Web Arte e Mimo Steim


Por que a Web Arte não precisa de artistas como Mimo Steim?

 

Há algum tempo atrás, participando de um momento acadêmico, confesso que utilizei o termo “surfar” para sugerir algum aspecto que me suscitou um trabalho que estava em discussão.  De imediato, fui alertado por um dos colegas presentes que aquele era um termo em desuso; ao qual respondi com o meu desejo de dizer: as pessoas ainda navegam na rede Internet despretensiosamente  como faziam em outros tempos. Talvez muito menos do que antes: redes sociais como o Facebook funcionam como um redemoinho que traz tudo ao nosso encontro, mas ainda há quem esteja surfando por aí, totalmente indiferente ao que o termo deixou de ser. O usuário desta geração talvez ocupe o seu tempo livre de maneira mais acomodada e segura, acompanhando as atualizações em suas timelines, confiantes no bom gosto dos amigos e nos filtros capazes de discriminar aquilo que é do nosso agrado.  Mas, de toda forma, é muito fácil conclamar anacronismos ao se falar em novas tecnologias.

Ao me deparar mais recentemente com a proposta de um artista brasileiro chamado Mimo Steim passei a refletir mais sobre um termo cada vez mais esquecido diante das discussões tecnológicas: a telepresença. O termo foi bastante utilizado nos anos 90 do século passado para designar uma “presença indireta ou uma atuação à distância”, como bem define o artista Carlos Fadon, em um texto de 1997: Tele-presença-ausência. Fadon é bastante eficaz ao contextuar a busca dos humanos em torno de deslocar-se cada vez mais no tempo e no espaço: o telégrafo, o telefone, o rádio, a televisão. Seguidamente, temos buscado meios capazes de ampliar e multiplicar formas de contato com o outro, lidando diretamente com um tempo real simultâneo, compartilhado entre interlocutores. Naquela época podemos dizer que existiu uma significativa celebração da superação da distância no encontro com o “outro”: ver e ouvir alguém “ao vivo” em uma dimensão pessoal. Isso foi mote recorrente para muitos trabalhos, assim como a geolocalização tem sido recorrente em trabalhos atuais – e como as mídias móveis são referenciadas desde algum tempo.  Um dos trabalhos célebres do universo da telepresença é  Rara Avis de Eduardo Kac (1996), instalação artística na qual o visitante tomava o ponto de vista de uma ave-robô utilizando um óculos com visão estereoscópica: a sensação de estar em outro corpo, vendo a si mesmo ao longe.

Steim, por sua vez, está já há algum tempo com o que ele chama de “teleperformance”, a partir de seu site pessoal (www.mimosteim.me): diz permanecer sem qualquer contato que não seja mediado por meios tecnológicos, buscando alcançar um ponto máximo de midiatização de todas as suas relações. Seria então, a telepresença tornando-se não mais uma “alternativa”, mas a regra. Mas, isso não é nem um pouco inovador: a Casa das Rosas,  em São Paulo, durante a gestão do artista José Roberto Aguilar (notório período da instituição em iniciativas destemidas em experimentações em arte e tecnologia) já havia realizado ações semelhantes, mantendo artistas “vigiados” pela web. E ainda, em 2010, o artista argentino Santiago Cao, fez algo bastante parecido em um evento chamado de SPA das Artes, em Recife, intitulado de Espaços [In]seguros, relacionando mídias, a sensação de insegurança típica das metrópoles e confinamento. O artista contextualiza: “Teléfonos, mensajes de texto, correos electrónicos. Cada vez menos personas hablan ‘cara a cara’. Lo corporal es desplazado por lo virtual. Un muro invisible nos separa”. Daí, Cao permaneceu emparedado em um cubículo construído no espaço expositivo medindo 1,30 x 1,80m – sem portas ou janelas – comunicando-se com o exterior unicamente via Internet.  Durante os três dias, os visitantes puderam conversar com o artista utilizando o chat disponível em um computador ao lado das paredes que o cercavam.

Mas voltando a performance de Steim e indo além de seu isolamento circunstancial, há um outro ponto a ser destacado:  em seu chat de “O artista estah presente” (o “estah” grafado assim mesmo, em internetês), no qual permanece disponível aos seus visitantes, em uma óbvia referência a conhecida performance de Marina Abramovic no MoMA em 2010 – The Artist is Present – percebe-se sua tentativa de imitar uma máquina (ou brincar de ser uma espécie de máquina dadaísta), respondendo frases do interlocutor com outras perguntas totalmente descontextualizadas, ou até mesmo, repetindo sentenças já escritas. Por que finge ser uma máquina? Sugere-se que o artista tenta trazer a tona que a nossa condição cada vez mais midiatizada está ligada a uma condição cyborg que invariavelmente assumimos ao lidar todo o tempo com dispositivos digitais: em uma aparente referência a alguns dos escritos da teórica Donna Haraway, se você lida com máquina, pensa como máquina para entendê-las, você já é cyborg. Sua intenção, aparentemente, seria trazer essa condição – assim como no caso da midiatização – a um estado hiperbólico, que impossibilita uma conversa natural via chat. Outros artistas já seguiram por caminhos parecidos, como o artista japonês Takehito Etani que desenvolveu The Masticator (2005): uma estranha prótese eletrônica que contabiliza mastigações de seu utilizador, com a finalidade de mastigar o máximo possível. O artista realizou diversas performances com o dispositivo em lanchonetes de fast-food, suscitando discussões em torno de nossas temporalidades contemporâneas, de nossa submissão a um compasso maquínico e da metáfora da informação como alimento.

Mimo Steim, entretanto, parece supor que navega em mares nunca navegados: da maneira que se coloca, sugere que suas ações tenham relevância pelo ineditismo. Na verdade, um possível mérito do seu trabalho reside na provocação à hegemonia do up-to-date, ao dar-de-ombros às tecnologias mais recentes, optando por soluções fora de moda, tecnologicamente superadas, como o chat. A web arte, tendo em vista novas soluções tecnológicas, talvez não precise dele. Mas, essa condição levanta outras questões. Permaneço curioso em saber se o artista realmente possuiria a consciência crítica que a ele creditamos. Esperamos que sim. Para acessar o site de Mimo Steim: http://www.mimosteim.me.

 

 

 

 

 

.

Fabio FON (Fábio Oliveira Nunes): É artista multimídia, atuando entre outras áreas, nos estudos de hipermídia, web arte, arte mídia e poéticas da visualidade. É autor de CTRL+ART+DEL: Distúrbios em Arte e Tecnologia, livro publicado pela Editora Perspectiva, em 2010. É doutor em artes na Escola de Comunicações e Artes da USP e atualmente realiza pesquisa de pós-doutorado no Instituto de Artes da UNESP, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Site: www.fabiofon.com .

 




Comentários (4 comentários)

  1. Ronaldo Ferrito, Fabio, bacana suas colocações sobre a questão da presença/telepresença (prefiro chamar, mais sincronicamente, de presença multimidiática). Mas acho mais atual de fato a experiência proposta por Márcio-André no Centro Cultural São Paulo (Centro, aliás, muito importante para a difusão da performance nos anos 80 no Brasil, como nos dá testemunho o Renato Cohen). Recentemente escrevi uma comunicação em que mencionava essa experiência dele de “presença multimidiática” na performance “the bug is on the table”, que envolvia também uma experiência de tempo (que também vejo na performance de Marina no MoMa): ele ficou durante 3 dias de sua casa na Espanha, permanecendo 10 horas diárias conectado no seu computador, respeitando não o tempo de seu fuso horário, mas o do expediente do Centro Cultural de outro país realizando sua performance, propiciando um espaço-tempo único na performance a revelia dos fusos do Brasil e da Espanha. Havia ali a fundação de uma temporalidade única só possível na própria ‘ação’ e presença midiática do performer com o público. No entanto, acho que a experiência do the artist is present, no MoMa, da presença de Marina, sentada arrostando cada um do público, propõe também outra coisa que não bem a apontada sobre essa questão da presença. Propõe o fato simples e profundo do “artista” como acontecimento e não “autor”, além de uma volta profunda à ideia de presença como encontro pessoal e imediato, não a mera experiência comunicativa em que se tornou na performance contemporânea. Vale notar que esse nível de presença proposto por Marina não era bem a proposta radical da performance em seu início, nos anos 70 e 80, embora pareça, posto que nessas décadas se queria trazer – a meu ver – para a presença do artista a capacidade comunicativo da obra em processo. The artist is present me parece uma releitura dessa presença na tradição da performance. Já revi o vídeo das instalações de Marina no MoMa inúmeras vezes e a cada vez me convenço de que aquela atualização (nova realização) daquelas performances feitas por ela ao longo da vida (executadas agora por outros performances orientados por ela meses antes das instalações) é o ponto chave na proposta dela de 2010 como releitura da ideia de presença na Performance. Parabéns pelas suas provocações!
    25 setembro, 2013 as 16:50
  2. Ronaldo Ferrito, Permita-me uma errata. Por algum lapso escrevi “The bug is on the table”, a performance é “Debug is on the table”. Homófonos, mas não homógrafos…
    26 setembro, 2013 as 0:32
  3. Fabio FON, Ronaldo, Em primeiro lugar, agradeço pela referência ao trabalho do Márcio-André (aliás, o título é ótimo!). Sua comunicação ou texto sobre esse trabalho está publicado em algum endereço da web? Gostaria de lê-la. Se possível, poste o link aqui. E claro, também agradeço muito por seus comentários valiosos para pensarmos na questão da presença. Essa questão da presença “comunicativa” dá uma boa tese, justamente partindo do seu contra-exemplo “the artist is present”. Muito legal! Obrigado!
    27 setembro, 2013 as 20:59
  4. Ronaldo Ferrito, Fabio, desculpe-me a demora em respondê-lo. Olha, estou desenvolvendo essa questão da presença na performance no meu doutorado. É uma das minhas grandes questões, além de perseguir o fenômeno poético na performance e a questão da identidade na arte da ação. Minha pesquisa tem embasamento filosófica pesado para conseguir tratar esses pilares. Digo isso porque vou a seguir deixar o link de um texto que publiquei no início do ano pelo qual tive esse estalo sobre a questão da comparação entre a presença do artista entendida na “tradição” da performance (já podemos falar assim com bastante conforto) e a presença que acredito ser proposta por Marina no MoMa. Veja que, neste artigo que é apenas um prólogo para a investigação que empreendo sobre a identidade da ação na performance, só faço uma pequena menção a isso em apenas meio parágrafo. Mas ele é importante para se entender a atmosfera em que me veio essa sacação de diferenciar a “presença comunicativa” de uma presença imediata como a de “the artist is present”. Link: http://www.ciencialit.letras.ufrj.br/garrafa/garrafa29/ronaldoferrito_breveapontamentoontologico.pdf Terminei outro artigo em que reflito melhor isso, com todos cetos detalhes tematizados, mas estou esperando a publicação. Assim que tiver publicado te passo. Quanto ao Márcio-André, escrevi aqui mesmo no Musa Rara um texto meio poético sobre algumas performances dele. Abraço!
    9 outubro, 2013 as 21:40

Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook