O dorso da pantera


.

 

Chicago, 03 e 04 de outubro de 2014

 

.

Noite. Hubbard Street, downtown. Bistrô Paris Club. Meia-luz, todos conversam à meia voz, como se o ímpeto não pudesse transbordar – só entendo o culto aos sussurros quando provo o Chinon. O vinho gira no bojo da taça, o aroma começa a exalar, a embriaguez é antes volátil que líquida. O vinho se espraia pela boca como um lençol repleto de ondulações; o palato, nosso céu sem chuva, se ressente pela lubrificação da língua mudana. [Por que tendemos a fechar os olhos quando a alegria transborda? (Tamanhas a fragilidade e a contingência do prazer, ora, que as pálpebras cerradas tentam reter o pássaro que nos eriça e afaga: a alegria como uma pequena jaula.)] Velas. Luz trêmula e levemente fuliginosa. O pão, italiano, impregna a ponta dos dedos com o pó de sua casca – o azeite, como o vinho e a campina, exala o aroma como um convite. “Is everything ok?” Emily, a garçonete. Nem mesmo a obrigação dos cabelos presos consegue conter o que é ruivo. A atriz Emily me conta sobre suas várias idas à Europa enquanto descubro tons de azul entre seus olhos cinzas. “Minha madrinha mora em Veneza há muitos anos. Ela é fotógrafa”. Digo-lhe que Veneza é a cidade do estatuário fugaz da fotografia, o olhar precisa apenas estar atento para a captura. A gôndola passa sob a ponte, uma parede descascada revela o vermelho-barro sob o amarelo, uma violeta junto à sacada de uma jovem veneziana a se espreguiçar sob o pijama de sua camisa gasta – a luz baça de outono e os bicos intumescidos insinuam o frio que a fotografia (ainda) não pode transmitir. Falamos sobre teatro, sobre Beckett, sobre Tchékhov. Emily gosta da precisão cirúrgica do russo. “É curioso: as frases são esculpidas com a precisão do ourives que rejeita qualquer excesso, mas é justamente aí que reside a liberdade para o ator. Como, muitas vezes, o gestual e a emoção não são amplamente mediados pelas descrições, o leitor e o ator são chamados à construção do que, em Tchékhov, se esgueira como insinuação. Tchékhov me ensinou a ser atriz: a ausência, em Tchékhov, é abundância; o que falta é justamente a pista, como o transcurso não tão claro até o baú do tesouro”. Ouço – ou melhor, ausculto – tudo isso envolto pela mostarda suave que guarnece o salmão. E você se lembra da Enfermaria nº. 6? Emily pensa com a ponta do indicador direito sobre o queixo, os olhos buscam o teto – por que olhamos para cima (e/ou fechamos os olhos) quando tentamos nos lembrar? O braço algo suspenso tensiona a camisa, o seio direito de Emily desponta como o dorso de um golfinho a buscar oxigênio. “I am not sure… What is it about?” Digo-lhe quase aos sussurros – ela precisa se aproximar ainda mais para conhecer a minha Enfermaria nº. 6 – que se trata da mais dostoievskiana das estórias de Tchékhov. O narrador, um alienista, a princípio sobrevoa a insanidade de seus pacientes. Mas, aos poucos, a loucura o vai drenando, assim como a vida que reduz a felicidade a uma mera promessa. (A promessa, se é o que há de vir, também se resigna diante do que ainda não veio.) Os olhos de Emily, como a chama das velas, tremeluzem de curiosidade. Eu vou te dar esse livro! Ela sorri entre tímida e lisonjeada. Então me fala sobre Kurt Vonnegut. “Está entre meus escritores favoritos. Morreu há não muito tempo. O que você me disse sobre a queda na Enfermaria nº. 6 me levou à acidez e ao cinismo de Vonnegut. É tudo muito dúbio, tudo muito questionável – e questionado”. Ora, então Vonnegut está para a literatura, assim como Woody Allen está para o cinema? Emily já não se faz de rogada com um sorriso amplo. (Mal sabe ela que lhe agradeço com um longo trago de vinho.) Você viu o último – ou penúltimo – filme do Allen, o Blue Jasmine? Emily passa a falar sobre a personagem central – “apesar de tudo, apesar de ter perdido toda aquela posição social, toda aquela ostentação, ela ainda reuniu forças para buscar o perdão do filho”. Preciso discordar de Emily. Sim, é verdade que ela teve humanidade ao pedir perdão para o filho – o filho que acreditara que o pai magnata era um empresário bem-sucedido, e não um especulador de negociatas; o pai que acabou na cadeia justamente porque a mãe, em um único momento de ímpeto para além da hipocrisia, de raiva para além das convenções, ligou para o FBI para denunciar as picaretagens do marido. E a Barbie de Woody Allen ligou para o FBI porque, naquele momento, não mais conseguiu tolerar as traições do marido, não mais pôde compactuar com todo aquele cinismo. Então, dostoievskianamente, ela afirmou o próprio ego ao naufragar ainda mais, ela disse eu te amo ao marido, ora, ao se vingar, ao se mutilar, ao abrir mão de tudo o que lhe era caro, ao jogar o marido (e a si mesma e ao filho) aos tubarões. Sim, é verdade, depois ela se arrependeu de tudo aquilo, depois a razão, isto é, o cálculo utilitário, fez com que a madame reconsiderasse todo aquele rompante, mas já não se pode reverter o naufrágio do navio que vai a pique. Então, como a protagonista de Allen não vai voltar à opulência de outrora, como a socialite precisa se resignar diante da pobreza e, o que é pior para a verdade que usa máscaras, diante da humilhação, a loucura é o caminho que lhe conforta. Fugir da realidade equivale a permanecer rica, equivale a corrigir a impossibilidade de sustar a ligação para o FBI e de ter trazido o âmago de si à tona como automutilação. Então, Emily, ela vai atrás do filho, sim, ela busca o perdão por não ter sido mãe, mas só faz isso depois que os pés descalços são coagidos a caminhar entre as ruínas. Emily me ouve como que hipnotizada – eu bebo o vinho, mas é ela que sorve minhas palavras. Encontrar alguém que nos embriague é como se perder dentro do próprio corpo, driblar a própria consciência até que a paixão do novo nos diga que há mais de um eu – que há um além de si mesmo – naquilo que pensávamos emparedado; estancado; sedimentado; asfixiado; inexistente. Quero beijá-la, quero bebê-la. Silêncio tátil: as palavras colidem contra a barreira dos dentes como o aríete da água contra a barragem – mas ninguém diz nada. Silêncio entreolhado. Embolo o guardanapo de linho com a mão direita e o trago junto à boca – a boca entreaberta de Emily sabe que o guardanapo são seus cabelos soltos entre os meus dedos. Que fazer? Emily está trabalhando. Que fazer? Olho ao redor, lhe ofereço a taça – ela sorri, “mas não posso”. Eu entendo com o guardanapo ainda mais retesado em minha mão direita. Súbito, Emily, a atriz, a amante de Tchékhov, se lembra da madrinha fotógrafa que, em Veneza, está ficando cega. (Preciso ser rápido, o medo de Emily quer contrapor uma barricada entre o nosso desejo.) Então me lembro de Jorge Luís Borges. Have you already read him? Emily meneia a cabeça verticalmente. Pois então, Emily, Borges também se viu à iminência da cegueira. E, veja só, diante disso, sua literatura pôde sair do labirinto livresco da erudição que não se enraíza nas tensões do real. Foi quando Borges descobriu Buenos Aires, foi quando Borges se descobriu Buenos Aires – a cidade das fachadas solitárias que também envelhecem. Borges se viu amarelecido como as páginas dos livros que dentro em breve já não poderia reler. Borges sentiu a pressa da escrita – escrita embalada, a partir de então, não apenas pela ideia, mas pelo sangue, pelo ímpeto da imortalidade que tateia através das palavras e dos parágrafos. Pelo mesmo motivo, Beethoven continuou a compor ilhado pela surdez. E sua madrinha continuará a ler Veneza com o olhar – o olhar da memória, o olhar ensimesmado que precisa do tato para compor a textura da cor. E sua madrinha, então, precisará de uma narradora, Emily, uma atriz que lhe conte as estórias do mundo através do véu. Você. “I wish we were in the Kingstone Mines”. O quê?! Para driblar o temor e o tremor do silêncio, o blues ao fundo do bistrô Paris Club transforma Emily em anfitriã do Kingstone Mines, quiçá o mais pitoresco reduto do blues em Chicago. Estação Diversey, brown line. Várias fotos dos músicos como que nos conduzem às bandas – são dois palcos ladeados por seus respectivos bares, as apresentações vão se revezando. Começo a beber sangria como se, novamente, estivesse nas tavernas de Madri e Barcelona. Aqui em Chicago, as mulheres não resistem à cadência sensual do baixo e ao punhal da guitarra. Para o blues, dancing is not only allowed. Dancing is aloud! Na pista improvisada – o espaço retangular entre a pista e as mesas –, o vinho e a sangria começam a desvelar a verdade da realidade ficcional, o caráter tangível do buraco negro. (Quem já percorreu o cosmos a reboque do Santo Daime sabe do que estou falando.) Os sentidos cartesianos – vale dizer, sumamente comezinhos e embotados – desconhecem a expansão do corpo como névoa. A história ainda nos faz viver a matéria como a justaposição das cadeias de carbono e a expansão dos corpos por meio de nossas ferramentas. A história relega a seus escaninhos a melancolia do blues após um garrafa de Chinon e três copaços de sangria. O tímpano se sente reverberado como a corda do baixo, a modulação se transforma em paleta, calor dos corpos – todas dançam, elas se aproximam, resvalamos. O corpo vai se tornando repleto como uma taça, os olhos se invaginam, eles se fecham porque a realidade imediata se vê tragada pela projeção da memória e do desejo – o que (não) aconteceu se funde ao que pode(ria) ter sido. O baixista da banda Ronnie Hicks está fazendo aniversário. Seu timbre profundo – o inglês banzo do negro americano – ressoa camadas imemoriais das colheitas de algodão no Tennessee, o chicote estralando e os seres humanos, para muito além da escravidão, entoando a música como súplica, o blues como o caráter taciturno do azul, a cantoria coletiva para suportar os espinhos e o suor, Harry canta sob um paletó branco, sapatênis listrados, chapéu de abas quase inexistentes, dentes grandes e brilhantes como pérolas. Quando Harry se curva para trás como que para dar impulso ao grave que o microfone vai buscar, ouço a vibração do tímpano como quem desce a serra de Santos, a tia Suzana me ensina o truque de engolir a seco para acabar com a surdez momentânea, pergunto se aquilo vai acabar logo, é claro que vai, Ricardinho, tudo o que desce tem que subir, minha mãe olha para as chaminés apocalípticas de Cubatão, meu pai dirige com os vidros abertos, ele quer que o vento o desperte, ele havia trabalhado à noite naquele dia, minha vó nunca viajava com a gente, bom, só no começo, no comecinho, 1986, 1987, lá em Ubatuba, quando a gente ficava naquele chalé perto da praia de Perequeaçu, o pai um dia amarrou um peixe ao anzol – eu não tava pescando nada, a maré ia e vinha, daí ele me deu a esperança do pescador, me tornei pescador com uma estória de pescador, saí correndo com o peixe que tinha pescado, ele começou a deixar rastros na areia, a Lari vinha atrás, ela queria tirar as escamas do peixe, eu dizia que tinha espinho, que ela não podia comer, porque, no Natal de 89 – e também no de 90 –, eu cheguei a ficar roxo com o espinho, a mãe chorou, depois não insistiu mais pra eu comer peixe, o peixe e os peixes do Shedd Aquarium aqui de Chicago, lagosta e lagostim, uma aranha marinha bem laranja, patas como tentáculos, ela se move com a elegância de sua geometria, um ouriço do mar flutua, há tubarões das Filipinas, na parte aquática dos trópicos, os americanos conseguem até trazer o cheiro da floresta, um pequeno jacaré com os olhos à tona e o corpo sob a água algo turva, a superfície como fronteira, no show com os amestradores, um leão-marinho, o Leôncio do bom e velho Pica-Pau, dá cambalhotas em troca de pequenos peixes brilhantes e oleosos, peixes parecidos com as sardinhas de que meu pai gostava, sardinhas fedidas, passavam dias na gaveta de frutas e legumes da geladeira, meu pai escondia a lata ali, sob o alface, pra eu não comer a sardinha – mal sabia ele que eu as jogava fora, e a Lari mantinha a promessa, ela não contava pro pai, mas contava pra mãe, mas a mãe tinha medo de que o pai me desse umas chineladas, então a mãe acobertava muito do que a gente fazia, a vó ralhava muito, mas depois, quando eu trazia mais balinha de goma pra colocar no avental dela, bom, aí ela nem ligava, nem mesmo quando eu ria porque a dentadura dela escorregava, o bisa, pai da vó, teve um derrame, ele só ficava sentado na poltrona e falava por grunhidos, me dava medo, então eu chutava a canela dele com a bota ortopédica, o coitado gemia, me dava dó, mas aí ele grunhia mais, eu chutava mais, chutava e saía correndo, tinha milho que não acabava mais vindo do quintal do vizinho, ali era a Quintana da nossa infância, a Quintana da pracinha e da igreja, a Quintana do milho e da goiaba do vizinho, bem feito, Lari, goiaba quente dá cagote, mas eu não sabia que também jaboticava quente fazia cagar mole, jaboticaba grande, grande, grande, redonda como os olhos da Marlenes, a cubana de Santiago de Cuba que caminha com pernas rijas e longas como duas tenazes, a pele escura e brilhante como a casca da jaboticaba. Marlenes veste saia e sandália, “así mismo”, tiara e cabelo esvoaçante, entre crespo e enrolado, alta, vamos ao Quartel Moncada, ela já sabe que me gusta la revolución, é quase 26 de julho de 2013, há 50 anos Fidel e os seus tentaram tomar de assalto o Moncada, as marcas das balas ainda estão lá, eu teria que dar uns cinquenta tiros com a espingardinha de feijão para conseguir um buraco daquele tamanho, cabem todos os dedos em concha, as sentinelas ainda usam farda verde-oliva, Verde-Oliva era o nome da revista editada pelo Che, Marlenes fica feliz por me saber um compañero, pero ella sabe bien que ya no hay revolución, ruas de terra em Santiago, falo para ela sobre o Mazzaropi, minha mãe gostava dos filmes dele, ele era corintiano, como eu, e daí ela me fala sobre a tradição guajira e sobre o fato de ter sido quase campeã de taekwondo, ela pede pra eu ficar quieto, “quédate un poquito, no más”, abaixo as pernas, o chute giratório dela tira a minha boina da cabeça, você já viu algum filme do Van Damme?, “pirata, sim, já vi”, quando ela chuta a saia se faz desnecessária, revela uma bunda carnuda, meus dedos bem brancos vão sulcando a pele, ela gosta do meu queixo que a resvala com a barba de dois dias, raspa, o cheiro e a cabeça se levantam, ela quer se virar mas eu a faço ficar de bruço, empina, empina!, ela vem, eu abro a bunda com a boca, aquele olhinho do cu lembra o redemoinho do ralo, eu trouxe um olinho, Marlenes, “¡perro!”, a unha roça minha nuca e me diz que a língua tá boa, a língua e o dedo, os dedos, ela puxa minha perna, quase bato o joelho na boca dela, rio com os lábios viscosos, ela me vê de ponta-cabeça, vai dedilhando minhas bolas, a língua sobe, contorna a cabeça, cospe de leve – então ela ri, me olha de soslaio, sabe que se a rola entra de lado não bate direto na garganta, minha mão se enche de Marlenes, da coxa roliça que termina depilada na conchita entre negra, roxa e rosa, beijo duas bocas, me revezo, a gente rodopia, o lençol se embola e dá mais calor, a parede é caiada, bem branca, faço Marlenes apoiar as mãos ali, elas deslizam e, pelo rastro dos dedos, vejo a nossa pré-porra, não preciso nem dizer, ela empina a bunda e curva a lombar, não precisa nem levantar os calcanhares, é a altura do encaixe que a faz abrir a boca, “así, papi!”, blues, jazz, bateria e baixo, garrafa d’água ali perto, entro nela e lhe beijo as costas, puxo o corpo dela até mim lhe puxando os ombros com mãos firmes, te puxo o cabelo, enlaço o pescoço, um dedo na boca, dois, cê fica se tocando lá embaixo, molha os dedos e pede pra eu ir mais devagar, daí consegue resvalar meu saco, cola as pernas nas minhas, cola as costas no meu peito, inclina o quadril um pouquinho, me dá de pé, vira a cabeça e fica me beijando, beijos molhados, babados, ¡más despacito, Marlenes, que así mi ya viene la leche, amor!, “¡no, ahorita no, tranquilo!”, Marlenes se ajoelha, tira a camisinha com o dente, bate o pau na cara, vaivém bem duro, cospe firme, fica um fio de baba entre o lábio e a glande, ela destrói a ponte com o queixo e, logo, com o bico do peito, fica batendo o pau ali, passa a pontinha do dedo no olho cego do Ciclope, raspa as unhas nas minhas costelas e depois se perde na pelaria do meu peito, é na mão dela, é pela mão dela que sinto o esterno a martelar o peito, ela vai me empurrando até a cama, caio de costas, cê vem firme até a minha boca, se senta sobre mim e puxa os grandes lábios pra me dar o clitóris durinho, bem molhadinho, enquanto isso alcança minha rola com a mão esquerda, a mão melada bate e resvala a cabeça, eu chupo, ela contém o urro, na pensão não podemos fazer alarde, no ônibus de volta para Havana todos dormem, só nós queremos a insônia, ela vai engatinhando pra trás, cê fica alisando o pau, do saco até o cabresto, antes de me engolir, ¡ahora baila salsa, Marlenes!, “¡tranquilo, mi rubio, tranquilito!”, ela sabe que é gostoso quando o quadril senta fazendo una ola, a volta da sentada raspa bem o grelo em mim, enlaço as costas dela, peço pra ela vir pertinho, te mordisco o lóbulo, ¿quieres más fuerte?, cê morde meu pescoço, morde e não descerra os dentes, como quem chupa a manga e alcança o sumo, Marlenes empina bem, abre as pernas em arco, meu quadril bomba forte embaixo dela, a gente sua junto, o abraço é rente e forte, gosto muito de beijar a boca dela, lábio carnudo e macio, ponho a língua no céu da boca dela, ela ri e diz que é estranho, cospe na minha boca, chupa a mínha língua, beijo firme e bombo, “¡ya me viene, ya me viene!”, quero segurar, mais um pouquinho, até que um suspiro profundo, bem quente, suspiro que se dissipa entre o pescoço e a orelha direita, diz que eu também posso gozar. Ora, gozar na camisinha é ver o tigre arremeter contra a grade, eu a viro sob mim como o looping da jangada e seguro a base do pau, com força, pra conter o jato quente. ¡Cierra tus ojos! É aí que ela abre mais, quer discernir entre a meia-luz e a meia brisa o meu jorro, me espalho por ela, sobre a barriga, entre os peitos, alguns pingos junto à boca. Abro a janela, o branco viscoso cintila na pele negra, ela passa nos peitos, leva meu sêmen pra boca, quer que eu a beije, que a chupe, que os fluidos se troquem, que os gostos e os cheiros se mesclem, ela roça a unha no meu nariz romano, sente o calombinho como se fosse uma córcova de camelo ou da llama de Cusco, então me abraça com as pernas e diz que “¡te quiero mucho, te quiero más, quédate en Cuba, vamos a Brasil!” O dorso da pantera. O dorso que me olha de bruços por sobre o ombro esquerdo. Fico bem quietinho – agora, a realidade pode prescindir da ficção por se expandir a ponto de resvalar o intangível. A pele de Marlenes me traz a maresia, pele saladita com o olor dos plátanos frititos em rodelas que comemos com arroz y frijoles negros. Ela me toma no peito, logo as unhas perfazem os contornos da minha sobrancelha, brincam com o que há de cílios, roçam minha barba. A verdade, nós dois ali sabemos, é entrelaçada como nossas pernas, a verdade é côncava como a cavidade cálida que as costas dela deixam no colchão porque agora Marlenes se deita sobre mim, a verdade é o olor  que impregna o travesseiro, a verdade é o beijo furtivo. As folhas do outono de Chicago se alaranjam nos charcos junto ao meio-fio. Escrevo com o motor longínquo dos aviões a me encimar; à minha esquerda, através da janela, as folhas das árvores farfalham e, de quando em vez, gaivotas migram em V como duas arestas de um triângulo a buscar o sentido. Ontem, após ler algumas poesias de Roberto Bolaños no subsolo da livraria Barnes & Nobles, fico pensando no poeta como a teia de aranha que fotografo na estação Fullerton, ligação entre as linhas vermelha e marrom. O que resvala a teia geométrica, mesmo se minúsculo – aliás, sobretudo se minúsculo –, se transforma em presa para além da fugacidade. A captura não é apenas o extermínio, a captura é a crisálida da metáfora. A captura é o alçar voo da poesia. Chove em Chicago de forma intermitente. Ainda não despencou uma torrente contra os telhados. Pois três rapazes usam baldes para fazer um batuque bem rítmico entre as várias pilastras de aço dos trens sobrelevados. Nem mesmo os trens conseguem ensurdecer o batuque – o balde amarelo parece o mais animado. Paro em frente ao trio, me escoro em uma das pilastras e mesclo o baixo do blues ao batuque anímico da calçada. Gosto das fachadas dos subúrbios que deixam as folhas crescerem sobre as paredes – casas também têm barbas. Gosto das luzes de sódio bem amarelas de Chicago, gosto das alamedas entre as casas, gosto do temor de Chicago em relação ao incêndio que devastou a cidade em 1871, gosto dos carros de bombeiro onipresentes, da necessidade de haver espaços para fuga. Gosto de saber que as putas que fogem da polícia conhecem os escaninhos dos terrenos baldios onde me chupam, “feel my mouth as the tunnel of my cunt!” Lindsay cala meu urro com a mão cheia de dedos que cheiram a hidratante. Gosto do nomadismo ébrio que me faz sentir saudade do Kremlin diante dos arranha-céus de Chicago e Donald Trump. Quem se distancia do Kremlin em direção à Praça Lubianka, patíbulo de Stálin, cadafalso de Béria, sede do antigo KGB, logo chega à Kitay-Gorod, linha laranja do metrô moscovita, o metrô das estações/palácios centrais, o metrô do barulho ensurdecedor. Perto do prédio do KGB, perto do museu Maiakóvski, fica um restaurante/balada chamado Propaganda. Entre os primeiros lugares em que estive quando cheguei a Moscou. Uma tarde de quinta-feira, abril de 2008. Henrique, amigo brasileiro, e eu conhecemos duas ucranianas nos jardins do Kremlin. Elas nos levam ao Propaganda – e logo pedimos vodka. Gosto do inverno europeu e das roupas taciturnas. Anna me ensina a dar o nó russo no cachecol. “Você enlaça assim: dobra o cachecol ao meio, depois o passa ao redor do pescoço. Uma das pontas vai passar por dentro da outra ponta que está dobrada. O que sobrar do cachecol você passa ainda uma vez pelo pescoço ou protege o peito sob o sobretudo”. Margarita. Dia 01 de maio de 2008, Feira da Amizade dos Povos na RUDN, a universidade onde eu estava estudando a língua que Dostoiévski legara a Stálin. Havia stands das mais diversas nacionalidades. Armênios, quenianos, azerbaijanos, camaroneses, palestinos, equatorianos, peruanos, congoleses, iraquianos, brasileiros – e búlgaros. (Entre muitos outros.) Você estava ali, no stand da Bulgária, então não te pensei russa a princípio, não te pensei moscovita. Me senti afrontado pelas tuas maçãs salientes, o cabelo loiro, fino e não tão volumoso fez com que eu me lembrasse da minha irmã. Não fazia muito frio, mas ventava – daí o seu casaco leve e branco que, ainda assim, não conseguia esconder os peitos redondos como duas mangas. Rostos com maçãs salientes tendem a ser angulosos no queixo. E que dizer do lábio superior levemente sobressalente? Eu estava a uns 5 passos de você. Toda a rapaziada já tinha notado o quanto você me hipnotizara. “Vai lá falar com ela, rapaz! Vai lá!” Sempre há incentivadores bastante corajosos. Quando os desafiamos para tomar a dianteira, o rabo entre as pernas desvela quem só faz latir. Como vou falar com ela? Não pode ser rotineiro, todos devem fazer isso. Como? Já tinha o meu olho fotográfico em mãos. Foi então que te vi tragar o cigarro lentamente. Segurei o clique até que você exalasse a fumaça. Por capricho, o vento fez alguns fios resvalarem tua bochecha esquerda como se fossem gravetos relegados em uma clareira do bosque. Te capturei muitas vezes. E esperei. Quando me deixaram em paz, quando você saiu daquele stand, fui até você. Naquele início da estada moscovita, mesclava o inglês ao russo. Você logo se disse Margarita – e teu sorriso amplo gostou de te ver e de se ver em minhas fotos. E quer dizer que você estuda chinês? “Estou terminando o mestrado agora”. Havia várias tavernas na cidade universitária, entre os alojamentos estudantis. Via de regra subterrâneas, já que ninguém quer tomar uma lufada do inverno russo contra o rosto ao abrir as portas pesadas como fardos. Fomos ao Bunker, uma taverna com temas árabes, assim como o dono libanês. Ao nos ver – ao ver como eu olhava para Margarita, Said, casado com uma russa, não se fez de rogado: uma dose de lícor de nozes verdes veio por conta da casa. Logo fiquei sabendo que você havia sido bailarina, que agenciava uma banda de rock chinês, que já havia feito a tradução para o russo bolchevique do Livro Vermelho, de um tal de Mao Tsé-Tung, e que gostava de danças causasianas – tchetchenas, sobretudo. “Vou dançar esta noite!” É claro que não te deixaria ir sozinha. “Não, não, você não pode ir comigo, todos ali me querem, se souberem quem você é e o que você quer, eles vão te matar, eles andam armados, todos, e a dança leva espadas”. Como?! “Sim, a dança leva espadas, eu me visto como uma odalisca, véus de múltiplas cores, e danço com ondulações do ventre e das pernas, eles batem as pernas, até que começam a bater espadas, golpes sobre a minha cabeça, golpes por vezes rentes, eles bebem e gritam, a velocidade dos giros e dos golpes aumenta, eu vou me reclinando, as costas ficam quase paralelas ao chão, as pernas é que me sustentam, então um deles me puxa, simula um beijo – por eles, não seria apenas simulação… – e me pega no colo. É a dança da tradição que sequestra a mulher e a leva para as montanhas, a mulher desaparece e nunca mais é vista”. Enquanto ouço Margarita, penso em como não há vida na monotonia oceânica do cotidiano. A vida como uma estepe monocórdia – por vezes, temos a boa fortuna de serpentearmos até alguns cumes. Se conseguimos compor nossas vivências como uma miríade de cordilheiras, sentimos que o sentido da peregrinação pela aridez da estepe só se completa e se contempla quando o nômade descansa o corpo fatigado nos momentos de epifania. A memória. Reminiscências que parecem cindidas do todo como duas margens distantes de um mesmo lago. Que é a memória senão a ponte – e a jangada? Que é a memória senão o ímpeto dos remos? A memória, Margarita, é a minha travessia noturna pelos lagos Michigan e Titicaca. “Titi para o Peru, caca para os bolivianos”. A memória é tentar ler Antes del fin, do bom e velho Ernesto Sabato, com o barco a sacolejar rumo à Ilha Amantani, ilha em que a natureza decreta, para aquém da eletricidade ausente, que o dia acaba após a curvatura do horizonte. Margarita, como bebemos! E nos aproximamos. Cê tentou me ensinar chinês, me falou sobre o rio Amarelo, sobre a Praça da Paz Celestial – sobre como a Praça Vermelha, imensa, se torna pequenina diante da praça que ainda enverga o painel de Mao, me falou sobre a China multiaromática, te falei sobre o Brasil das imigrações, sobre o bairro da Liberdade, em São Paulo, e você mesclava a curiosidade sem piscar com bicadelas de licor. Marlenes, Margarita, cês me fazem sentir o mesmo furor, o mesmo ímpeto de síntese. Emily, a ruiva, é a branca e a negra. Margarita tem os seios com a textura mais generosa: rijos sem ser intumescidos, grandes (pero no tanto) sem a malemolência das dunas. Quando você comprime os seios, Margarita, a Rússia nos faz escorregar até a Espanha. Madri das calles delgadas que despontam a partir da Puerta del Sol. Callecitas estreitas escomo teu vãozinho rosa. Cê pede – e pede quase silenciando o próprio pedido, a súplica quase como um comando sustado (e desnecessário) – que eu bata minha cabeça na tua portinhola, que simule a dúvida entre o cuzinho e ela. Ficamos de lado, coloco a tua perna direita mais pra frente, me dá mais espaço pro pau deslizar, quando entro você procura minha boca, eu encho a mão com a tua cintura, com o teu peito, você quer que eu vá devagar, que eu deixe ali, então começa a se contrair, vai me esmagando, dosa o meu tesão com a força das minhas mordidelas. (Tá tão bom que eu sempre vejo se a camisinha tá ali, parece que vai no couro.) Cê cospe na minha mão, fica mais fácil deixar o bico duro, durinho, eu te trago pra cima de mim, as costas no meu peito, e vou bombando ali por baixo. Suave e rispidamente, são os teus gemidos que me conduzem, quando sai eu dou umas batidelas com a cabeça no teu grelinho antes de entrar de novo, então você pede que eu te toque enquanto te como, até que fique forte e viscoso, até que comece a escorregar muito. Você só precisa mover o ventre – devagar, bem devagar –, enquanto eu sussurro o quanto te quero. Em Bogotá, com muita sabedoria, una señorita de la noche me ensina que las verdades del cuarto y de la cama quedan aquí, con nosotros, en el silencio de nuestros cuerpos sudados… É como se não soubéssemos viver o intenso para além de sua cripta. Conseguimos apenas ilhas de comunhão. Freud chegou a dizer que a alma simplesmente não suportaria o prolongamento de uma visceralidade profunda, a psique se veria estiolada como a corda de um violino, a economia psíquica precisaria de um relaxamento (um armistício) para que a paz pudesse caminhar entre os escombros. É a trégua de quem quer saber por onde caminha, com quem anda e, sobretudo, “para onde vamos?” É a trégua que cinde a poesia da prosa, o conceito da vida, a ideia do corpo. É a trégua que faz de Pandora uma cativa e de Sísifo um operário. É a trégua pudica, a trégua burguesa, a trégua do cálculo comezinho. A trégua que não acredita que o amor se recomponha com os corpos extenuados. A trégua que duvida até mesmo do jazz havaneiro à beira do Malecón e em uma das antecâmaras próximas ao KGB. (É uma trégua assim que dá vazão a que o escritor se refugie ficcionalmente.) Ou vocês acham que a paixão arfante de Marlenes e Margarita me fazia buscar abstrações para além da concretude suada? A definição já beira a capitulação. (Chegaria a literatura a ser revogada se o intenso se entrelaçasse umbilicalmente a versos e narrativas?) Emily, vá até Veneza. Marlenes e Margarita, onde vocês estão? Vocês me diziam que a barba de uma semana ainda não pinicava a pele – o pêlo ainda é macio, é a minha barba agora. De tempos em tempos, a geladeirinha aqui do quarto (minha cripta) renova o barulho do motor. Parece a geladeira lá de casa, de São Bernardo, a geladeira amarela da General Electric, a GE, a geladeira que tinha uma grade a proteger o motor, grade junto à qual a vó colocava a roupa pra secar em dias frios como o outubro de Chicago. Que fazer quando o acúmulo da vida se volatilizou como memória? Vó, pai, mãe, cadê vocês? Uma música de fundo junto à poltrona da livraria traz a nostalgia como o restelo a recolher as folhas fraturadas. Time goes by… so slowly. Time goes by… so slowly. Time goes by… so slowly. “You should go to Boston!” Por quê? Emily me diz que, lá, os prédios não são novos, as fissuras vêm à tona, o opaco convida ao silêncio da circunspecção – e da contemplação. Emily, Marlenes e Margarita, como é que se termina um texto que eu não quero sustar? Enquanto ele estiver in progress, vocês ainda estarão aqui. Então me lembro da ampulheta dourada do meu pai, ampulheta envolta por um mecanismo dinâmico: quando a areia roxa escoava completamente para o bulbo inferior, a ampulheta girava sobre o próprio eixo para que, ainda uma vez – e sempre –, Newton fizesse o tempo púrpura escoar pelo pescoço de vidro. Meu pai, vendo como eu estou magnetizado pelas cambalhotas do tempo, deita a ampulheta. Sedimentada, a areia roxa parece o dorso da pantera. O tempo parece sustado; a memória, obsoleta. Não é pai? Não é pai?! Pai? Cadê você, pai? (O dorso da pantera, a árvore nua do inverno, entrelaça os dedos sobre o peito do tempo.) (O motor da geladeira volta a funcionar; vejo os closes prolongados nos protagonistas de Ingmar Bergman, rostos pálidos como pratos de porcelana. Me lembro das cadeiras de madeira que rangem no Rei das Batidas, o pé-sujo mais antigo do Butantã. Aqui estão um barquinho e um par de remos aguilhoados à beira do lago Michigan.) No dia 27 de abril de 2012, minha mãe quer ver as fotos de 6 décadas atrás, fotos do tempo em  que ela, minha vó Ângela e meu vô Ricardo moram em Marília. O rosto da menina já é o rosto da mulher, apenas as chuquinhas denunciam que a guardiã precisa de mais tempo para se tornar mãe. Minha mãe acaricia o rosto da minha vó e o bigode do meu vô como a encarnação da memória. Às 23h30 do dia 28 de abril de 2012, minha mãe falece. Você pressentiu alguma coisa, mãe? (Quando foi que deixamos de fazer perguntas assim?) Lucy, a cachorrinha aqui de casa, late de felicidade quando os hóspedes regressamos. Ela não oferece o dorso. Não. Ela se vira de barriga para cima e pede cosquinha nas microtetas. (Posso terminar agora?) Continua a ventar contra as janelas. Ao tocar seu solo, Harry, o baixista aniversariante, dá prenúncios do término – os dentes brancos cedem aos lábios que vão se cerrando. E quanto à separação? A separação cicatriza? A morte tem data marcada para acontecer? (Quando foi que deixamos de viver perguntas assim?) O que vou sentir quando voltar a caminhar pela neve? No dia 16 de dezembro de 2006, em Berlim, na Schönleinstraße, um trabalhador diligente retira a espessa camada de neve de sobre o vidro do carro para ir trabalhar. São 07h23. A neve cai lânguida. Imaginemos os flocos de neve sobre o dorso negro da pantera. Na National Gallery, em Londres, um quadro de Da Vinci me lembra uma colagem de Picasso. Sobre uma tela composta em perfeita perspectiva, o pintor plotara uma pantera chapada, como se fosse um desenho medieval, o rascunho de uma criança. (Teria Leonardo pressentido que a pantera também precisa resgatar o tempo?) Por que a velhice volta a compilar o que a altivez independente do adulto antes relegara? A bricolagem da caixa de brinquedos. O caos que deve caber em algum lugar. (E se o caos não mais precisasse caber?) O cabide que resguarda o que sobrou do casaco do meu vô. (Seria a naftalina a última barricada daqueles que querem cavalgar o tempo?) A naftalina: eis os flocos de neve sobre o dorso negro da pantera.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

.

 

Flávio Ricardo Vassoler é escritor, professor universitário e autor de “Tiro de Misericórdia” (Editora nVersos, 2014) e “O Evangelho segundo Talião” (Editora nVersos, 2013) e organizador de “Dostoiévski e Bergman: o niilismo da modernidade” (Editora Intermeios, 2012). Durante o mestrado em Teoria Literária (2008-2010) pela FFLCH-USP, o escritor Fiódor Dostoiévski fez com que Flávio Ricardo se embrenhasse pela Rússia, durante um ano (2008-2009), para aprofundar, junto à Universidade Russa da Amizade dos Povos, em Moscou, o aprendizado da língua que as “Memórias do Subsolo” legaram a Stálin. Agora, durante o doutorado em Teoria Literária (2012-2015) pela FFLCH-USP, Dostoiévski e a dialética fazem o autor nômade migrar novamente, desta vez para a fronteira oposta da Guerra Fria: entre setembro de 2014 e agosto de 2015, Flávio Ricardo realiza um estágio doutoral junto à Northwestern University, em Evanston, Chicago, nos Estados Unidos. Segundas-feiras, quinzenalmente, o autor apresenta, a partir das 22h, o Espaço Heráclito, um programa de debates políticos, sociais, artísticos e filosóficos com o espírito da contradição entre as mais variadas teses e antíteses – para assistir ao programa, basta acessar a página da TV Geração Z, www.tvgz.com.br, o Portal Heráclito e o YouTube. Periodicamente, atualiza o Portal Heráclito, www.portalheraclito.com.br, e o Subsolo das Memórias, www.subsolodasmemorias.blogspot.com, páginas em que posta fragmentos de seus textos literários e fotonarrativas de suas viagens pelo mundo.

 




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook