Bloomsday ilhéu e entrevista


 

Entrevista de Dirce Waltrick do Amarante com Fritz Senn, curador da Fundação James Joyce de Zurique e especialista na obra de James Joyce. O tema da entrevista é o romance Ulisses. A tradução é de Sérgio Medeiros.

 

1. Hermético, obscuro, complexo: eis alguns adjetivos muito usados para se referir a Ulisses. Como o leitor comum pode lidar com isso?

Tudo isso é verdade, mas não totalmente. Complexo, sem dúvida, e obscuro em certas partes. Um universo hermético, seguramente, mas não impenetrável, como o termo sugeriria, ao não revelar que é também acessível e em muitos casos muito humano, em harmonia com as experiências do dia-a-dia. Os primeiros três episódios, ”Proteu” em particular, parecem de fato amedrontadores, mais depois, com Bloom, o livro avança mais facilmente, de modo interminente.

2. Que conselho você daria ao futuro leitor de Ulisses? Você teria uma estratégia de leitura para o romance?

Estratégia não, mas algum conselho. O livro não pode ser lido rapidamente, toma tempo e tem um andamento vagaroso. Dê a ele o máximo de atenção que você puder, dê atenção aos detalhes, é isso. Não se sinta desencorajado com passagens que você não compreende nem desista de ler por causa de passagens difíceis. Não entender as coisas é a norma na vida, não a exceção. Algumas coisas se esclarecem depois. A melhor ferramenta é um bom dicionário. Primeiro procure você mesmo os significados, e depois passe para o comentário, se você precisar dele. Comentários fornecem dados concretos, mas também opiniões. São úteis, não imposições gratuitas.

3. Segundo Jean-François Lyotard, Ulisses é um título que confunde. Embora Joyce relacione o título do seu romance à Odisseia, criando, inclusive, a partir do enredo homérico, um esquema estrutural para o seu próprio livro, se seguirmos essa correspondência entre as duas obras, diz Lyotard, vamos acabar por enumerar mais diferenças entre os dois livros do que semelhanças. Como você vê isso?

O título Ulisses é enganoso, mas também acrescenta outra dimensão, se você quiser. Ele sugere um curso. Sim, há mais diferenças do que similaridades entre as duas obras. Joyce fez um uso seletivo e autônomo dessa aproximação. Comparações podem proporcionar algum tipo de compreensão. Estou envolvido numa infrutífera campanha contra o uso de um termo que Stuart Gilbert infelizmente introduziu – o enganoso termo ”homérico”: as correspondências são raramente diretas, frequentemente acontece o inverso, são caprichosas, e por isso mais estimulantes. Se você não as achar úteis, ignore-as e siga em frente sem se importar com elas.

4. Os críticos tendem a considerar Leopold Bloom um cidadão comum, mas, na opinião de Nabokov, “não é verdade que a imaginação de um cidadão comum se recrieie constantemente em pormenores fisiológicos”. Para Nabokov, Bloom estaria “no limite da sua própria demência”. Como você vê o protagonista de Ulisses?

Não conheço nenhum caso de demência. Bloom parece ser comum no sentido de que ele representa pelo menos alguns de nós, é um objeto de empatia. (Nada original!)

5. Como diz Milan Kundera, o “grande microscópio” de Joyce sabe parar, reter o instante fugidio e fazer com que o vejamos. Joyce analisaria o momento presente, que é o mais palpável e tangível, mas também o que nos escapa completamente. No plano da linguagem, como isso é feito?

Só concordo parcialmente, pois os momentos não são assim tão parados, já que, sob o escrutínio microscópico, ainda se movem, como o ”panta rhei” (o conceito de que tudo flui, de Heráclito), sintaticamente passageiros. Ulisses não se imobiliza, na minha opinião. Eu o vejo como algo incessante, um perpetuum mobile. O monologo interior é frequentemente pré-gramatical.

6. Quais teriam sido as maiores dificuldades para transpor Ulisses para outras línguas?

A tradução literal é uma atividade que beira o limite, na melhor das hipóteses. Em Joyce, há simplesmente mais coisas em jogo, não apenas no plano quantitativo, mas, sobretudo, no qualitativo ou dinâmico. Poderia descrever isso como uma questão de efeitos secundários, de padrões sonoros, de ecos, de referências cruzadas, de ressonâncias, de sobreposições semânticas, de significados múltiplos. (Evito cuidadosamente o termo “trocadilho” – pois ele é meramente  uma sub-seção). A cada momento há inevitavelmente mais aspectos a tratar, assim as traduções têm que ser redutoras.

 

 

***

 

OS LEITORES DE JAMES JOYCE NA RUA:  BLOOMSDAY 2015 EM FLORIANÓPOLIS

(intervençãoo urbana/performance imagética)

 

No dia 16 de junho, terça-feira, Florianópolis, assim como outras cidades mundo afora, comemorará o Bloomsday, uma homenagem dos leitores ao revolucionário romance “Ulisses”, de James Joyce, lançado em 1922, cujo protagonista se chama Bloom.

Bloom, como coletor de anúncios para jornais, passa o dia fora de casa, caminhando por Dublin, capital da Irlanda. Por isso, na comemoração deste ano, os organizadores do Bloomsday ilhéu – Clélia Mello, Dirce Waltrick do Amarante e Sérgio Medeiros – decidiram homenagear a rua com uma performance silenciosa a céu aberto.

Performers, convidados, leitores de Joyce e passantes sentarão na Praça XV e em ruas próximas, em cadeiras, almofadas e tapetes lendo em silêncio “Ulisses” e outros títulos do autor, com a música do espaço urbano inseminando o plano visual.

A ideia corpográifca é tentar recriar o famoso retrato de Joyce pelo escultor romeno Constantin Brancusi, feito de uns poucos traços elementares: círculos que representam o labirinto mental e linhas que sugerem as ruas.

 

Bloomsday Ilhéu 2015

Dia: 16.06

Horario: 16h (duração 33 minutos)

Local: Praça XV, Centro, Florianópolis

 

 

 




Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook