Mosca morta



by  Magnus Muhr
.
Seu sorriso empastado se escancarava em cima da mesa de mármore. Pequenas moscas pretas emprestavam um aspecto carnavalesco a seus beiços de gengivas opacas. Seus dentes escapavam pelas frestas omissas do tempo. As cortinas rasgadas riam da dor alheia. Janela indiscreta. 20 pedras de crack fumadas na lata de coca. É o que recordo daquele imenso dia nublado. Eu acordei com a certeza de que ia chover, no entanto, não choveu e a poeira e o cheiro de carne podre continuou infestando o ar. Continuou trotando na minha face. Um fosso se abriu no meu juízo (o céu da minha boca estava infestado de ratos brancos ou seriam râmsters?????). La peste de Camus.

“essa putinha merece morrer com prazer”. Seu dedo se encharcava na buceta ressecada. O desejo tem lá seus disfarces. Não desanimava, continuava seu trabalho feito um operário obstinado. Revolução industrial. replay. replay. replay.

A moça usava um esmalte encarnado que disfarçava as luas fingidas da mão. Ele não se conformava, era excitante enxergar o roxo das unhas. Tentou roer pra descascar aquela bosta toda. Desistiu.

A vida e a morte eram análogas, cogitava. Um túnel. Uma luz. Um grito. Reminiscências do parto. O sangue. A placenta arremessada ao longe feito uma bola de capotão.

Enquanto socava a vadia, ficava imaginando que aqueles pelos continuariam ali, por anos e anos revivendo orgias. Larvas amarelas cavalgavam elegantes pelo seu ventre. Criavam cascos. Cada fincada derrubava novos insetos. A moça gozava catatônica.

Socava socava socava com força até o leite do seu pau destruir a arquitetura primitiva da vulva inerte.

Vira a moça de costas e continua com um vigor maior. Lúcido. Fica ali, até ver arrebentar do seu ânus mais uma vida de merda.

Moscas mortas pretas ainda copulam no seu sorriso.

.

Marcia Barbieri é paulista. Formada em Port./Francês pela Unesp, pós-graduanda em Prática de Criação Literária, organizado pelo escritor Nelson de Oliveira. Tem textos publicados nas Revistas Literárias Coyote, Cronópios, Germina, Escritoras Suicidas, O Bule e Meio Tom. Lançou em 2009 o livro de contos “Anéis de Saturno” pelo Clube de Autores. Lançará em junho um livro de contos intitulado “As mãos mirradas de Deus” pela editora Multifoco. É colunista das Revistas Literárias eletrônicas O Bule e Sinestesia Cultural. Foi colunista da revista eletrônica Caos e Letras. Edita o blog: www.avidanaovaleumconto.blogspot.com . E-mail: marcia_barbieri@hotmail.com




Comentários (9 comentários)

  1. Plínio Camillo, Nossa!!! Nossa mesmo!!!!
    17 janeiro, 2012 as 12:33
  2. Bia Bernardi, Uau! Essa é a Márcia! Muito, muito, muito bom!
    17 janeiro, 2012 as 15:53
  3. neuza pinheiro, puta merda! O necrofilo acaba de me fazer uma revelação: eu sempre quis ser alguma coisa, e agora sei: a mosca!
    17 janeiro, 2012 as 16:30
  4. Ale Safra, Você sempre me deixa estasiada com suas história maravilhosas.
    18 janeiro, 2012 as 21:51
  5. Roseli, Marcia a cada leitura que faço de seus textos, mais me extasio e me vejo diante de uma puta escritora que não se deixa levar por regras e nem por “que vão achar”. Adoro seu jeito rude, animal e visceral na escrita. Sucesso amiga!
    23 janeiro, 2012 as 19:08
  6. Gláuber, Este conto é uma viagem na alta literatura. Obrigado por me propiciar.
    31 janeiro, 2012 as 22:13
  7. marcio camara, preciso de um apoio para eu poder fazer a inscrição do premio jabuti,quero te mostrar meu livro,é sobre deficientes fisicos de farol,suas historias,sonhos, necessidades etc.os livros foram doados para eles venderem no farol.eu sou marcio o taxista.abç.86604877
    3 junho, 2012 as 14:15

Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook