde os resquícios de geometria nem sequer sonha o que planeja: sofre a emboscada de quem a levite nos quatro pontos de sustentação de uma maneira tal que os degraus de espuma se misturam aos andaimes da lenta e sutil pequena morte, uma leve ressonância de trem em repouso, atalho forjando os arbustos, recorte de algodão e nuvens, uma ou outra avalanche ou marolas de pano, algodão e linho. Condado em que se entrelaçam desejo e forma, em que outro código é uma superfície acima vigiada pela matéria de que não somos feitos. A cama redime o tempo tenso em que temos de intervalo entre acordar e adormecer; por ela a musculatura do sangue seria eternamente seu cobertor.

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Férias do relógio

As férias do relógio estão em toda a parte, divididas em porções minúsculas tão universais que o pulso humano sequer sente. Uma taquicardia sem sons, essas folgas do relógio estão absorvidas por goles e sorvos de tempo e completam seus aniversários pungentes com distrações de inércia que mais parecem temporadas pulverizadas. Um relógio tira férias quando bem entende porque o patrão que o monitora constata apenas um tempo morto, registrado, e não sua pulsação constante, de onde é possível, nas selvas do minúsculo, esconder ócios de maquinário breve. Um relógio volta descansado dessas férias porque por si só não tem noção de tempo; seu coração é transferido para o desespero de quem o possui.

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A escada rolante

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Segue as pessoas até ocultar-se novamente em suas camadas de ferro e degraus semoventes, tendo o cuidado do eterno retorno, onde se dá nova perseguição sem que se tire o pé do chão. Sua leveza é à custa de desníveis do peso e da fuga de uma labareda de metal ou numa corrida em que degraus viram planícies acessíveis aos intestinos do piso. Quando volta às pessoas, sua vigilância é a mesma e o peso que carrega nas costas é uma eficiente indiferença de lagarta afônica. Sua respiração de superfície é uma estratégia do movimento para que nada mude o seu curso de rio estratificado. Arca em suas costas o peso da comodidade comercial e nunca, nunca reclama do seu ofício, rito de passagem.

 

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Hipopótamo

Por ser encontrado em grandes rios, seu nome é uma hipótese de peso. Fachada de submarino, jeito de boi no pasto. Cabeça, tronco e cauda formando uma massa compacta – afasta o rio para os lados para que caiba em si. Tem como defesa os dentes e a bocarra – mas pode bastar o susto em tonelada para iguais efeitos. Anfíbio, quando decide a ser continente ou ilha. Ambíguo a não mais poder, desgracioso no bocejo, com seus sonhos de montanha e levezas de consciência. Nada o move do lugar, a não ser si mesmo.

 

 

 

 

 

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André Ricardo Aguiar
, poeta e escritor paraibano. E-mail: diariodebordo@gmail.com




Comentários (2 comentários)

  1. NOVAS NA MUSA, […] Pongianas […]
    4 abril, 2012 as 9:16

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