Sebastião Salgado e a retórica humanitária


MEIA DÚZIA DE RAZÕES PURAMENTE ARTÍSTICAS PARA DETESTARMOS SEBASTIÃO SALGADO. E UMA RESPOSTA AO DEFENSOR QUE SE ACREDITA MALICIOSO..

 

– Suas imagens já nos chegam devoradas pelos bons sentimentos, recobertas de retórica humanitária. Não há nada a ver ali onde o fotógrafo piedoso já sentiu tudo por você e a piedade pulou na frente do que se poderia enxergar.

– Suas imagens já nos chegam devoradas pelas próprias imagens. Aqueles pés rudes e nodosos de trabalhadores refazem Portinari sem que o fotógrafo pareça percebê-lo. Nada em Sebastião Salgado nos comunica, de algum modo, que ele sabe que está citando alguém. Isso vale para as suas Madonas.

-Aquela luz técnica e laboratorial projetada sobre os objetos e sujeitos os torna olímpicos no momento mesmo em que são convocados como testemunhas do real extremo. Banhados de luz, os sujeitos salgadianos não aderem à terra. Não seria necessariamente um blefe se ele fosse surreal como um Bernard Faucon.

– Para que as palavras não saltem na frente das imagens, Godard costuma separar a banda visual da sonora, manejando uma montagem poética. Como designer visual, Salgado, que não sabe separar nada, e rende um quadro sujo, bem podia aprender com Godard.

– Não é só o Salgado humanitário mas o humanista que se presta a esta nota de Francis Ponge estudioso dos cubistas: tudo depois da desconstrução de Bracque é lavagem cerebral idealista e cristã.

– Se você se deixou impressionar com a entrada de Sebastião Salgado, todo fardado, na Academia Francesa de Belas Artes, dê uma clicada no Google e veja quem entrava antes e quem entra agora nesse velho reduto decadente. Vale aqui a frase rebelde: quem entra para a Legião …. perde a honra.

 

RESPOSTA A UM DEFENSOR QUE SE ACREDITA MALICIOSO: Não, não é porque é pago pela Vale do Rio Doce que Sebastião Salgado é ruim. É simplesmente porque a sua luz é mitificante.

 

 

 

 

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Leda Tenório da Motta estudou com Roland Barthes, Gérard Genette e Julia Kristeva.  É Professora no Programa de Comunicação e Semiótica da PUC/SP, pesquisadora do CNPq nível 1, pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, tradutora e crítica literária, com passagem pelos mais importantes cadernos de cultura brasileiros. Traduziu, entre outros, O Spleen de Paris de Baudelaire e Métodos de Francis Ponge, o primeiro livro deste poeta a  sair no Brasil. Publicou, entre outros, Proust – A violência sutil do riso, que recebeu o Prêmio Jabuti, e Roland Barthes- Uma biografia intelectual (Iluminuras), finalista do Prêmio Jabuti.  Lança em 2015, pela Iluminuras, Barthes em Godard- Críticas suntuosas e imagens que machucam. E-mail: ltmotta@pucsp.br

 




Comentários (1 comentário)

  1. Rodrigo da Rosa, Mas que crítica impiedosa… Salgado é algo precursor, no Brasil, talvez, do que Baudelaire fez na literatura, um olhar para as margens…De fato, um herdeiro do romantismo… Talvez não signifique mesmo algo para a estetica da grande arte, para a académica… Mas continua tendo grande significado para o grande público, como gesto, como mirada simplesmente, e, como vivemos em uma sociedade de massas, isso não é pouco.
    2 março, 2018 as 1:58

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