Poligonia do Haikai
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Na virada do século XX para o século XXI, eu tive o prazer de conhecer pessoalmente o Ernesto Manuel de Melo e Castro em uma palestra sua, ministrada na FFLCH-USP, quando foi professor visitante no Brasil. Tempos depois, em 2009, falando de sua poesia, tornei-me seu amigo no lançamento da plaquete Quatro cantos do kaos. Em 2013, conheci o Rodrigo Bravo – meu companheiro de grupo Neûron. Nossa primeira parceira, “Ernesto na Torre de Babel”, envolvia diretamente o Melo e Castro, pois escrevemos um livro formado por 18 poemas dele, traduzidos pelo Rodrigo para Inglês, Francês, Holandês, Japonês e Grego Clássico. Outra vez entre o poeta dos ciborgues e meu parceiro mutante, venho falar da poligonia do haikai, do Rodrigo, em que(m) então ressoa a poligonia do soneto, do Ernesto Manuel.
Antes de imaginar suas poligonias, como imaginar sonetos ou haikai? Segundo o próprio Ernesto, o soneto é uma estrutura. Mas o que isso significa? Quando se diz que poesia se faz com palavras, uma opinião bastante vulgar assoma: “como assim? A poesia é feita com sentimentos, coisas indefinidas, imaginação… as palavras apenas expressam isso”. A linguagem não é, porém, reflexo das coisas do mundo e dos sentimentos humanos – inclusive os sentimentos vagos e indefinidos –; a linguagem, por ser suporte do pensamento, dá sentido ao homem e a seus mundos possíveis. Por isso mesmo, quando se diz que a poesia se faz com palavras, estamos dizendo que as palavras geram os homens e sua poesia. As formas poéticas, desse ponto vista, são estruturas capazes de gerar pensamentos e tudo que deriva deles; é desse ponto de vista que sonetos, haicai etc. são estruturas.
As estruturas não são construções estáticas, mas formas dinâmicas, próprias para o êxtase. Ao encontro disso, Ernesto se vale do neologismo “poligonia” em, pelo menos, duas acepções da palavra: (1) poligonia aponta para a multiplicidade, deriva de polígono, aquele que tem muitos lados; (2) poligonia quer dizer agonia múltipla, significa a morte das formas, mas não a morte fim, significa a morte necessária para mudar.
Em poligonia, sejam sonetos, haicai, outras formas, trata-se de: (1) depurar as estruturas – esse é o desafio das coerções, que tanto fascina os artistas mais engenhosos –; (2) inovar as estruturas – modifica-las para ampliar seus alcances, portanto, ampliar as visões de mundo derivadas delas –; (3) subverter as estruturas – essa é sua morte para que outras formas sejam propostas –. Cada vez mais intensamente, da depuração à inovação, da inovação à subversão, os lados, porque agonizam, se multiplicam.
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Sonetos são formas literárias recorrentes da poesia ocidental; nos sonetos há, pelo menos, duas coerções de gênero: (1) na expressão prosódica e fonológica, sonetos seguem por estrofes, métricas e rimas estabilizadas; (2) no conteúdo conceitual, há regras argumentativas distribuídas entre as estrofes. Essa é a estrutura mínima do soneto: ela não significa prisão, mas percurso; ela aponta para os desafios da poesia não para os limites do poeta. Além de 14 versos dispostos em 2 quartetos e 2 tercetos, no soneto clássico: (1) os versos são decassílabos heroicos ou sáficos, dispostos em certos padrões predeterminados de rimas; (2) conceitualmente, no 1º quarteto o tema é exposto em termos gerais, no 2º quarteto o tema é particularizado pelo enunciador do poema, nos tercetos segue a conclusão.
Em sua poesia, Melo e Castro sabe depurar o soneto. Para ilustrar isso, dos sonetos de Re-camões, de 1980, reproduzimos este quarteto:
há uma linha subtil que tu partiste
no medo desmedido mas contente
uma causa cruel que não se sente
mas é a vida a terra que tu viste.
A alusão ao célebre soneto de Camões é evidente; além de respeitar as coerções prosódico-fonológicas – versos decassílabos heroicos – e as coerções semânticas – no primeiro quarteto há a exposição do tema –, Ernesto repete a malha parafônica utilizada por Camões. Essa forma pode ser, porém, modificada pela engenharia poética; o poeta pode inová-la, sem subvertê-la completamente, seja interferindo nas formas de expressão, seja nas de conteúdo. Para ilustrar isso, dos sonetos de Poligonia do soneto, de 1963, selecionamos este quarteto:
amor não sentimento não ternura
não desejo não sexo não amor
amor nada concreto não os olhos
preso nunca no peito não por certo.
Nesse poema, Ernesto escolhe outras coerções semânticas, pois o amor é tematizado em labirintos barrocos e não mais em raciocínios lógicos e conclusivos. Mesmo abandonando a rigidez das rimas em função de outros efeitos fonológicos – aliterações e assonâncias –, o poeta preserva os versos decassílabos heroicos. Ainda no mesmo livro, são encontrados os sonetos MAUSOLÉU e Soneto soma 14X, em que Ernesto subverte quase por completo as formas tradicionais, respeitando apenas a disposição dos versos em dois quartetos e dois tercetos. Eis os primeiros quartetos de cada um deles:
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MAUSOLEU
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MAU SOL EU
AU SO LEUM
U SOL EUMA
MARSUPIAL
Soneto soma 14X
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14342
23306
41612
32216
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Haikai é forma literária recorrente das poesias oriental e ocidental. Nos haicai há, pelo menos, duas coerções de gênero: (1) na expressão prosódica e fonológica, haikai seguem por métricas estabilizadas; (2) no conteúdo conceitual, há regras temáticas e figurativas distribuídas ao longo dos versos. Essa é a estrutura mínima do haikai: tal qual o soneto, ela também não significa prisão, mas percurso; ela também aponta para os desafios da poesia, não para os limites do poeta.
Em língua portuguesa, as formas de expressão do haikai seguem basicamente a proposta de Guilherme de Almeida: (1) uma estrofe formada por uma redondilha maior intercalada por duas redondilhas menores; (2) as redondilhas menores rimam entre si nas sílabas finais dos versos; (3) na redondilha maior, a rima se faz entre o acento tônico e o acento final do verso.
Conceitualmente, o haikai encaminha o satori. Definido dentro das concepções budistas, em linhas gerais, o zen diz respeito à transcendência da realidade meramente espaço-temporal e aponta para sua superação em função de dimensões, que, em termos ocidentais, poderiam ser chamadas metafísicas – desde que metafísica signifique aquilo que compreende e determina o mundo físico –. Em outras palavras, superar o samsara por meio da concepção de nirvana. Da Índia ao Extremo Oriente, o sincretismo religioso cuida de assimilar budismo indiano e religiões autóctones, e a prática zen passa a ser aplicada em diversas artes, da cerimônia do chá à arte da guerra. Entre elas, a poesia e, especificamente, o haikai. A meta é atingir o estado de consciência, chamado em japonês satori, por meio do qual sujeito e objeto tornam-se um só.
Seguindo de perto a proposta de Guilherme de Almeida, Pedro Xisto fez com o haikai o mesmo que E M de Melo e Castro fez com o soneto: depurou, inovou, subverteu.
Ao depurar, Pedro Xisto seguiu rigorosamente tanto as coerções da expressão prosódico-fonológica – cinco/sete/cinco sílabas poéticas – quanto as coerções semânticas. As formas poéticas são também formas de conteúdos conceituais; apenas para dar alguns exemplos: o ultrarromantismo é noturno, a natureza nele é escura e indefinida, portanto, misteriosa; o arcadismo é diurno, a natureza nele é amena e dominada pelo homem; no haikai, a natureza segue seu curso nas estações ao longo do ano. Valendo-se disso, Pedro Xisto compõe este haikai, depurando um poema que cita, explicitamente, o Japão por meio da cerejeira, sua árvore símbolo, em plena primavera:
ante a cumeeira
e os muros altos e escuros
branca cerejeira
Ao inovar, Pedro Xisto, entre tantas experiências:
(1) repete a mesma palavra, valendo-se de técnicas de composição concretista
LÁJEA LÁJEA LÁJEA
LÁJEA LÁJEA LÁJEA LÁJEA
LÁJEA LÁJEA lágrima
(2) combina palavras com vocalizações próprias da poesia sonora:
iaiá iaiá ia
aí: ôi ioiô: aí
ai ai iaiá ia
(3) introduz temas novos no haikai, como temas afro-brasileiros e nordestinos:
mar santo (a chamar
a bela) espelha e revela
já: mãe iemanjá
seca: o sertanejo
as palmas estende aos cactos
verde derradeiro
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Apesar de todas as inovações, todos esses haicai seguem a prosódia cinco/sete/cinco sílabas poéticas e encaminham o satori. Ao subverter, Pedro Xisto faz haicai concretos, traduzindo para a semiótica visual efeitos de sentido da semiótica verbal. Em Hiroshima e Nagasaki, ele se vale da alternância de fontes maiúsculas e minúsculas para gerar palavras polissêmicas – cLOUD, wALL, WEeds –, dispondo-as espacialmente: dez vezes a palavra cLOUD espalhadas na zona superior da página (cinco mais cinco); quatro vezes a palavra wALL, intercalando a palavra WEeds repetida três vezes (quatro mais três, igual a sete), alinhadas na zona inferior da página.
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Assim procedendo, Pedro Xisto não subverte apenas as formas de expressão, ele também subverte as formas de conteúdo, tematizando a explosão da bomba atômica em gênero literário acostumado a temas bem mais amenos.
A seu modo, Pedro Xisto compõe uma poligonia do haikai; seguindo pelo mesmo caminho, Rodrigo Bravo compõe outra.
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Poucos poetas se recusam a ficar entre o slogan e a mitificação, poucos encaram a poesia como forma de conhecimento, portanto, algo que se estuda, pratica, aprende-se a fazer, na maioria das vezes valendo-se antes de técnicas que de inspiração – inspiração que não passa, quase sempre, de tábua de salvação para malandros e preguiçosos –.
No Brasil, o país dos malandros corteses, o haikai também foi, cortesmente, objeto de malandragem: três versos curtos, com vaga inspiração esotérica, pronto para ser reproduzido em massa nos cursos de escrita criativa… isso não basta para ser haikai… tampouco trocadilhos são haicai.
Em sua poligonia, os haicai do Rodrigo Bravo passam longe disso. Fiel ao esquema 5:7:5 não por seus limites, mas pelos desafios – como já dizia Guimarães Rosa, os limites são estimulantes e desafiadores para os artistas criativos –, Rodrigo discute o haikai de suas estruturas originais – ele conhece japonês com fluência, lê os tratados de haikai no original –, às vanguardas das poesias concreta, sonora e aleatória, fazendo remissões ao barroco, no mesmo viés da poesia experimental portuguesa, e fazendo alusões à arte pop, ao letrismo, à arte conceitual, à infopoesia. Em outras palavras, Rodrigo faz poesia experimental.
O poeta experimental não é cientista, ele é poeta experimental. Experimentar também é provar; provar é sentir o gosto, mas também é demonstrar: prove isto: um doce, um drink, um fumo, um poema. O termo arte experimental deriva da música; ele nasce na música eletroacústica, que leva o músico, explicitamente, para os laboratórios de eletrônica e acústica, ou seja, para a essência física da composição musical – o máximo da técnica, levada à cabo pela poética –. Na literatura, a poesia experimental coincide, em sua essência, com a poesia de invenção. A poesia experimental busca pela expansão dos domínios da poesia, depurando, inovando e subvertendo os gêneros literários, expandindo, assim, os limites da percepção, antes restritos às noções alienantes da inspiração ou outras facilidades, que não passam de populismo.
A poligonia do haikai do Rodrigo Bravo se divide em 5 experimentos: êmulos, tradutórios, linguísticos, geométricos, virtuais. (1) emular significa imitar; para o Rodrigo, em sua poligonia, isso não significa simplesmente copiar versos alheios, como se a simples referência bastasse por si mesma. As referências devem ressignificar versos alheios em outras formas poéticas. Nessa primeira seção do livro, Fernando Pessoa, Marques de Sade, Glauco Mattoso, entre outros escritores, tornam-se compositores de haicai – essa é a 1ª experiência –. (2) traduzir é dizer de outro modo; não se trata de traduzir haicai em diversas línguas, mas de conceber como determinadas frases, versos, reflexões alheias se encontram com as coerções de gênero do haikai – essa é a 2ª experiência –. (3) nos haicai linguísticos, Rodrigo faz haicai metalinguísticos; são poemas em que as regras construtivas do haikai são objeto da poesia – essa é a 3ª experiência –. (4) nos haicai geométricos, o padrão 5:7:5 é explorado em experiências verbivocovisuais – essa é a 4ª experiência –. (5) em virtuais, o haikai dialoga com as tecnologias contemporâneas – essa é a 5ª experiência –. Meu caro leitor, nada de arenga; antes de tudo, renga através do tempo.
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Rodrigo insere sua poligonia do haikai em um projeto maior: desenvolver o Maximalismo na literatura. O termo Maximalismo também vem da música, ele foi introduzido, em 1983, pelo músico brasileiro Flo Menezes. Em linhas gerais, nas palavras do próprio Flo: “o Maximalismo consiste na elaboração de múltiplas referencialidades”. Atenção, elaborar múltiplas referencialidades não pode ser confundida com citação de obras alheias; isso pode até estar presente na ação maximalista, mas se trata, antes de tudo, de desenvolver elos entre as estruturas das obras, e não entre suas superfícies.
Isso pode ser exemplificado em de cada uma das 5 experiências do Rodrigo:
(1) nas emulações, no “experimento 3 – 3 em 1”, o poeta busca sintetizar, no mesmo poema, o estilo conciso do haikai e a prolixidade da epopeia, fazendo com que cada verso do haikai mencione uma das três grandes épicas do ocidente: A Ilíada, A Odisseia, A Eneida:
Musa, canta a ira
depois canta muitas voltas,
daí canta a urbe
Nesse experimento, os dois gêneros são levados ao máximo de tensão entre a concisão e a prolixidade poéticas quando um dos pilares da literatura ocidental, a épica, surge em forma tão concisa quanto o haikai. Nesse experimento, os conflitos épicos assumem as conotações próprias do haikai, encaminhando o satori nas trajetórias de Aquiles, Ulisses e Eneias, tão diferentes entre si.
Distinta também é a trajetória dramática do Marques de Sade – a seu modo, autor de epopeias modernas, como os 120 Dias de Sodoma ou A História de Juliette –, transformada em haikai por meio do “experimento 9 – 120 Dias”:
conta uma história
tortura, tortura, até
contar outra história…
(2) nas traduções, traduzir é, antes de tudo, polissemia. O “experimento 17 – Cantificação do Haikai” é escrito em seis línguas – todos elas dominadas pelo Rodrigo, não se trata aqui de picaretagem, mas de formação em Letras:
Karasu wa never
more niet zei, aber ésten
apud Minervam
[Karasu wa (japonês) never
more (inglês) niet zei (holandês), aber (alemão) ésten (grego ant.)
apud Minervam (latim)]
No haikai, instala-se verdadeira Babel, que é harmonizada na prosódia 5:7:5, fazendo com que a confusão entre as línguas se torne canto. Além disso, a frase significa, em português, “o corvo não diz nunca mais, mas encarapita-se sobre minerva”, aproximando novamente o haikai da cultura clássica, ao aludir a Minerva, mas também da cultura romântica, ao citar o conhecido poema “O corvo”, de Poe. Há, no “experimento 17”, ainda mais duas polissemias: o corvo é símbolo da caligrafia japonesa; Minerva aponta para a poesia cerebral, cultivada aqui.
A tradução é também tradução entre semióticas; no “experimento 19 – Ursonate”, a semiótica da poesia sonora, que dialoga com a semiótica musical, dialoga com a semiótica verbal do haikai, o dadaísmo atinge o satori:
fümms bö wö tää zää
Uuu, pögiff kwii Ee, Oooooo
dll rrrr beee bö fümms
(3) nos haicai linguísticos, a poesia está na explicitação da arte de fazer poesia. Entre as coerções de gênero do haikai, além dos temas mais frequentes como as estações do ano, os arrozais, as cigarras… há coerções morfológicas, como a utilização do kireji, morfema de uso exclusivamente poético: ao acrescentar kana ao último verso, o haikaísta quer simular êxtase; utiliza-se o lexema ya, no verso intermediário, se quer indicar o desencadeamento de polissemias poéticas. O “experimento 26 – Instruções” explicita isso, fazendo haikai da arte do haikai:
fale da flor
aqui vai um kireji
e fale da estação
Já o “experimento 36 – Alternativo” é haikai baseado em sua própria paradigmática, que também remete às poesias aleatórias e probabilísticas, comuns no Barroco e nas poéticas experimentais dos séculos XX e XXI:
[ ]
vida incansável roda
[ ]
em que:
a – se a vejo ou não
b – meio de verão
c – musgo na montanha
d – uma flor desponta
e – cerejeira em flor
f – não se sabe ao certo
g – será que ela para?
h – Buda em sua palma
i – perco me no vê-la
j – uma estrela morre
(4) nos haicai geométricos, a geometria torna-se linguagem visual não enquanto ícone, como se a significação emanasse das coisas mundo, referindo-se a elas, mas enquanto formas semióticas das quais emanam a significação, que se projeta no mundo, dotando-o de sentido. Desse modo, no “experimento 41 – Chiar da Cigarra”, o desenho do inseto por meio de dois heptágonos e um pentágono não é ícone, que se refere ao inseto, mas forma semiótica, que gera o inseto por meio do discurso visual. Além disso, o título “chiar da cigarra” tem cinco sílabas, trata-se de um kigo, uma oração de cinco sílabas comum para indicar o verão.
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Se no “experimento 41” a semiótica verbal está restrita ao título, no “experimento 45 – √49=h”, a palavra está inserida no quadrado de 7×7, resultado da raiz quadrada de 49.
No quadrado, cabe perfeitamente o haikai:
encerrado o verbo
descobre-se artifício
liberdade é metro
Os versos desafiam o preconceito de que a poesia metrificada significa, necessariamente, opressão da criatividade. Compor com métrica é mais um diálogo com a linguagem que todo poeta deveria, ao invés de evitar, desafiar desafiando-se. Por isso mesmo, liberdade é metro; metro que se materializa, miticamente, em um quadrado mágico, alusões ao pitagorismo, à aritmosofia, à numerologia, ao pensamento mítico, ao barroco e às artes construtivas.
(5) nos haicai virtuais, seguindo de perto as ideias de Melo e Castro, a poesia se encontra com a tecnologia, mas sem se desumanizar, pelo contrário, projetando o erótico nas máquinas e em outros artefatos humanos. No “experimento 55 – Jomon no Shibari – √49 = SM”, a partir da ânfora do período jomon, a cerâmica marcada com corda, o haikai encaminha a arte sadomasoquista do shibari.
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Em outras palavras, um artefato técnico, a ânfora, encontra-se com a arte das cordas, em especial, o shibari, uma arte erótica. A experimentação continua: das palavras do haikai 55, surgem, por meio das cores, mais dois versos de 7 sílabas, encaminhando, pelo menos, mais dois sentidos: (1) o verso de 7 sílabas, da leitura linear, pode ser alternado com os dois versos derivados das cores; (2) os dois novos versos são desenvolvimentos do renga, derivado do haikai inicial.
O “experimento 60 – Círculo Aberto/Ritmo Liberto” é o último haikai da poligonia:
r=0,5
C=2.π.r
C= π
Trata-se de citação do poema verbivocovisual do E M de Melo e Castro, que leva o mesmo título do haikai.
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Segundo E M de Melo e Castro, o inspirador de Rodrigo Bravo para compor sua “Poligonia do Haikai”, a experimentação é apenas um dos muitos nomes que a poesia de invenção assume na história da arte. Por isso mesmo a ênfase da Poesia Experimental Portuguesa em demonstrar o quanto a PoEx dialoga com o Barroco, apontando antes para continuidades que, necessariamente, rupturas com o passado. Desse modo, ainda segundo Melo e Castro, continuidades podem ser traçadas entre a PoEx, o Barroco e a arte grega do período Alexandrino. De formação em Letras Clássicas, Rodrigo sempre foi bastante atento a essas lições de Melo e Castro; sua poligonia começa na épica grega para terminar navegando nas ondas eletromagnéticas, que ligam todos os computadores.
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O pdf completo da POLIGONIA DO HAIKAI está à disposição no site do Grupo Neûron de Literaturas Experimentais, neste endereço:
Visite meu site http://seraphimpietroforte.com.br/
Se você gosta de literatura experimental, conheça o Grupo Neûron, visite o site http://gruponeuron.com/
Se você gosta de histórias em quadrinhos, conheça o Pararraios Comics, visite o site www.pararraioscomics.com.br
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Antonio Vicente Seraphim Pietroforte nasceu em 1964, na cidade de São Paulo. Formou-se em Português e Lingüística na FFLCH-USP; fez o mestrado, o doutorado e a livre-docência em Semiótica, na mesma Faculdade, onde leciona desde 2002. Na área acadêmica, é autor de: Semiótica visual – os percursos do olhar; Análise do texto visual – a construção da imagem;Tópicos de semiótica – modelos teóricos e aplicações; Análise textual da história em quadrinhos – uma abordagem semiótica da obra de Luiz Gê. Na área literária, é autor de: – romances:Amsterdã SM; Irmão Noite, irmã Lua; – contos: Papéis convulsos – poesias: O retrato do artista enquanto foge; Palavra quase muro; Concretos e delirantes; Os tempos da diligência; – antologias: M(ai)S – antologia SadoMasoquista da Literatura Brasileira, organizada com o escritor Glauco Mattoso; Fomes de formas (poesias), composta com os poetas Paulo Scott, Marcelo Montenegro, Delmo Montenegro, Marcelo Sahea, Thiago Ponde de Morais, Luís Venegas, Caco Pontes, mais sete poetas contemporâneos; A musa chapada (poesias), composta com o poeta Ademir Assunção e o artista plástico Carlos Carah. E-mail: avpietroforte@hotmail.com
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