2016 em 10 livros
(10) Sátiras e outras subversões, de Lima Barreto, (org) de Felipe Botelho, Penguin/Cia das Letras.
O Brasil com seus mecanismos internos coloniais, feudais, escravagistas fundadores de uma ética exclusiva e de seu símile, a ética de classe média, teve nos escritos de Lima Barreto, um espelho incômodo que mostrava ao modo ironista, as engrenagens veladas de nossa perversidade e ilusões que engendram a violência automistificadora dos poderosos, as injustiças e os pactos conciliatórios com o alheamento e a corrupção que atravessam todas as castas sociais. Devemos ao empenho do pesquisador Felipe Botelho, a descoberta e organização destes textos inéditos em livro de Lima Barreto, lendo o livro percebemos a dimensão da enorme névoa densa que impede o Brasil de se ver como ele é.
(09) Poemas Completos, de Herberto Helder, Tinta da China.
Herberto Helder para além do culto em torno de sua figura de esfinge, é um poeta que realmente transfigurou para si e na língua, uma poderosa imagética de dimensões muito próximas de uma hierofania, as imagens pensantes de seu discurso selvagem, selvagem no sentido mais onírico que esta palavra pode alcançar, como nos quadros de Henri Rousseau, por exemplo, trata-se da conversão das imagens em um dialeto selvagem e onírico, capaz de pensar diversos atravessamentos do mundo, uma poética que dialoga com os saberes antigos, na medida em que muda seus cantares, hinos e rastros para o Poema.
(08) K o escuro da semente, de Vicente Franz Cecim, LetraSelvagem.
Vicente Franz Cecim está mais próximo de Píndaro e de Guimarães Rosa no que eles possuem de ‘escuta de mundos’, Andara é a região inescrita de onde brotam as vozes que Vicente converte em uma inescritura mestiça, híbrida de camadas cada vez mais exteriores de uma interioridade por sua vez, disponível ao esvaziamento, ao wu wei, ao não-saber e suas nuvens, K o escuro da semente anteriormente lançado em Portugal, é como os livros que formam a espantosa e densa série chamada Viagem a Andara, um objeto estranho cuja leitura exige outro tempo e outra disposição, talvez a da leitura de um tratado místico que se funde com uma dicção e pulsação de uma parábola, sem começo, nem fim, da qual conheceremos apenas o meio, sua possível escritura, filha da oralidade e do silêncio.
(07) Aos nossos amigos, Crise e Insurreição, por Comitê Invisível, N1 Edições.
Para além de uma pseudoforça previsível e reativa diante dos atos dos fascismos imperiais que estão no Poder no Brasil neste exato momento, o Comitê Invisível nestes ensaios-manifestos estuda novas configurações da energia da recusa, um livro necessário para a compreensão e principalmente a criação de novas estratégias contra o totalitarismo escravagista imperial e suas táticas de controle das nossas potencias de vida e sonho.
(06) Contos completos, de Clarice Lispector (org.), Benjamin Moser, Rocco.
Benjamin Moser foi o anjo responsável por essa primeira reunião de todos os contos de Clarice Lispector nos Estados Unidos que em ressonância foi lançado logo depois no Brasil, um caso de paixão por essa emancipação de camadas imanentes da linguagem que Clarice conseguiu realizar em uma chave de estranhamento que a torna única no mundo, temos uma dívida com Benjamin e outra maior, incalculável com Clarice, que expandiu a língua portuguesa até a dimensão de uma misteriosa fenomenologia.
(05) A escritura do desastre, de Maurice Blanchot, Lumme.
Blanchot é um dos autores essenciais para a formação de uma escrita que deseje estabelecer vínculos com a transformação da linguagem, a impossibilidade onde se move uma escrita e as forças silenciosas que regem interiormente uma vida se confundem neste e em outros livros de Blanchot, aquilo que não pode ser escrito é o o que no fundo move a escrita e do mesmo modo aquilo que não pode ser vivido move uma vida.
(04) Jean Luc Godard, Histórias da literatura, de Mauricio Salles Vasconcelos, Relicário.
Como um mapeamento de um pensamento cinemático que de filme em filme foi se convertendo em uma enorme construção dialógica com a literatura e outras artes , a presença de outras forças dentro da imagem, um entrelaçamento entre leituras como metáforas do próprio cinema, Mauricio Salles Vasconcelos escreveu o mais profundo estudo sobre Godard e sua biblioteca que se move no interior dos filmes, como uma água-viva, como chaves para uma porta fora do filme, este livro funciona como uma máquina de ver-rever os filmes como potências da linguagem, tornando visíveis os indícios de um pensamento que se move em todas as direções a partir do livro entrelaçado à imagem.
(03) Treino em Poema, de Kazuo Ohno, N1 Edições.
A fala de Kazuo Ohno é como uma crisálida de fogo, uma voz que vem de muito perto, poemas em estado bruto, é como uma pérola em uma árvore que se desfaz em pólen.
(02) O caminho do Tarô, de Alejandro Jodorowski.
O tarô é um ser vivo e podemos conversar com ele, esta é a premissa deste livro de Alejandro Jodorowski e Marianne Costa , lançado pela Chave Editora, abrir as metáforas contidas nesta ‘máquina de imaginar’ para encontrar nela uma máquina de curar, uma máquina de ver e um espelho de todas as interioridades.
(01) Esferas, vol. 1, Bolhas, de Peter Sloterdjik, traduzido por José Oscar De Almeida Marques e lançado pela Editora Estação Liberdade, aliás, a passagem de Peter Sloterdijk pelo Brasil passou praticamente em branco, nenhum dos veículos da chamada grande mídia se interessou realmente pela divulgação das ideias deste que é um dos grandes pensadores em atividade no mundo, como bem disse, meu amigo Mauricio Salles Vasconcelos, parece que nos meios de comunicação e em boa parte do meio acadêmico do Brasil, não há ninguém capaz de estabelecer um diálogo com Sloterdjik.
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Marcelo Ariel é poeta, coordena cursos de criação literária em Santos e São Paulo, mora em Cubatão, autor dos livros Retornaremos das cinzas para sonhar com o silêncio (Patuá), O rei das vozes enterradas (Córrego), Não -Eu (Dulcinéia Catadora), entre outros. Em 2016 deve lançar Com o Daimon no Contrafluxo pela Patuá e A criação do mundo segundo o esquecimento/Diários- 2010-2015 pela Imaginário Coletivo. E-mail: marcelo.ariel91@gmail.com
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