O livro como objeto (de arte)
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O LIVRO COMO OBJETO
Entrevista com o livreiro José Roberto do Nascimento
1-) Como você vê a questão do livro hoje no Brasil?
O Brasil por si só já é uma questão inusitada. Fala-se muito do livro digital – ebook –, mas nunca se discute a sério a questão da leitura, da formação de novos leitores. Para isso precisaríamos de 5 décadas de investimentos pesados em criação de bibliotecas públicas, biblioteca em escolas, em parques, circulantes. O livro impresso no Brasil nunca vai acabar, pois na maioria das casas brasileiras nunca houve um único exemplar. Para acabar ele primeiro teria que existir.
2-) As livrarias e editoras realmente se interessam por literatura? Existe qualidade na produção editorial do Brasil?
Fazendo um paralelo com as gravadoras de CD – que insistem em dizer que são detentoras da criação, da descoberta de novos talentos -, as editoras e livrarias nunca se colocaram como única forma de se comercializar os livros, na literatura, seja a grande literatura, seja o livro de entretenimento, o livro descartável, há de tudo: da gráfica que se apresenta para os novos autores como editora, cobra pela impressão do livro e finge que fará a distribuição do mesmo, da editora que vive de lei de incentivo à cultura, ganha pela impressão do livro e ainda vende (caro) o livro já pago com dinheiro público, há também as editoras “ingênuas” que só lançam alta literatura, novos autores com qualidade estética, mas não encontram os grandes leitores em grande número, e existem as poucas e boas editoras com visão comercial e estética. Entre elas não há nenhuma grande. Em um país de 200 milhões de habitantes, a edição média é de 3.000 exemplares, em muitos casos demoram anos para serem vendidos, consequentemente demoram anos para serem reeditados.
3-) Você possui formação em letras pela PUC e para além disso é obviamente um leitor assíduo, quais é a sua opinião sobre as principais características do leitor-comprador de livros no Brasil e qual seria o papel das livrarias dentro da formação cultural do brasileiro médio e dentro desse raciocínio, por que os livros são tão caros?
A principal característica do leitor comprador de livro é pertencer a classe média, para comprar tem que possuir dinheiro, mas primordialmente ter tido o hábito da leitura incentivado em casa desde a mais tenra idade. Uma criança que tem pais leitores, que tem o livro como “objeto” presente no dia a dia, naturalmente será uma criança leitora, um jovem leitor e consumidor e naturalmente um adulto leitor.
As livrarias a cada ano se concentram em poucos e grandes grupos, as livrarias independentes aos poucos foram tragadas pelas grandes redes que oferecem parcelamentos, descontos de até 40%, sem contar as vendas via internet. Nas pequenas livrarias, a diversidade de títulos sempre foi mais ampla que nas grandes redes, havia livrarias especializadas somente em educação, gastronomia, saúde, infantil, etc. As grandes redes exigem descontos especiais das editoras, as pequenas são tratadas como sendo de segunda classe.
Os livros são caros comparados ao quê? É caro pagar INSS e pagar plano privado de saúde e aposentadoria privada. É caro pagar impostos que deveriam ser aplicados na educação e ter que pagar por educação privada para não correr o risco de se tornar analfabeto funcional nas escolas públicas. É caro pagar IPVA e pagar manutenção constante nos carros que circulam por ruas e estradas esburacadas. É caro pagar imposto por segurança e pagar por porteiro, segurança privada. O maior salário de uma livraria com faturamento médio de 100 mil por mês é pago ao Estado em forma de imposto (R$ 4.000,00). Conclusão: o salário médio do brasileiro é insignificante e agravado pelo Estado incompetente, corrupto e pesado.
4-) Fale um pouco sobre o chamado jabá literário, existe realmente isso? Na sua opinião, como um livro entra para a lista dos mais vendidos?
Jabá? Você quer dizer os prêmios jabutis, e prêmios criados Brasil afora? O critério não é estético e nunca o foi. O júri sempre fica na posição de aguardar os amigos indicados e os interesses das editoras. Quem se lembra do último prêmio Jabuti de fotografia? O dito livro agraciado com o prêmio nem livro é. Já a lista dos mais vendidos é elaborada de forma simples, as revistas e jornais telefonam para algumas livrarias e perguntam quais foram os livros mais vendidos no período, quem dita a lista dos mais vendidos são as grandes redes, elas de acordo com seus interesses informam o que melhor lhes convêm. Repita uma mentira várias vezes que ela se torna verdade. A mídia dita o comportamentos de consumo. Um livro que aparece em uma novela da Globo ou Big Brother torna-se objeto de desejo dos telespectadores.
5-) Você trabalha com livros há mais de uma década, O que mudou desde que você começou a trabalhar com livros até hoje e o que seria necessário fazer dentro do campo público e do privado para que o livro fosse mais acessível?
O que mudou com o passar das décadas, em primeiro lugar, foi o salário; caiu drasticamente. Antes havia o livreiro, hoje o balconista. Paga-se salário de balconista ou auxiliar de vendas e se tem um funcionário capacitado apenas para isso.
Do Estado deve ser cobrada a instalação de uma biblioteca (no mínimo) por cidade, toda escola pública só pode ser considerada instituição de ensino se tiver uma biblioteca (obs.: A chave não deve ficar com a diretora). Do setor privado, ANL (Associação Nacional de Livraria), CBL (Câmara Brasileira do Livro), LIBRE (Liga Brasileira de Editoras) espera-se dirigentes profissionais e não apenas uma réplica privada de políticos.
José Roberto é atualmente livreiro na Livraria Nobel do Shopping Frei Caneca em São Paulo.
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O LIVRO COMO OBJETO DE ARTE
Pequena meditação sobre o cartoneirismo e o trabalho da Rubra Cartoneira de Londrina-PR
O que ocorre com os livros criados de forma artesanal pela Rubra cartoneira e outras editoras independentes artesanais é que através do contato com estes volumes artesanais se realiza uma recuperação da subjetividade e da singularidade do livro como objeto de arte, que pode ser democratizado. É óbvio, que existe um paralelo e uma evolução em relação ao movimento denominado ‘ Poesia Marginal’ nos anos 70, um livro composto com embalagens recicladas e trabalhado dentro de um ‘hibridismo’ que une a arte e o artesanato, está a anos luz de um livro mimeografado. Se não podemos falar em uma geração cartoneira com a mesmo romantismo dos que falavam e cultuavam a ‘ geração mimeográfo’, podemos em lugar disso, observar que o cartoneirismo, constitui um aprimoramento, não apenas formal das práticas e ideais dos poetas marginais da ‘ geração mimeógrafo’ e que ele é o início da construção de um ‘meio’ editorial capaz de apontar a existência de um lugar não paradoxal para o pós-humanismo.
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Pequena cartografia da poesia brasileira contemporânea
Wesley Peres
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O que caracteriza a poética de Wesley Peres é a aproximação com uma imagética que tensiona oniricamente imagens da natureza e da cidade, o que torna possível um diálogo dos poemas dele com a obra de Saint John Perse e Char. Existe uma tensão crescente entre a imagem e a palavra nas poéticas atuais, tensão que geralmente é diluída por um certo provincianismo déja vu que se alimenta de um lirismo cujo único vetor é a melancolia e o distanciamento irônico em alguns ou um surrealismo forçado e fora de hora em outros,uns imitam Drummond, outros Roberto Piva. Wesley felizmente escapa destas tendências e seu trabalho aponta para pequenas rupturas que já o credenciam a atuar em um campo aberto a novas referências ligadas a outros problemas e desafios, não apenas vinculados a questões de transformações sociais que alimentam uma simbólica poética limitada e prisioneira de um cânone ultrapassado.
Por outro lado, nem toda poesia profundamente imagética é surreal, a exploração de tensões entre as imagens e seu uso corrente dentro da linguagem cotidiana apontam para a evocação de outras forças poéticas que também se originam no ‘ onírico’ , mas não negam a busca por uma musicalidade interior, por um ‘ topos’ que se ligue a uma nostalgia da voz das coisas, facilmente identificável em Ponge e anunciada em alguns poemas de Wesley. Percebo em alguns versos um apuro na construção da forma como as imagens são utilizadas, o que me lembra de longe, o apuro de Foed Castro Chama, um grande poeta pouco citado, mas a musicalidade interior dos poemas de Wesley não resvala no abstrato rigor arquitetônico dos poemas de Foed Chama. Aponto aqui alguns pequenos vasos comunicantes dentro da poética de W.P. como tentativa de provar que as novas gerações de poetas, não deixam de dialogar com problemas similares dentro da tradição poética, mas é um diálogo que pode apontar para pequenas rupturas. Uma outra coisa que me chamou a atenção foi o modo como W.P. retoma a figura da musa e seus poemas, a partir de uma evocação- corporificação e não pela idealização distanciada. Abaixo poemas selecionados pelo autor, especialmente para esta cartografia:
Poemas do livro Rio Revoando (USP/Com-Arte, 2003)
1.
Nos mares de um grão de vento:
sereias, com seus lábios de água,
com suas asas de areia.
2.
Um anjo chinês
dizia em escuro
a biografia da chuva
e a escrita da luz
por dentro do muro.
3.
Uma água
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O som azul da maçã,
vazia maçã de massa qualquer,
qualquer massa prenhe de areia,
líquida areia de movimento deserto:
o deserto macio de sua tensão:
noite incrustada
numa água viva flutuando por dentro.
4.
Folheia as profundidades da nuvem,
estica-as na carne das pedras,
antes de um mero gole de vinho,
conta as estrelas de minha voz
sem origem
e cujo destino é essa mesma origem,
e eu, aqui, por entre mim,
com passagem apenas
para o você que atravessa,
de dentro para fora,
a minha janela por quando ouço
os ventos parados molhados
por esse sol alicerçando sombras
emaranhadas nesse seu corpo aí
com você dentro, você
que é sobre tudo corpo e palavras
se dizendo,
calo-me para vê-la a me ver calado
sobre as suas rosas destiladas
destinadas a alar de musgos
a minha língua
cansada de secretamente percorrê-la.
POEMAS DO LIVRO PALIMPSESTOS (vencedor do Prêmio Vertentes da Editora da Universidade Federal de Goiás, 2007)
5.
Tão humana quanto um demônio sonhando, ela
me sopra o húmus da-alguma-mulher-que-se-abraça-e-diz:
……..A lua sabe a minha chuva,
……..anjos são mulheres que escolheram a noite;
……..sem lua, é outra a beleza da noite.
6.
Amo o inferno de ter a noite do outro em mim
e de derramar, no outro, o segredo de minha morte constante.
7.
Ela, a que não escreverei,
a que me rascunha os ventos e me arranha a língua,
caos entremeando-me os dedos,
ela, a que me escreve em suas cartas.
8.
E se ela sente saudades da noite,
envio-lhe, em palavras,
uma concha, por exemplo,
ou simplesmente pronuncio seu corpo em aramaico:
caos, cuja chave é do lado de dentro.
9. (poema inédito em livro)
E OUTROS FANTASMAS-VEGETAIS
Teus continentes tão alheios,
tuas coxas tão desertas,
teus desertos tão constelados
de continentes empratilheirados
na página 8 dos meus ossos,
e repetidos no caos calmo
das minhas cordilheiras caindo
caindo e caindo em tuas colheres,
onde um avesso de pássaros
riscam a gramatura da pele,
escavando-me o lugar onde possamos pousar
o cadáver de Deus e outros fantasmas-vegetais
Tuas palavras se entreolham,
como pequenos deuses
despenteando sóis,
enquanto brinco de os teus cabelos
me olharem, enquanto tuas coxas falam
línguas e astrolábios contorcidos que,
semelhante ao trabalho das nuvens,
alheiam-se do passo do pássaro
e do inferno aparentemente
neutro: a morte a trabalhar,
lentamente, os escuros
de todo e qualquer organismo,
feito grãos de água e de voz,
e ouço-lhe o entreascoxas
e o som desbussolado e abissal
de seu aparelho fêmea
compondo uma noite em pedra sabão
para piano e uma ária opaca e avessa
que agora transcrevo em papel-vegetal,
papel sólido qual a coluna do Deus morto,
sobre o qual apóio os braços — e as mãos
então livres para a extração do último verso que
ainda não será escrito.
Poema publicado na Edição 56 (dez. 2009) da Revista Humanidades, da Universidade de Brasília
10.
Anotações para pensar Brasília
Aeronave crucificada no centro,
estrutura área, internamente aérea,
aerada, sua, dela-cidade, circulação.
Sanguínea.
Pois pessoas caminham,
com o motorauto-corpo
fora ou dentro do outro
automotor ―
o pela pessoa inventado.
A cidade, extensão do corpo,
efeito colateral do corpo.
A cidade, não segunda, mas, primeira
pele, para quem olha de fora,
e você eu nós somente olhamos
de fora, o corpo próprio, se,
sem nos olhos,
a roupa ressonância magnética.
A cidade.
Pele colateral.
Mais ou menos
dura do que uma palavra,
mais ou menos dura
do que os poros duros
porém quebráveis
dos dois eixos da linguagem
― os dois eixos,
metáforametonímia,
outra
aeronave crucificada no centro
da linguagem.
Sanguínea.
Pois pessoas caminham as palavras,
param-se de pé com e nelas,
param-nas de pé com o autocorpo,
portam e são portadas por elas,
por isso elas, as palavras,
minérias porém sanguíneas,
banhadas e até enrugadas
pela águapessoa inventora delas,
inventada por elas.
As palavras.
Então, o avião, cruz ficada
no centro da palavra e da cidade,
e cidade e palavra são,
nem segunda, mas primeira pele,
pois, eu você nós,
se sem olhos enroupados
por ressonâncias magnéticas,
só vemos o corpo pelo lado de fora,
de modo que a segunda se torna a primeira.
Pele.
Então, na cidade
de aviãocruz no centro,
na cidade na linguagem
de aviãocruz no centro,
as pessoas circulam,
sanguineamente,
portando em seus corpos,
em seus multicentros,
planuras, planagens
de um vôo
em cruzaéreaerada,
proveniente das palavras da
desta cidade,
portadora e portada
por pessoas,
por corpos-palavra,
crucificados crucimoventes
na ausência de centro
no centro-em-todo-lugar
se por ele caminham pessoas.
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Marcelo Ariel nasceu em Santos, 1968. Poeta, performer e dramaturgo. Autor dos livros Tratado dos anjos afogados (Letraselvagem 2008), Conversas com Emily Dickinson e outros poemas (Multifoco,2010), O Céu no fundo do mart ( Dulcinéia Catadora,2009), A segunda morte de Herberto Helder (21 GRAMAS, 2011) entre outros. E-mail: marcelo.ariel91@gmail.com
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