Literatura e cultura em tempos digitais
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Parece que foi ontem que estive em João Pessoa, no Agosto das Letras, para dialogar com o escritor Marcelino Freire e o professor Amador Ribeiro Neto sobre Literatura e as Novas Mídias. Esse tema me persegue há alguns anos e resolvi imergir com coragem e olhos livres em suas águas.
Nesse mesmo mês de cachorro louco, dialoguei sobre o mesmo tema na Bienal Internacional do Livro de São Paulo com a professora Heloisa Buarque de Hollanda e os escritores Nelson de Oliveira, Micheliny Verunschk e Andrea Del Fuego.
É sempre muito rico discutir com os próprios criadores como a inserção de um novo suporte textual e de um novo meio de difusão alterariam práticas e conceitos já sedimentados no campo da produção/criação, recepção e estudos literários. De um modo geral, o que observo é que todos ainda estão muito céticos, quando não desinformados sobre as implicações do tema.
A questão sobre a expansão das novas tecnologias e sua influência na cultura deram as caras no século passado, mas suas exigências se fizeram incontornáveis de alguns anos para cá. O computador e o campo de significações da Internet são todos colocados no mesmo saco, melhor dizendo, na mesma rede. A parte mais popular desse processo é a World Wide Web, o conhecido WWW, que a rigor é apenas a interface gráfica da Internet. É através dela que nos conectamos com os sites, sítios, blogues e demais páginas com o intuito de divulgar, de criar ou apenas de nos relacionarmos.
A noção de interface — como bem nos lembra o filósofo Pierre Lévy, pioneiro nos estudos que denominou de cibercultura — não deve ser limitada às técnicas de comunicação contemporâneas. Ele lembra que o próprio advento da impressão gerou uma interface padronizada e original com seus cabeçalhos, páginas de títulos, numeração regular e referências cruzadas.
Em última instância, digo eu, a própria palavra é uma interface com o plano das idéias, das informações e dos sentimentos e, para discordar de Saussure, não totalmente arbitrária, enquanto signo, como nos mostrou as experiências do psicólogo Wolfgang Köhler registradas em seu livro Psicologia da Forma.
O que dizer, então, da literatura que, no dizer do escritor cearense Carlos Emílio C. Lima, cria “cinemas mentais” em fluxo não linear de várias dimensões?
Com o advento da linguagem digital, inesperadamente, a escrita impressa e a linguagem habitual do livro, a literária, feita de letras, sintaxe, sintagmas, morfologia e conotações ganhou em importância. Jovens educados e criados em um ambiente predominantemente visual, saturados de imagens e ícones da cultura contemporânea, começaram a se voltar para a linguagem escrita estimulados pelo correio eletrônico, MSNs e outros diálogos entre suas comunidades sociais. Os que chegaram à fase do consumo de informações na última década, por bem ou por mal, estão utilizando da expressão literária, rudimentar ainda (calcada ainda mais em sua função fática do que poética), mas sujeita ao aprimoramento natural determinado pela própria necessidade de se exprimir.
Chegamos, então, a uma palavrinha que está na moda no meio virtual e que se configura como característica essencial dessa nova era, ou da cibercultura: o hipertexto. Blocos de informações conectados por meio de elos ou links, capazes de permitirem aos navegadores que se movam livremente aí dentro e que nos colocam diante de uma nova máquina de ler, que faz de cada leitor-navegante um editor em potencial redirecionando os paradigmas que balizavam as antigas formas de produção e recepção de discursos.
O texto, nessa baliza, passa a ser efetivamente uma galáxia de significantes, não uma estrutura de significados. Segundo George Landow, em seu livro Hipertext 2.0, os textos não têm mais início, são irreversíveis e possibilitam acesso por diversas entradas das quais nenhuma poderia ser autoritariamente declarada única, como queria Roland Barthes em suas análises da escritura.
Tudo muito bonito e conceitualmente instigante. Mas, como declarou em nosso diálogo a professora Heloisa Buarque de Hollanda (arrancando risos de todos), e podemos observar no ciberespaço, os textos criados com essa intenção ainda são muito chatos. Intragáveis.
Bem, mas não vamos jogar o bebê juntamente com a água do banho. Tudo ainda é muito incipiente. Vamos atentar para as experiências feitas no site Dreaming Methods e observar como anda a discussão (mais adiantada do que por aqui) pelo mundo em Literatura – tecnologia da escrita.
Frente a essa enorme multiplicidade de possibilidades, facetas e eventos, não podemos deixar de pensar seriamente no significado da web para o presente e para o futuro da literatura e da cultura. Não é mais possível ter uma opinião simples e unívoca, ou simplesmente descartar o tema. Não podemos ser só eufóricos ou, ao contrário, reacionários como Andrew Keen [veja em Sambaquis ].
As reflexões continuam. Sigamos em linha.
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Edson Cruz (Ilhéus, BA) é poeta, editor e revisor. Desgraduou-se em muitas coisas: Psicologia, Música e Letras. Foi fundador e editor do site de literatura Cronópios (até meados de 2009) e da revista literária Mnemozine. É professor no Curso de Criação Literária, da UnicSul/Terracota Editora, no módulo Poema. Lançou em 2007, Sortilégio (poesia), pelo selo Demônio Negro/Annablume e, como organizador, O que é poesia?, pela Confraria do Vento/Calibán. Lançou, também, uma adaptação do épico indiano, Mahâbhârata, pela Paulinas Editora. Em 2011, lançou Sambaqui, livro contemplado pela Bolsa de Criação da Petrobras Cultural. Em janeiro de 2012, finalmente colocou no ar seu novo projeto: MUSA RARA. Escreve com frequência no blog: http://sambaquis.blogspot.com E-mail: sonartes@gmail.com
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