Gaveta dos guardados-Segunda parte


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1.

O Devir-roubo

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Clarice Lispector tentou dissolver a capa de escritora na paisagem interior mais próxima ( nem sempre é o outro o nome dessa floresta).

Clarice Lispector tentou dissolver a capa de escritora mergulhando na interioridade de um oceano sem palavras (VER SUA PRÓPRIA MORTE).

Clarice Lispector tentou dissolver a capa de escritora atravessando uma floresta de névoa humana até encontrar a árvore do esvaziamento com sua copa feita de fumaça de cigarros.

Mas é melhor falarmos em política partidária, o que faz um vírus em um computador programado para roubar? Pasolini entrou no Partido Comunista (segundo ele em suas memórias e isso é citado em um poema por Roberto Piva) apenas para criticar e esculhambar… Concordo 100% com Pasolini. Por que outro motivo um poeta entraria em um partido e acrescento ainda, desmistificar e sabotar falsos paradigmas como metas e no fim (por que não) ser gloriosamente expulso ou fundar dentro da lama misturada ao ouro, a corrente surrealista natural. Ah, os nazistas tambem exigiram carteirinha de filiação de Heidegger . Bem, agora é impossível voltar a Clarice Lispector, mesmo na iminência do lançamento de uma biografia sua: Why This World: A Biography of Clarice Lispector, de Benjamin Moser traduzida no Brasil, principalmente agora e por isso será impossível voltar a Clarice Lispector, não se preocupe em entender, isso é um roubo mal feito do léxico clariceano, assim como a economia é um roubo transfiguado do léxico teológico. A moeda hermética.

 

2.

Falso ensaio em 8 versículos

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Versículo 1: A vida é uma Lan-house ?

Versículo 2.Ao aumentar a velocidade do envio da mensagem ampliamos a relativização do sujeito ? Ao observar o proprietário de uma Lan-house paquerar uma ‘loura’ via msn-messenger, os dois conversavam através das máquinas enquanto seus corpos permaneciam quietos a menos de um metro um do outro.

Versículo 3:A ficcionalização de si mesmo se converte em angústia e aumenta quando aumenta a instantaneidade da comunicatividade ? Ao notar que a usuária A.B. possuí 19 contas, cada uma com um nome-código de acesso diferente e observar a angústia de A.B. ao se esquecer de uma das senhas para uma delas.

Versículo 4:Todo o conteúdo rejeitado pelo usuário e por ele deletado servirá como matéria prima para o inconsciente coletivo da máquina, que será, afinal de contas, o verdadeiro inconsciente coletivo ?

Versículo 5: Trata-se de uma terceirização da comunicatividade que com o tempo irá substituí-la.  A máquina nos colocará definitivamente em seu ‘status ?’

 

3.

Os suicidados

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A arte e seu entorno estão condenados ao eterno retorno da intensa névoa branca. A ditadura do Devir-Déja Vu venceu mais uma rodada, os artistas pensam como se fossem empresários da fome e os empresaŕios da fome estão no poder, o evento está definitivamene no lugar do acontecimento e pipocam em toda parte oficinas e fóruns no lugar dos centros de autenticidade e da reflexão-contestação como vetores de uma ética. Diante de um quadro tão anódino e ridículo a arte se converte em acessório-bibelô da burocracia dos altos negócios do crime sutil. A imprensa está no auge da sua transformação em órgão de assessoria privada dos setores públicos e empresariais do Poder e do poder. Gláuber e Oiticica são os profetas suicidados pelo excesso de desgosto, Agrippino de Paula e Farnese de Andrade são os profetas exilados no Ventre do Real. Seguindo na minha Cruzada-Cruz & Souza vejo em tudo o maravilhoso que não acontece ou acontece apenas parcialmente, aqui e ali, os indícios de um Paradiso flutuante dentro do onirismo geral.

 

4.

No Skype com Ana C.

 

” O ar sonha com as coisas melhor com clareza, mas ele é o lugar do mistério”
Sebastião Uchoa Leite

 

Marcelo Ariel: Sonhar com um eu que olhe para si mesmo como se a dor fosse um óculos
os da Regra Secreta

e é claro incorporar este e outros vícios de linguagem
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Ana C:Like a linguagem é ela mesma um vício, honey?

Marcelo Ariel: Cultivar um eu que atravessa falsamente o centro do esvaziamento da máscara
o dos atores

Ana C:Nos filmes, mas não apenas neles os mortos cantam, honey?

Marcelo Ariel:Imaginar um eu que se estica até furar a casca desse silêncio
um eu angélico como uma bala perdida

capaz de romper definitivamente com seu hospedeiro

Ana C:para ser puro como o que não existe.

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5.

Diálogos com Francisco Solar
Francisco Solar: A infância é o jardim fechado para a inautenticidade do mundo dos adultos, mas não completamente inacessível, podendo essencialmente ser visto por eles como um lâmpago no dia claro.

Marcelo Ariel: Mas ela ainda não é o jardim do Éden, é apenas o silencioso arvoredo do acontecimento inominável em oposição ao Devirdeserto dos símiles.

Francisco Solar: Entre o estranhamento e o atravessamento, os símiles optam pela harmonia do estático. Morte falsamente contornada pelo fulgor da mercadoria e pela ética do sono simbólico.Oitavo fragmento do livro inédito ” Amor e Silêncio” onde se dá a transformação do Self em vapor de orvalho.

 

 

Pequena Cartografia da Prosa Brasileira Contemporânea: Maíra Benedetto

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Foge de uma definição a escrita de Maíra Benedetto, parece uma cartografia de um não-lugar que explode com a fronteira entre interior e exterior, uma espécie de Sobornost feito de carne e sangue. Ecos da pulsação e delicada vertigem de um Dino Campana na partitura densa e semitrágica de Anne Sexton, É uma redução chamar de algo uma escrita que se pauta pela liberdade de tentar instaurar um não-lugar a partir da esfera sensível de um certo transe que  também não se reduz a uma projeção. A evocação de uma organicidade da finitude se manifesta nesta escrita que simula um monólogo, mas na verdade ergue uma tessitura com as palavras, um véu que não cobre, mas contorna um furor, seria fácil falar em uma evocação da voz dos ossos ou da voz do pó, mas a escrita de Maíra parece se espalhar como areia movida por um vento corporal. Trata-se de uma escritora que não cai na armadilha de reduzir seu texto a uma atmosfera que lembra um poema ou qualquer outra coisa catalogável e isto é um trunfo dela e de nossa época e momento.
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Abaixo, seleção de partes do trabalho atual em andamento de Maíra:

 

ia escrever ontem. não importa o que digam. mariposa eternamente morta levará todos ao fundo da terra. o movimento de descida. necessário nesse local de extremo externo. acompanha um vetor. um outro vetor. seja em nostalgia ou em expectativa. os dois juntos. um outro vetor. vivem repetindo, entupindo o espaço. a cabeça rói. é composta por ruídos. círculos fechados. a cidade é eterna noturna. é fria. feita de cinzas. cinzas sai pelos cantos. pelas bocas. pelas janelas. pelos corpos que pelam por calor. pêlo que arrepia. um frio úmido. uma cidade fria com gotejamentos em alta temperatura. isso foi possível. e foi bonito. a cidade estava chuvosa. aquele véu de concreto liso nos imprime. pinta em tela com tinta a óleo. a altura dos edifícios da avenida.

 

(…)

temo. temores rondam . a cidade é pintura vazia. jazia edificações fincadas ao chão. com pernas em dimensões extras. dimensões estas que perpetuam. a cidade se faz vazia quando transborda. e chora. chora no ventre da mariposa. ventre noturno. cultura de maçãs e pétalas selvagens. selvagens banhados em terra movediça. umedecida em resíduos petrificados. resíduos nascidos de cinzas. a cidade noturna tem poucos andarilhos. andam já mudos. mais nada a dizer. andarilhos com olhos que gritam. e olhos mortos. olhos de uva passa. ameixa velha. maçã apodrecida. olhos ocos e leitosos.

(…)

mas é comum, raros os que querem o algo cru e nu. a sensibilidade?                 rss.. pode até ser. mas o círculo dá a volta e volta. não há. o corpo trêmulo. se debate. suplica contra ele mesmo. quase configura um outro nascimento. balança, respira alto, se endurece e pára. o foco se dissolve. a pétala caída no chão.

(…)

o vento habita no vazio da cidade. acaricia os poros. e também bate na cara. em tons pontiagudos. ainda se escuta ao fundo o turbilhão. da grafia em vãos. o som revela a grafia da cidade noturna. não que não haja luz. há. e muita. luz que se mistura à geada. e entre as cinzas dos andarilhos. andarilhos translúcidos. tanta luz que queima as sombras desses olhos passados. travestidos de lucidez. transformados em corrosão. mas o vento faz morada. o vento dorme entre as cinzas em turbilhão. o vento grita. e geme. geme em deleite. e morre.

 

(…)

mas nada determina o vazio. são espaços sobrepostos. o tempo dilatado dá a forma. a interferência entre os espaços. por movimentação. o tempo se movimenta pelo contato entre os espaços.

o movimento não pertence aos espaços. gera a imersão.

em dilatação assopra acordado. e em sono profundo. e transborda. o suor é embriagante. exala vinho tinto. embriagados os andarilhos ingerem suas cinzas corporificações do tempo em pratos rasos. em excesso o transbordo. o tempo racha, em terras rochosas. o abismo se dá. se dá num milésimo imóvel. ultrapassa resíduos abandonados e flutuamos há pouco. em sua gravidade. peso que adormece em formigamento. em tempo. dilaceramento. há cor. multi. há mais. piano. sax e jazz. há terra,, a terra é pele. é rocha, flora, fumo. bicho. sulco. túmulo. tudo, há muito.

(…)

há vozes, estas que silenciam o nome.

e o nascer. o ser no limite. um tanto perigoso. luzes afogadas no colo. peito derretido em poros de areia. e palavras assombradas pela luz que tanto quer ver. que tanto quer enquadrar em vasos os sons derramados., escrevi ontem. ao novo. ao outro sem medida. e às coisas ditas. ao bom poema, à realidade mal dita. aquele mais velho que eu. ao que me causou desconforto quando, ao não poder reconhecer, precisei me afastar e em momento nítido de absurdo, tremi em nomeá-lo.

uma repetição embriagada nos pouparia o atrito do atravessar o limite. o alto mar filho da noite. há ventania em tempestade de passáros e asas atrofiadas. falar sobre a coisa é fazer um outro da coisa? ainda que venham em outras coisas, saem do mesmo? algumas teorias para nomear um impalpavel e pendurá-lo em sufocamento. permitiriam nos apropriar do absoluto e pegar a dimensão nula de uma imensidão negra sem cegá-la com nossas caldas?

a coisa se faz em curso. as coisas aparecem. imagens surgem. o discurso se faz coisa.

não entendo o que diz. mas me diz muito.

não estou falando de coisa alguma. em textura. vira coisa. a abertura rasga o afeto. abre o afeto ao outro.

um gesto espirala os dedos para o centro da palma da mão e no momento primeiro. pequeno fragmento do início de um toque nas rugas. quando a pele arrepia em cócegas com tendência ao enrigecimento. na tentativa de desconfigurar o que supostamente seria uma tortura. sacrificando o centro da palma. a mão se desfaz e abre em grafia para linhas diagonais. abre. entra. e entra ar. luz. a coisa. dar à luz e abrir o mundo. estender a mão discorrendo o mundo. e a mão que contêm a insistência do palmo. se desmancha. e é quase impossível não descamar o estômago na cidade da ânsia. apelo do estado teleobjetivo. o curso se faz assim também. esse discurso fechado. essa flecha ininterruptamente apontando para a frente. sangrando os pés já descalsos.

o mundo é fechamento. a coisa abre o mundo.

isso. vou falar para todos. a coisa abre o mundo.  mas acho que ninguém vai ouvir. foi só outro modo de falar para mim e para você. aí já é outro mundo. o mundo fechado é feito de objetos e não de coisas.

o mundo em direção ao fim. raízes e árvores de narrativas concretas em fluxo abstrato e abstrações do ente nada. por um fio em raízes naufragadas em terras umedecidas por excessos do vão. ciã em cio do sol. tecido de calor. partos por ventres partidos. encontros em  fissuras de raízes expostas e fissuras das petrificações em inflexão vertiginosa no nada. doente por buracos de breu. o eu em lados opostos. expostos e postos por implosões. respingos em traço de concreto com outro índice de plasticidade.

se engana porém.

não sobre o fluxo concreto como narrativa da abstração mundo. sobre o mundo concreto corredor restrito. estreito-me em canal para fluxo e nada penetra em suas fissuras. fissuras em canal sintético ambiência plastificada e ecos. antes o espelho, e foi o tempo da vaidade. o que nos faz cair em tentação? o que faz o espelho fechar o campo de reflexão? o que acontece num espelho fosco?

! não nos esqueçamos da ambiência dourada. dimensão sagrada do tempo com fissuras férteis. o tempo está em desmoronamento. está se soltando. um acontecimento.

as vezes surdos. quase cegos. quando, o quanto estamos surdos enquanto estamos surdos, o distinguimos? enquanto espasmos, duvida da nitidez no momento exato. a nitidez a um palmo do vão. a mão em direção aos ouvidos, esbarra o som com tonalidades abafadas. a palavra. o que diz na coisa. a língua que tenta tocar nossa superfície. a força solitária de seu desejo. autopenetrante. as coisas que habitam nesse mundo aberto. percorrem. veloz assopram e assombram. apalpar essa vastidão é latejante. o desejo de apalpar até fazer ferida. esse vão. ao escutar quase afinado por sua nitidez beirando à implosão. o tédio vira fome. o ventre se contrai. em gravidez dele mesmo.   …

 

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o que podemos extrair? podemos extrair uma extensão do excesso?

não só gravidez de um antro profano. grávida de espasmos. e processos obsessivos.
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circulando em paredes douradas. e as dores fabricadas,,, em produção em série. com outros retratos na parede. música de tímpanos imersos. só um ruído de passagem nos permitiria. e permite. ir além do desejo para saborear o absurdo. um vazio seria preciso. talvez, em frágeis petrificações. o sufocamento é impreciso. um buraco cheio d’água. e a cegueira enquanto sufocamento. há a tentativa de escrever uma frase ao lado da outra, uma seguida da outra para que se crie alguma paisagem inteligivel. mas não há. ontem mesmo, ia escrever sobre as oscilações. outra vez. a fala sobre a causa. a ciência que obriga o esmagamento de tal maneira de relacionar. das relações expostas ao vento. relações densas. entristecem ao ver, ao cair sua base já enrugada com poros abertos e composta por pedaços. e pedaços de pedaços em pedaços. em uma escala espiralada em direção ao centro. e desvirtua qualquer tentativa de nomear algum friso em nitidez. uma espiral. realidade extrema no centro de uma estrutura ausente. a nitidez faz morada em terra movediça. território de areia em sangue. injetáveis para uma diferenciação, reclamam alguma diferença entre a casa e a casa imaginada. não se fala.

não entendo o que diz. me diz muito.

 

no dizer do amanhã. não é dia. campos encobertos e fogueiras queimadas. em processos de ebulição e corrosão. para tudo que não cabe no fim, nem no início. tudo. não cabe no fim nem no início, tudo não cabe em corpo nenhum. rasgado se faz trilho para trens derrapantes. derretidos nos limites de trilhas perdidas. e na cidade do dia há o sol. são olhos que veem. nascentes do dia, no dia da noite em ressaca de luz são fossas douradas, e não há paredes dos retratos. e ter a dor já tão dolorida a ponto de não senti-la mais. e o prazer do ritmo no rito do esfacelamento diante da massa que vai se criando. e as imagens, as intenções e o nada. atravessamentos dos sons interiorizados e exteriorizados ao mesmo instante do gesto da mão. esquecer as relações das presenças. ser nada tudo de uma vez só. e esquecer. entrar espaço por espaço no infinito com inicio no seu fim. o inicio do fim é o infinito no mesmo fim. ir até o fim da pulsão de um fim e escrever o fim no inicio de tudo. de todos. o fim do inicio do fundo sem fundo. do tempo em nó. inicio do inicio de uma explosão de expansão em expansão. o fim-inicio do todo-buraco-nó-nada. iniciar um fim das atmosferas. iniciar um fim da cabeça que quer o próprio fim.

(…)

 

e o tempo em erosão,,,, partícula do infinito. para não me perder no sublime. e partícula do infinito para não perder o sublime. me perder em si. um instante. a pele é pegajosa. o corpo um estranho. mar sem fim de terras obscuras. esvazio um copo cheio d’água. rego flores de areia. para uma mutação em pérola. ao porvir. dos resíduos inseridos. uma pérola de resíduos enlameados. há um silêncio em mim. pequeno silêncio,,,,,, fraco para delírios. precisão. afundado num eterno momento do acordar. e oscilações da insônia. em terra movediça. nas pontas dos pés. e sentir a lama nas dobras. em sonhos. acordado. precisar. cisão. terreno trêmulo.|           /       / e sentir a lama das dobras. a pérola. uma superfície lisa para o abismo. em abismo, uma pérola. não é preciso encharcar os ossos e os órgãos. não é preciso encharcar aquele de ouro com imprecisões terrenas. não é preciso olhar adiante do outro. não é preciso. a pérola. contida em seu entorno. a pérola que brilha seu rochedo. uma pérola precisa. não se vê o limite. no limite não se cala. e não fala. no limite há uma nuvem de pérola e rochedo. e não há. uma pérola noturna era inteira sangue. pulsação atravessada. e ainda que não detinha uma pulsação a beira dos símbolos. num ato minúsculo de escalar. ínfimo adoecer de uma pedra que respira poeira já estou morta?

em pleno ato, um confessionário. ou estaríamos em estação em devaneio, a perder o trem da noite?

você, irmão, seria? o que quer me dizer? já te escuto todos os dias.! já estou morta?

(…)

 

 

(…)

fui um buraco negro de fogo pelas costas. um buraco de ardência. as costas rasgadas. e a pulsação. pulsação que treme por terra. rochedos crescidos das cinzas. da queimação do nó depositado nas costas de um pequeno corpo. um buraco de ardor me engolindo, do chão em pó que passa os pés ao teto profundo que encosta a cabeça. já saberia do lugar de agora? já saberia escutar em chama o tempo acumulado e percorrendo no nó das costas? estaria por aqui depois de um nascimento preciso? já teria se deslocado em espiral de luz? no dia do nascimento, fogo aceso em areia deserta. mar noturno e ondas em vertigem. terra à vista pelos olhos das costas. solidão de uma confusão de passagem. pássaros em rito, o invisível habitado pelo centro do ruído. e foi o gesto. as lágrimas derramadas pelo cansaço. o berço da manhã para o pote de luz derramado. e na seringa a luz do sangue de um corpo. e retiram em demasia, e sugam sem entender que na palavra dita, nascido esse amor que nos destroça, assopra o grito frio das termas. e uma voz chamou o nome,

(…)

escapa a mão quando vir a possuí-lo, o nome rasgado, cultivado em poros vazios transbordando nomes. um cheio de vazio, planificação para uma transgressão. numa dedicatória, e uma psicografia. efetuados e afetados em grafia curva. em vãos com teto em pó. e o eco engravida. grave vibra entre as partes das partes. numa vertigem claustrofóbica. numa vertigem claustrofóbica somos, claustros somos.

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(…)

os passos tremem a luz. raios de luz põe por tremer o cômodo. raios que descem do teto, em pó dourado acaricia o campo. poros de luz compassados. e o vazio, a potência da própria coisa. na contradição entre o sobrevivente exilado e o alheio triturado. na intimidade do oco do corpo. na contradição, no umbigo da terra, o nó de luz. ar, copa e raiz desenterrada dos poros em terra pelas bordas. árvore suspendida por cordão de luz, suspendida da terra mas imperecível. nós de terra esparramados por terra.

um diálogo para que o gesto se faça.

conseguiria estar nessas coisas do mundo sem o som do estranho? soa tudo num tom tão próximo do distante, que é como se a palma da mão não alcançasse o que de mais próximo ofereceram para mim. e como um desejo pela proximidade que, pelo próprio desejo, faz da proximidade um impossível. sempre uma expectativa frustrada. e soam os sorrisos cansados e  cheios de dor, calejados pelo caminho da distância. o fundo dos olhos encobertos. e no intervalo, entre nossos encontros, os olhos perdidos no vazio da sala. o que estariam esperando os mais velhos daquele estar? ainda esperam alguma coisa? os velhos do estar com olhos cansados de esperar. os mais velhos do estar dizem com os olhos murchos que estar não possui mais a graça da criança. com os olhos profundos, e decaídos num silêncio escuro na sala de estar, já sabem que não nos adianta uma nova criança se repetirmos a mesma expectativa da proximidade. o mais angustiante é quando, ao se jogar nessa distância, a proximidade é quase uma falsidade. que não se aborreçam com as linhas traçadas pela conversa com os olhos deles. o respeito pela distância não permitiria nos aproximar dessa situação, um diálogo para que o gesto se faça.

(…)

depois da queda do ventre. nascia uma mariposa antiga, e uma mariposa branca. gêmeas do dia,, estranhas na noite do ventre. e ainda estranhas entre si, tanto de dia como de noite, mariposas gêmeas voam juntas pelo som da terra, porém separadas pela proximidade. sagradas pelo ventre no momento de antes do nascimento. voam esparsas.

será um nascimento de um ventre pela própria cavidade? é como escuto sobre os nós, e suas bifurcações.

gosto quando vem algum timbre de plenitude em silêncio.

 

 

a escultura, um busto feminino. sua cabeça ilumina o cômodo às costas. um rasgo, como um poema sobre tecido cristalizado no templo da resina. a fenda desce junto à espinha. uma cachoeira que apoia o corpo todo. e um afeto removido. rasgos compartilhados por estranhamentos. a pedra atrás da cachoeira em corpo nu.

uma ardência cósmica que pulsa em espirais de luz pelas vértebras e esta este ardor que arde por não conseguir ir tragada pelo buraco negro nascido da densa matéria da quinta lombar que afundada em si se fez assim esse nada que tudo traga que nem mesmo a luz lhe escapa desta esta espiral de luz sim talvez pela espiral conseguir lhe escapar dos gravitacionais domínios graves da pela força de atração encontrar aquele exato movimento oblíquo que lhe lance em pássarovôo numa queda ao alto em espiral de fogo que arrasta de si toda ardência espalhando o fogo por todo todo-do-corpo

ela diz: mein herz liebt dein geist, meine haut liebt dein fleisch / meu coração ama o seu espírito, a minha pele ama sua carne / (guardar parte para o fim)

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Marcelo Ariel nasceu em Santos, 1968. Poeta, performer e dramaturgo. Autor dos livros Tratado dos anjos afogados (Letraselvagem 2008), Conversas com Emily Dickinson e outros poemas (Multifoco, 2010), O Céu no fundo do mart (Dulcinéia Catadora, 2009), A segunda morte de Herberto Helder (21 GRAMAS, 2011), entre outros. E-mail: marcelo.ariel91@gmail.com




Comentários (2 comentários)

  1. carlos pessoa rosa, Meu amigo, cada vez mais depurado, melhor… Pena ilha tão vazia de afectos.
    31 janeiro, 2013 as 20:56
  2. Marcelo Ariel, Pois é, meu amigo Carlos Pessoa Rosa. E o pior é que pode o símile ser um arquipélago e não uma ilha. O fato é que sem o vazio nem o afecto se cria, te devo uma visita.
    1 fevereiro, 2013 as 19:06

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