Vik Muniz e a Holografia
Embora o artista plástico Vik Muniz prossiga angariando público, conquistando espaços de exposição, consolidando sua carreira no país e no exterior, temo que sua obra, composta pelo tal lixo extraordinário, não exista. Os críticos de arte no Brasil teimam em afirmar o contrário. E apontam as fotografias como o produto final de sua laboração artística e justamente esta indicação intriga e desperta – no observador – perguntas pertinentes ao processo engendrado por Vik Muniz – que salvo erro, vem nos enganando e a todo o mercado de arte, produzindo uma obra na qual não podemos pegar, porque prescinde de materialidade.
Nenhum fotógrafo, por mais genial, não poderá capturar os elementos que compõem a sua fotografia. Cartier-Bresson não aprisionará aquele homem que quase caminha sobre as águas – espectro de messias citadino, desdobrado em sua imagem e posteriormente mergulhado nela apaixonadamente, um narciso – deus e flor – que a célebre imagem não nos pode dar, mas facultou à nossa imaginação completá-la tamanha a força poética transmitida pelo conjunto. Se não são aleatórios os objetos da composição nesta fotografia, não se pode pegá-los e fixá-los por estarem em seu estado natural, retido pelo olhar atento do artista, por sua virtude poética.
O fotógrafo que se detém sobre a paisagem móvel da realidade jamais poderá recompô-la para oferecer-nos outra perspectiva sobre aquilo que foi construído. Ele não poderá reeditá-la, porque dentro de instantes estará desfeita. Por esse motivo a singularidade do que nela vai representado, porque esvanecida, ninguém mais poderá recriá-la e decorre daí toda angústia. E ressuscitá-la é impossível, pelo menos quando não estamos com os olhos para ela, a fotografia, voltados – acendendo-a.
Vik Muniz poderá recriá-la à vontade, porque se utiliza de método que não se reduz a fotografia da paisagem móvel da realidade, não está detido em sua janela imaginária, sentinela do vazio, para apreender o instante de epifania que se avizinha. Há um projetor espalhando as linhas da imagem pelo imenso salão e o lixo extraordinário se fixará em seus contornos, levantando para a dimensionalidade aquilo que pretende captar com sua lente. Seja de lixo, de açúcar ou material semelhante à pedra de diamante, nunca temos a obra; miramos o simulacro dela trazido pela fotografia. Daí o blefe do trabalho de Muniz. Temos a holografia, a representação da representação, portanto nada. A obra não existe. Ela está entre o fotógrafo e aquilo fotografado, em um limbo em que seu resgate é impossível.
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O comprador de arte que adquire a fotografia não compra a obra confeccionada com o lixo extraordinário, ela estará perdida quando desfeita, porque não está fixada em um suporte que permita seu deslocamento, sem perda. Nunca se poderá exigir de Vik Muniz que apresente o original que serviu para a produção da fotografia como ocorre com uma litografia ou uma xilogravura.
Como afirmei anteriormente a obra em si prescinde de materialidade; o que é aprisionado por nós é seu fantasma, encerrado na chapa da fotografia, clamando vingança não só contra Vik Muniz, mas contra todo o mercado que celebra qualquer coisa como arte – sem nenhuma discussão. Em menor escala, Vik Muniz obriga-nos a um novo exercício de ver o urinol nas salas dos museus, embora sua obra apresente um aspecto muito mais agradável. Nesse sentido, se não é obra conceitual, discute o conceito de obra – em um tempo tão díspare em definições.
Não se pode negar, Vik Muniz é um homem inteligente e talentoso e soube nos aplicar essa peça – que apenas se prolonga, porque galeristas teimam em não enxergá-la. Quando tirarem a venda dos olhos, Vik Muniz já estará aprontando outra das suas – com sofisticada artimanha – e nos embasbacará novamente com sua argúcia/astúcia.
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Mariel Reis (Rio de janeiro/RJ, 1976). Cursou Letras na Uerj. Publicou Linha de recuo e outras estórias, Ed. Paradoxo; John Fante Trabalha no Esquimó, Ed. Calibán, Cosmorama, Ed. Paradoxo e Vida Cachorra, Ed. Usina de Letras. Participou das antologias: Paralelos: 17 contos da nova literatura brasileira, Ed. Agir; Prosas cariocas: uma nova cartografia do Rio, Ed. Casa da Palavra; 4 Contos, Ed. da Palavra; Como Se Não Houvesse Amanhã, Ed. Record. Participa de vários periódicos: Rascunho, Panorama da Palavra, Ficções nº 11, Cult, Outros Baratos (Revista do Sebo Baratos da Ribeiro). Em terras portuguesas, no sítio Pitanga. Escreve o blogue Cativeiro Amoroso e Doméstico. Experimenta novas maneiras de divulgar a literatura, participando do Projeto Na Tábua, organizado por Paulo Scott, através de contos-cartazes. Integra o Grupo Cultural Na Pavuna e escreve o blogue Arqueologia Urbana, hospedado pelo site do grupo Afroreggae. E-mail: marielreis@ig.com.br
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