Diálogo Submarino I


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Quero te falar sobre plot, tema, assunto de romance, eixo narrativo principal de uma obra de ficção, certo?

Sim.

Gaston Bachelard, que você já deve ter lido muito, esclarece que há imagens tão fortes, cenas imaginadas tão violentamente densas de potência significativa que são verdadeiras imagens geradoras de obras. Ele as denomina enfaticamente de imagens-conto.

Sim.

Delas não se pode escapar porque engendram mundos vastíssimos, mesmo sendo uma frase de uma linha de prosa, um trecho de um poema, um verso de uma canção.

Um exemplo bem conhecidamente intenso: a frase-título-ideia-mater “A terceira margem do rio” de Guimarães Rosa.

Você deve ter os seus exemplos na algibeira mântrica da mente orbital.

Por exemplo, mente orbital que saiu agora, é uma imagem-conto, fontimagem. Essa palavra no plural, por exemplo: cometários E há muitos outríssimos exemplos otimíticos como imagens neologicaosmóticas. Comentários muito rápidos: cometários.O erro é o solo estorriscado em que a gente planta essas imagens-sementes

pra delas brotarem com a desbragada não-economia dos erros digitais e caligráficos sequóessÊncias, baóbacedários, jequitiBês, árvores imensasosas sonoras invisíveis que irão gerar frutouroutros-voadores que poderão viajar até pra lua, como outros micoplanetas, transformados tambores vivos, frutos anfíbios,psíquicos, no fundo do mar, expolorativos profundíssimos

frutos submarinhos

Entendo

pois bem

tudo isso para lhe contar algo que se passou há alguns dias quando lhe escrevi da laguna ôntica supersobrebranquíssima de água doce entremeada no meio do oceano, que por então pretendia de Lá, rebrilhado, lhe dizer algo muito importante

Sim, lendo pachorrentamente na rede da varanda da casa isolada na vastidão do mar Atlântico um tal jornal Rascunho, do mês de novembro de 2013, que não havia lido ainda inteiramente,deparo-me com uma resenha de páginteira escrita sobre um livro de um autor nova-iorquino, David Levithan.”Todo Dia”, o livro deste autor, começa com este parágrafo, observe:|

“Acordo.

Imediatamente preciso descobrir quem sou. Não se trata apenas do corpo – de abrir os olhos e ver se a pele do braço é clara ou escura, se meu cabelo é comprido ou curto, se sou gordo ou magro, garoto ou garota, se tenho ou não cicatrizes.”

Desculpe o lapso na emissão aquotelepáticovibrestorial, aqui vai o restante oralizado em borbulâncias erráticos frasecionadas, em rastro caligráfico de espuma:

“O corpo é a coisa mais fácil a qual se ajustar quando se está acostumado a acordar em um corpo novo todas as manhãs. É a vida, o contexto do corpo, que pode ser difícil de entender. Todo dia sou uma pessoa diferente. Eu sou eu, sei que sou eu, mas também sou outra pessoa”.

Deu pra ler o parágrafo inicial do livro do autor norte-americano?

Sim… Ele foi riscado agora em pleno leito do mar. Você pode fotografar o parágrafo a cinco mil metros de profundidade, inscrito em jatemisão escultórica. Agora, caro amigo, vou colocar a emissão de tinta esverdeada em caligrafia móvel errante submarina da página 138 de um livro escrito no Brasil, vinte anos antes desse autor ianque publicar este seu livro com este parágrafo que inoculei no leito do mar para você ler num mergulho frutuoso de leitura mergulhatória, mergulhestória:

“Como me unir sem fim a todos os que sou, à todos os que procuram por essa cidade de asas, perdida na tontura do planeta, ou mesmo muito longe mais?

Não sei. Estou tentando. Quero descobrir esta pequena cidade a que já pertenci. E me vem uma longitudinal tristeza nas manhãs. Quando acordo e já não sei mais quem sou.”

Lindo.

“Todas as noites vou para um outro lugar. Oh! Por favor! A punição é muito grande. Tudo por haver aceito o espelho redondo. Agora acordo sendo os mais diversos corpos, mimetizo-me com as almas mais inéditas, algumas que não consigo suportar. Ainda bem que cada personalidade só dura um dia. E essas carcaças até anatômicas, a maioria das vezes. A forma humana – ah!, lembrei-me – é a forma mais estranha. Ainda hoje não sei. E vestir-me desses corpos é um atributo penoso.”

“E ele não soube até agora que eu fiquei aqui e que sou ele a narrar-me por entre suas viagens e seus tantos seres através da Terra em busca de Wuêé.”

Agora, meu caro amigo, o que tens a me dizer sobre as semelhanças?

Parece muito com seus escritos…

O mais engraçado é que quando li na rede leve e ampla cearense alojado na ilha-varanda do mar de sargaços a resenha do jornal literário paranaense adorei, me impactei com o tema principal do romance desse escritor chamado Levithan. Cheguei mesmo a me entusiasmar, a admirar a ideia, a invejá-la, a achá-la mesmo um verdadeiro e precioso achado, imagine! e, de repente e também lentamente começou a subir pela minha espinha um desconforto oxímoro, uma inadequação intertextualizada, um incômodo pós-autoral, péra aí, estou tendo uma sensação de dejá écrit…mas… espera aí! Corri desconfiado em direção à minha estante em zigue-zague, sôfrego a recuperar num livro de volta uma imagem-conto que era minha em toda a sua origem. Desde sempre.

 

DIAS DEPOIS…

 

Você leu os dois textos que lhe mandei como se fossem ambos do escritor norte-americano? Leu errado, não entendeu direito o que lhe expliquei. O primeiro é dele, mais prosaico, direto, objetivo. O segundo é meu, de meu romance Pedaços da história mais longe, lançado no Rio de Janeiro, em 1997. O que pretendi aqui lhe dizer, lhe demonstrar, é que essa ideia de alguém que todo dia acorda numa locação corpórea diferente é, de fato, por sua potência narrativa nela contida, uma imagem-conto. Na verdade, é uma integral e inteiriça imagem-romance, neste caso específico.

!

!!

Um livro é publicado em 1997 e o outro, em 2012. Qual a sua opinião sobre o fato literário aqui exposto?

Te respondo com calma outra hora. Estou recebendo outra mensagem de longe-mar. Vou interagir desmergulhar com uns amigos de uma tribo nova num atol do Pacífico bem longe. Vou ter que emergir daqui a pouco, nadando a grande velocidade longe de ti.

Certo, bons encontros com teus amigos misteriosos no atol de formação incompreensível, mas finca no tema, pondera, sopesa e depois me diz o que achou dessa mais nova coincidência relacionada à minha produção ficcional submersa.

 

55 DIAS DEPOIS

 

Podemos nos falar outra vez mais um pouco sobre aquele assunto que você teve que interromper por estar se dirigindo a um encontro misterioso no atol de Moruroa? a infusão

Hein?

Falar?

É sobre aquele assunto. Deu já pra ler os dois parágrafos dos dois romances e compara-los na mente pós-emersiva que lhe adveio posterior? Já pode fazer a comparação entre os dois parágrafos após sua nova infusão egônica? Estás novamente mergulhado no mar? Ou podes lê-los em posição de ode de adoração ao sol cristalino particular sensório do atol?

opa. ainda não. estou em conferência via ondas de tensão zenital. azeitando oficinas on waves aqui noutra ilha ainda mais distante que acabo de encontrar com uma população fascinante maori totalmente  isolada da terra em ventos

queria assistir a esse encontro mítico sensacional… a que horas posso falar com você, este assunto é bem importante pra mim, o dos parágrafos transportados via fortíssima ejaculação telepática submarina?

questões técnicas para viabilizar. o encontro com este povo desconhecido,outro amigo mergulhador está organizando o encontro para que não haja desacordos de descompreensões vibratoriais. Você consegue me mandar os parágrafos num jato de tinta circulatória em telonda gráfica remota?

estás em transfusões solares intravenosas submersas? Em reoxigenações em plenos movimentos centrastrais?

Mande então por onda-alpha… introminações plásmicas crentripetais

Gostaria de escutar daqui esse lendencontro vibratório com esse povo insulado, ouvir o ruflar circulatório de suas vozes coros mentais silenciosos, de puro e luminoso calor ascensional aromático bem na poça ritual do atol.

ele disse que ia me convidar numa segundonda fase  do  contato.

quero aprender com vocês a surfar pela mente-céu do mar

veja se consegue pra mim essa carona telepaticosincrônica pela pele tonal do mar.

vou falar  pra ele sobre teu pedido com os mais escultóricos borbulhos semânticotônicos. por certo

Dá pra reler os parágrafos agora?, Ei-los intensos, borbulhostão, ilha de cor zonada flutuando na tona das águas, lá em cima, no foco de sol, na tona e leia-os flutuantes planctonizados caligraficamente, estão lá encima agrupados, é só para comparar, são pequenas ondulações na água.tácteis… shs

Ops… Reli. Os dois juntos ficam bem. É melhor…

Um, não é meu, você não prestou de novo atenção direito, sempre nadando com muita rapidez nas correntezas interiores do grande dentro desse mundo aquoso sem fim. É de um escritor novaiorquino, o primeiro, de escrita mais objetiva. Já o outro é mesmo um bem outro texto, muito pois anterior, de minha criação,escrito trinta anos antes, em 1986 e publicado em 1997, no meu romance Pedaços da História mais Longe, repito.

Há uma coincidência apenas temática e não de estilo.

Sim, ele me parece que me plagiou o tema, a ideia-conto. É a mesma ideia e toda essa ideia move todo o  romance dele, de istmo à ilhas intermináveis…

O seu parágrafo é mais esgarçado, amplo de significações e vai abrindo o texto para outras relações…

MUITA COINCIDÊNCIA PRA SER COINCIDÊNCIA

Gostei disso, de uma ideia conto. Vou ler mais Bachelard…

Pois é, esse midiático Leviathan teve a mesma ideia que eu tive só que muito depois…

Isso acontece muito nas artes de mergulho e caça submarina.

– Com mais de sete compassos vira plágio na música, se não me engano.

Na literatura é plágio quando uma ideia é igual, o que é o caso. CHUPAÇÃO TOTAL

FELLACIO TEMÁTICO

COM DIREITO A ENGULIÇÃO DE ESPERMA DE BALEIA, SÔNICA

Mas o plágio estilístico na antiguidade depreciava sobremaneira seu praticante, ainda mais. Sabias?

Me envie o rastro espumoso telepático do mesmo pelo interior da correnteza submarina sul, por sutil e sinuosa gentileza móvel flutuante…

Você não o recebeu ainda, no jato de espuma modulada que te enviei?

Essa ideia-plot, esse ideia-conto, imagem-plot, imagem-conto não se acorda com ela todo dia, a cada manhã de cada novo dia, como também não se acorda sempre num corpo e numa pessoa diferente a cada amanhecer. Ou como não se emerge numa ilha ou atol diferente de universo-mar sem fim com um corpo novo adquirido num longo mergulho demorado nas oficinas alquímicas em segredo do fundo do mar todo sal-grado dia…

Te  reenvio teleaquosamente o texto via espumas jatadas  amanhã. Estou chegando em Moruroa para receber meus novos olhos-concha de re-visão de universo para este novo corpo recebido ontem em meu mais profundo mergulho…

Mas, meu amigo, o estilo é a única coisa a qual não se pode copiar, por isso é o mais importante na Arte dos mergulhadores, o estilo!

O artista submarino Arthur Barrio me chispou há pouco um elogio-borbulho aos meus textos de artistas inventados, sua mensagem-dorsatura acaba de cintilar  sua serpentina transparente de água forte, velozcentíssima, na água, organismo d’água sobre água. Ele acabou de mergulhar outra vez no Mediterrâneo!

 

 

 

 

 

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Carlos Emilio Corrêa Lima é escritor, poeta, editor, ensaísta, antidesigner, mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Fez mestrado em literatura espanhola na Universidade de Yale (não concluído). Atualmente faz doutorado em  Literatura Comparada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Editor de inúmeras publicações literárias tais como a revista o Saco Cultural, a revista Cadernos Rioarte, o jornal Letras & Artes (prêmio da APCA para melhor divulgação cultural do país em 1990), a revista triangular Arraia Pajéurbe. Correspondente da revista espanhola El Passeante no Brasil, co-editou o número especial sobre a cultura de nosso país..Crítico literário do inesquecível Jornal do Brasil.  Publicou os romances A Cachoeira das Eras, A Coluna da Clara Sarabanda (editora Moderna, 1979), Além Jericoacoara, o observador do Litoral (Nação Cariri editora,1982), Pedaços da História Mais Longe, 1997, com prefácio de José J. Veiga e apresentação de Braúlio Tavares (editora Impressões do Brasil, 1997), Maria do Monte, O romance inédito de Jorge Amado (Tear da memória editora, 2008).  os livros de contos Ofos (Nação Cariri,1984), O romance que explodiu (editora da Universidade Federal do Ceará, 2006, com orelha de Uilcon Pereira). O livro ensaístico Virgilio Varzea: os olhos de paisagem do cineasta do Parnaso (coedição da Editora da Fundação Cultural de Santa Catarina e da Universidade Federal do Ceará, 2002). Tem ainda inéditos os livros Culinária Venusiana (poesia), Delta do rio suspenso (ensaios), A outra forma da Lua (contos fantásticos) -, Teatro submerso (dramaturgia para o fundo do mar), Solário (contos infantis). E-mail: carlosemiliobarretocorrealima@yahoo.com.br

 

 




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