Poesia sim e não


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Edson Cruz é um grande ativista da literatura na Internet. E fora dela. É fundador e editor dos sites CronópiosMusa Rara, além da revista Mnemozine. Está sempre on line envolvido com a arte da palavra. Responsável pela curadoria e mediação do ciclo de palestras “O que é poesia”, na Casa das Rosas. Poeta, publicou SortilégioSambaquiIlhéu. Este último, lançado pela editora Patuá, com projeto gráfico, capa e ilustrações impecáveis de Leonardo Mathias, é semifinalista do Prêmio Portugal Telecom 2014.

A poesia de Ilhéu é a expressão do biografismo geográfico, intelectual e espiritual de Edson Cruz. A memória da vida familiar no interior baiano, bem como as referências literárias e as do pensamento oriental são o fundo de cena de sua poesia.

Ele abre o livro com um poema metalinguístico desde o título, “Epígrafe”: “Um ilhéu / fazendo a travessia. / Acima dele o céu. / Abaixo, a maresia. / Entre os fios de seu enleio / a vida fugidia”. Esta sextilha é emblemática do volume.

O tempo todo o eu lírico oscila entre a terra deixada pra trás e a nova vida na nova cidade. Cujos índices apontam para uma metrópole. Deste desconforto e desta adaptação nascem a angústia e a receptividade. O eu sabe-se entre dois grandes infinitos: o céu e o mar. A memória e a realidade presente.

Mais: sabe que tece a vida fugidia. Daí a necessidade de vivenciar plenamente o aqui e agora. Cito “Zoom”: “Carpe diem. / A vida é / curta. // Carpas riem. / O azul do dia / zune. // O céu refletido / nas águas. / Lume”. O poeta vai fundo. Lume é fogo. É luz e clarão. Mas é também perspicácia, sabedoria, doutrina.

Além disto ele torna camaleônico o vocábulo “lume”: ora substantivo, ora verbo. Tal como a vida se dá: fugidia, concreta, dissimulada, sagaz. A linguagem cumprindo sua maior função: a poética. Ao pé da letra. Ao pé do poema.

Há versos de grande plasticidade: “As crianças equilibram borboletas / e planetas”. E estes: “Somos rascunhos esquecidos / dos hiperbóreos”.

Os haicais da série “Bonsais” são igualmente bem realizados. Aqui a condensação das ideias e imagens, associada a uma admirável musicalidade minimalista, produz flores de lótus como: “Sabiá trinando. / Parece que a vida toda / carmim se aveluda”. A sequência de vocábulos com a tônica “i”, distribuída uma em cada verso, ecoa ao longo do poema o gorjear do sabiá.

Mas nem sempre é assim. Edson Cruz derrapa quando relaxa. Quando vale-se do coloquial. E não consegue ir além do prosaico. Como em: “Meu currículo não Lates / mas morde”. Ou: “cada criança que nasce // é uma aposta de que ainda podemos vir a ser / humanos”. Se versos assim não mantêm o grau de excelência que o poeta demonstra em outros poemas, por que constam do livro?

Na mesma tecla: como entender a inclusão do poema “Rubrica”? Cito-o: “Se a Florbela / não Espanca, / a poesia / não encanta. // Todo poeta precisa ser / espancado”. Isto nos remete à lamentável produção dos poetas neomarginais. Mas Edson Cruz não é um deles. Ele conhece poesia. Sabe fazê-la. Pena que relaxe em Ilhéu.

 

 

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[Publicado pelo jornal CONTRAPONTO, João Pessoa-PB. Caderno B, coluna “Augusta Poesia”, dia 08.08.2014, p. 7.]

 

 

 

 

 

 

 

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Amador Ribeiro Neto nasceu em Caconde (SP), em 1953. Autor de uma dissertação e uma tese de doutorado sobre a criação lítero-musical de Caetano Veloso, recebendo os títulos de mestre em Teoria Literária pela USP e doutor em Semiótica pela PUC/SP. É autor de “Barrocidade” (Landy Editora, 2003). Integra as antologias Na Virada do Século, organizada por Claudio Daniel e Frederico Barbosa e Poemas que escolhi para as crianças, organizada por Ruth Rocha. Atualmente vive em João Pessoa, onde leciona na UFPB.  Durante muitos anos escreveu regularmente crítica literária em diversos jornais de São Paulo. O autor escreve periodicamente nos blogues augustapoesia e em zonadapalavra. E-mail: amador.ribeiro@uol.com.br

 




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