História de Pescador



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Fisgado pela boca. Tentou desvencilhar-se, fugir. Resistiu em desespero, como se faltasse um segundo para o fim. Em vão. Era mais forte que ele.  Estava preso àquilo, sem esperança de livrar-se. O rio era fresco como um beijo da noite, e a água escura lhe cobria o ventre para baixo. Não ousou usar as mãos para repelir a criatura, era um risco a correr. Sem enxergar o que lhe prendia, rendeu-se à correnteza de arrepios que começavam a escorrer sobre os pelos. Driblou as muralhas de hesitação, soltou as travas do desejo, libertou os suspiros mundo afora, para cada gota de saliva morna sorriu. Puxado para frente e para trás na sintonia das pequenas ondas, permaneceu até as pálpebras fecharem com força como se não quisessem mais abrir. Só quando todas as papilas passearam por cada centímetro, e sua água quente se misturou à água fria, vislumbrou a criatura perfurando a superfície, e emergindo num vulto tronco cor-de-árvore, cabelos cor-de-fogo, lábios carnudos cor-de-pêssego. E se postou diante dele a boca que havia lhe tomado o que ele julgou muito secreto.

Essa foi a história que o pescador me contou. Bar de esquina, debaixo das estrelas que lançavam o álcool para encher nossos copos. “Depois sumiu, deslizando entre as moléculas, e o único consolo foram as bolhas na superfície”, ele me disse bebendo um gole para disfarçar a tristeza.  Eu não sabia o que pensar, mas pensei tão alto que escutou meu coração rir de desconfiança.  E aos poucos, o pescador me fez, não sei como, olhá-lo com a malícia de repórter que sou, e compreender que teria que confirmar por mim mesmo, buscar lá no fundo, como à procura de uma pérola ou petróleo. Então parti, parti escavando a pele, mergulhando em sua saliva, desvendando a retina e desbravando os lábios, atento a um sinal, um cheiro divertido, um fio cor de fogo, o que fosse que denunciasse a passagem do ser marinho. E o susto maduro e fácil de digerir, engoli. Encontrei tudo o que eu queria assim que nos moldamos um ao outro com a mesma rigidez das pedras pontiagudas.

 

 

 

 

 

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Najla Carolina nasceu em 1990 em Campo Grande-MS e atualmente reside em Santa Maria-RS. Publicou um conto na antologia “Contos ao mar” (Editora Andross, 2006). No momento escreve seu primeiro livro de contos. E-mail: amor_sangue_fogo@hotmail.com

 




Comentários (2 comentários)

  1. Luis Henrique, Parabéns, excelente texto! Estou a espera de seu livro!
    10 novembro, 2013 as 16:41
  2. Amanda, Esse clima de suspense..ficarei na espera de mais! 🙂
    10 novembro, 2013 as 18:38

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