Literatura engajada brasileira


O neorrealismo na literatura brasileira contemporânea
a literatura engajada ainda persiste na poesia brasileira contemporânea

Em meio às interpretações do termo, vale a pena definir o que se entende por neorrealismo antes de recorrer ao conceito; em linhas gerais, contrariamente ao realismo, de viés burguês e positivista, o neorrealismo tem inspiração marxista, portanto, nele são tematizadas as causas operárias contra a ditadura dos valores burgueses. Não se pretende a partir disso separar escritores em reacionários e revolucionários, as relações entre literatura e política nunca são simplistas, todavia, mediante o estudo dos temas tratados em verso e prosa, é possível analisar as variadas políticas da literatura.

Nos países explorados pelo imperialismo – a etapa superior do capitalismo, segundo Lenin –, há contradições insuperáveis entre três instâncias sociais: (1) a economia agrária baseada no latifúndio e na mão de obra camponesa; (2) a burguesia nacional baseada na exploração do proletariado nacional e em busca da industrialização; (3) a burguesia imperialista baseada na exploração das burguesias nacionais e do proletariado mundial. Assim, por serem exploradas pelo imperialismo, as burguesias nacionais nunca conseguem terminar as revoluções burguesas nos países atrasados, sempre divididos entre a indústria e o latifúndio, incapazes de concorrer contra os monopólios dos bancos internacionais e da burguesia multinacional. Ora, nesse estado de industrialização precária e incompleta, acentuam-se as contradições sociais do proletariado, cujas causas expressam-se em sindicatos, partidos políticos etc. e na arte literária dos autores engajados. Dessa forma, por ser país explorado pelo imperialismo internacional, há no Brasil um neorrealismo permanente, pois não são superadas as contradições políticas entre a burguesia, o campesinato e o proletariado; elas sequer são resolvidas embora, durante alguns breves períodos de políticas reformistas, haja a falsa impressão da literatura política no Brasil estar superada em função de outros temas.

Por tudo isso, poetas brasileiros contemporâneos ainda jovens, por exemplo Bellé Jr. e Bruno Molinero, fazem poesia social. Bellé Jr., no livro “Trato de levante”, 2014, narra uma ocupação de terra em que relações amorosas ganham novos sentidos durante o movimento político, entremeando-se trechos em prosa e em poesia, entre eles, estes versos:

 

o poeta que amo é comunista

não tenho dúvidas sobre meu coração anarquista

e assim seguimos de versos dados

 

apertamos o caudilho e disparo

meu pássaro negro vara a tempestade

num desespero libertário de vida

e de morte

 

rima no poente sangue de nosso povo sulamericano

as tintas sílabas em teu vermelho de oceano

rebelde que nunca se rende

não sei se somos

ou nos tornamos

 

tua poesia tem densidade de cobre

verve vulcânica aflora na altura dos andes

pura lava de copihue

que lavra

a brava terra mapuche

.

Enquanto Bellé Jr. dá voz ao campesinato e às comunidades nativas da América do Sul, Bruno Molinero, no livro de poemas “Alarido”, 2015, verte em poesia as impressões do proletariado em suas desventuras, simulando vários narradores, todos eles operários; eis o poema “Salete, 66, centro de atenção psicossocial álcool e drogas III”, quem assume a voz:

 

como estão os répteis?

sacodem as inexoráveis

escamosas

patas pela sala?

e os demais tortos

insondáveis

sempre deitados

nas saliências sinuosas

ainda seguem

salutares

inoxidáveis?

os répteis da somália

onde estão?

bocas cheias de cáries

e gengivas incipientes

segregados

dos novos répteis da sarjeta?

e os toscos ascos

santificados

pelas sementes do sussurro

do socorro

do insano

sentados com os velhos

répteis sintomáticos

sibilantes de sovina

e soltos pelos cantos

onde estão?

 

silêncio

os répteis sopram

segredos

 

 

Os livros do Bellé Jr. e do Bruno Molinero são encontrados na Editora Patuá: https://www.editorapatua.com.br/

 

 

 

 

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Antonio Vicente Seraphim Pietroforte nasceu em 1964, na cidade de São Paulo. Formou-se em Português e Lingüística na FFLCH-USP; fez o mestrado, o doutorado e a livre-docência em Semiótica, na mesma Faculdade, onde leciona desde 2002. Na área acadêmica, é autor de: Semiótica visual – os percursos do olharAnálise do texto visual – a construção da imagem; Tópicos de semiótica – modelos teóricos e aplicaçõesAnálise textual da história em quadrinhos – uma abordagem semiótica da obra de Luiz Gê. Na área literária, é autor de: – romances: Amsterdã SMIrmão Noite, irmã Lua; – contos: Papéis convulsos – poesias: O retrato do artista enquanto fogePalavra quase muroConcretos e delirantesOs tempos da diligência; – antologias: M(ai)S – antologia SadoMasoquista da Literatura Brasileira, organizada com o escritor Glauco Mattoso; Fomes de formas (poesias), composta com os poetas Paulo Scott, Marcelo Montenegro, Delmo Montenegro, Marcelo Sahea, Thiago Ponde de Morais, Luís Venegas, Caco Pontes, mais sete poetas contemporâneos; A musa chapada (poesias), composta com o poeta Ademir Assunção e o artista plástico Carlos Carah. E-mail: avpietroforte@hotmail.com




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