Os paradoxos e suas contaminações
……………………Exposição “Blooks – Tribos & Letras na Rede”
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O paradoxo é a essência do que vivenciamos em um mundo onde parece que o virtual suplantou o real. Nada mais paradoxal do que uma pretensa universalidade (realizada por um computador conectado na rede mundial de computadores) desprovida de um significado central e unívoco.
Com a internet, ao contrário do que muitos apregoavam, observamos um crescimento da diversidade, com regionalismos, nacionalismos e expressões de minorias. Escreve-se cada vez mais e não é o inglês que domina como poderíamos supor observando um “universo”, que até 2006, era dominado por sistemas operacionais da Microsoft.
No entanto, a língua é um organismo vivo, mutante e, claro, sofrerá as contaminações dos novos suportes. Apesar disso, não acredito no que diz o linguista norte-americano Steven Fisher quando afirma que o português brasileiro vai ser extinto em mais ou menos 300 anos. O argumento dele tem uma lógica linguística, a partir do conhecimento que temos da dinâmica de outras línguas e outras análises diacrônicas. Para ele, o português brasileiro não resistirá a influência econômica e cultural do espanhol (afinal, o espanhol já é a segunda língua mais falada no Ocidente) e se transformará em uma espécie de portunhol. Talvez, o portunhol selvagem apregoado e defendido pelo instigante poeta de fronteira Douglas Diegues.
Por outro lado, já flertamos com a Web 3.0, visto que a anterior — a Web 2.0 — banalizou-se como sinônimo de sites e ferramentas interativas que revelaram um leitor ativo na produção e gerenciamento de conteúdos. O resto é nuvem. Ou melhor, está na Nuvem. Ou pior, estamos nas nuvens.
Falamos agora em Webliteratura. A literatura em si já não basta. Estamos todos imersos e fascinados pelas novas mídias e suas facilidades de distribuição e possibilidades ficcionais. E não há como fugir disso. Mesmo que intuídos em pixels e bits, os deuses continuam “hóspedes fugidios da literatura”. Deixam agora seus rastros em rizomas de links e hipertextos que trafegam em diálogo intersemiótico nos chamados i-Pads, E-readers, E-books e outros écrans mais ordinários.
Muitos dos que se levantam contra a tecnologia, nos alertando de seus perigos, fazem-no de uma forma muito parecida com a que fez Nietzsche ao declarar sua guerra particular ao cristianismo, ou a Deus, e que acabou revelando muito de sua incapacidade de viver sem eles.
O mito de Narciso usado pelo vovô Marshal Macluhan, quando nos falava sobre os meios como extensão do homem, aponta para o entorpecimento e fascínio que nos atingem quando nos deparamos com extensões em qualquer material que não seja nós próprios. E não por acaso a palavra Narciso originou-se da grega narcosis.
É neste estado paradoxal de dopping cibernético que nos pegamos a pensar e a questionar sobre o que está acontecendo em nossos dias. Difícil ter clareza e projetar alguma coisa. Mal estamos dando conta do presente. O que revela que estamos, realmente, despreparados para o futuro, qualquer que seja ele. Paradigmas. Velhas chaves para novas fechaduras.
No diálogo recém-publicado entre Umberto Eco e Jean-Claude Carrière, “Não contem com o fim do livro”, discute-se com propriedade a efemeridade dos suportes duráveis que pode ser justificada pelo fato de a cada instante surgirem novos suportes e aparelhos que exigem um novo tipo de conhecimento para que possamos utilizá-los. É verdade, a geração analógica formada com os livros, e entre os livros, não tem fôlego para tanto. Mas não sabemos o que fará a geração de minha filha de 6 anos que, por sinal, me ensinou a ligar o Iphone que comprei e já joga xadrez nele dando gritinhos de prazer quando come uma peça adversária.
Os dois belos representantes de nossa cultura impressa, colecionadores de pergaminhos e incunábulos, apontam para uma “ansiedade de produção” e para uma proliferação de romances contemporâneos de autores tão efêmeros quanto a tecnologia que deve atender às necessidades de consumo.
Jean-Claude afirma que “às vezes é útil relativizar nossas pretensas proezas técnicas” ao lembrar que os livros de Victor Hugo chegavam mais rapidamente a outros países do que os best-sellers nos dias de hoje. Por outro lado, podemos concluir também que este fato só revela a incompetência das editoras atuais em se abrirem às possibilidades que as novas mídias nos oferecem.
Mas até elas, as editoras lobodinossáuricas, estão se mexendo. No início do ano retrasado, a gigante editorial americana Simon & Schuster ditou novas regras para seus escritores. E quais eram elas? Abrir um blogue. Criar uma página no Facebook. Gerar conteúdo em redes sociais literárias. Interagir. Contaminar-se. Sair dos escritórios empoeirados ou da pretensa redoma criativa. Abrir-se para as novas exigências e imperativos de uma época de cibercultura.
E no sétimo dia, Deus observando novamente sua criação rejubilar-se-á. No oitavo, o Google chegará e se apoderará de tudo.
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Edson Cruz (Ilhéus, BA) é poeta, editor e revisor. Desgraduou-se em muitas coisas: Psicologia, Música e Letras. Foi fundador e editor do site de literatura Cronópios (até meados de 2009) e da revista literária Mnemozine. É professor no Curso de Criação Literária, da UnicSul/Terracota Editora, no módulo Poema. Lançou em 2007, Sortilégio (poesia), pelo selo Demônio Negro/Annablume e, como organizador, O que é poesia?, pela Confraria do Vento/Calibán. Lançou, também, uma adaptação do épico indiano, Mahâbhârata, pela Paulinas Editora. Em 2011, lançou Sambaqui, livro contemplado pela Bolsa de Criação da Petrobras Cultural. Em janeiro de 2012, finalmente colocou no ar seu novo projeto: MUSA RARA. Escreve com frequência no blog: http://sambaquis.blogspot.com E-mail: sonartes@gmail.com
22 março, 2012 as 6:26
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