Aldravinturas


A pintura aldravista de Andreia Donadon: “muita cor, nenhum limite”

 

A mais nova exposição da artista aldravista Andreia Donadon poderá ser vista até o dia 9 de outubro, na Galeria de Arte do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), na capital mineira, Belo Horizonte.

O título da mostra – “Aldravinturas – muita cor, nenhum limite” – diz muito sobre a artista plástica em questão e sua arte denominada aldravista. Aí temos um neologismo derivado da palavra “aldravia” e utilizado para nomear o Movimento de Arte Aldravista, que abarca a pintura e a literatura, a saber, aldravintura e aldravia, respectivamente.

As coleções expostas à visitação se apresentam em três séries: Portais, Florais e Indumentárias. São telas trabalhadas em acrílico e nanquim com resultados surpreendentes e impactantes; bem como um conjunto de peças de roupas nas quais a artista interveio criativamente. Por ora, vamos nos concentrar nos quadros. Noutra oportunidade, quem sabe, falaremos das vestimentas que, sob intervenção, também impactam o observador.

Andreia Donadon define sua arte como aldravista e não abstrata ou impressionista. Isso nos revela duas coisas muito pertinentes. Primeiro, uma postura autoral e autônoma de quem experimentou e evoluiu artisticamente nos últimos 20 anos, expondo seus trabalhos dentro e fora do país, inclusive com reconhecimento do público e a conquista de alguns prêmios. Segundo, uma necessidade legítima de dizer, com todas as letras, que ela se move e intervém no mundo como artista das pinceladas e/ou das palavras, mas segundo os princípios estético-formais do aldravismo.

Dessa maneira, Andreia precisa ser vista como alguém que prefere a forma ao conteúdo e que está mais preocupada em experimentar as cores, levando esse intento às últimas consequências, do que em obedecer às regras acadêmicas ou maneiristas voltadas para a linha e o desenho. Para ela, a plasticidade prevalece sobre o figurativo, a emoção sobre a razão e a criatividade sobre a imitação – como podemos observar nas telas que compõem a presente exposição.

Comecemos por “Ode a Claude Monet” (acrílica sobre tela – 1,70m por 2,10m – de 2023), que, mais que uma simples homenagem ou referência, constitui um diálogo com o mais importante pintor impressionista – aquele que, sem abrir mão do visual, passou a criar seus quadros levando em conta os efeitos que a luminosidade solar produz nas cores da natureza e, por extensão, na obra de arte. Assim estava inaugurada a moda de retratar o modelo ao ar livre, à luz do sol, e não mais no atelier, como procediam os neoclássicos, realistas e românticos. Essa proposta causou uma revolução na maneira de se pensar e praticar a pintura. A influência clássica, o apego ao conteúdo e o primado do sentimento deram lugar à liberdade de criação, à experimentação formal e ao apelo às sensações, através de uma arte colorida, ensolarada e sem limites de invenção. Até porque a linha – que não passa de uma abstração – havia sido engolida pela fome cromática.

Na referida ode Andreia Donadon se beneficia, digamos assim, de algumas medidas impressionistas, como a liberdade formal (profusão de cores e extinção do traço) e, igualmente, da deformação pictórica. Com talento, ela abusa da magia das cores, misturando as primárias para obter uma terceira secundária ou binária. No tocante ao claro-escuro, manipula o volume e tira proveito da forma-luz, para extrair drama e sentimento.  (“As sombras não são pretas nem escuras, mas luminosas e coloridas”, diziam os impressionistas.) Toda a arte moderna e pós-moderna, de uma maneira geral, é beneficiária da revolução artística legada pelo impressionismo.

Já em “Jardim de Poesia” (acrílica sobre tela – 0,80cm por 0,60cm – de 2023), a pintora segue subvertendo os limites impostos pela linha e, por consequência, não economizando nas pinceladas. O resultado de tanta liberdade é uma pintura forte, sugestiva e absorvente ao mesmo tempo. A mistura de tonalidades (ou a simples justaposição de tons) imprime dramaticidade à obra que, por sua vez, suscita emoção e cobra receptividade de quem a contempla. As imagens sugestionadas – pelo efeito da pareidologia – aproximam o observador da obra de arte. Emociona e/ou diverte. O apelo icônico, correspondido ou não, fala à imaginação e cada pessoa reage de uma maneira única e absolutamente válida. Independente do nível de envolvimento emocional ou intelectivo, o nome disso é recepção estética.

Eis aí um poema não verbal de grande expressividade que, em vez de palavras, versos e rimas, se mune de pinceladas, ritmos e muito colorido. Em vez de voz, volume; de lirismo, dramaticidade. Enfim, uma metáfora verbo-visual repleta de indícios e sugestões que, ao fim e ao cabo, nos conduz ao “locus amoenus”: jardim poético!

Por fim, mas não menos impactante, vamos de “Queimada” (acrílica sobre tela – 0,70cm por 0,50cm – de 2012), em que Deia, com talento e arte, esbanja competência pictórica e exuberância cromática, de sorte que somos levados a recuperar nomes importantes da arte moderna, como Paul Cézanne, Van Gogh e Yves Duplessis (esse recomendava: “É preciso esquecer todo e qualquer preconceito estético, razão e lógica, para apreciar tais obras”, referindo-se às obras surrealistas, próprias e alheias); e da arte contemporânea, como Frans Krajcberg, especialmente o ativista com suas árvores queimadas e esculpidas, no melhor estilo arte/protesto.

Com competência pictórica e exuberância cromática, repito, a artista explora o vermelho até a exaustão, seja extraindo dele outras tonalidades (vermelho + azul = violeta), seja combinando-o com gradações de claro-escuro. O resultado disso não poderia ser outro senão mais densidade, epifania dantesca e impacto multicor, tão caros aos expressionistas. No entanto, ao contrário deles, Andreia também propõe crítica socioambiental, como na série “Portais da Devastação” (que merecia uma apreciação à parte).

A receita do sucesso dessa arte genuinamente brasileira? Muita cor e nenhum limite!

 

 

 

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Almir Zarfeg é poeta e jornalista baiano. Preside a Academia Teixeirense de Letras (ATL). Iniciou-se na literatura em 1991 com “Água Preta”. Os dois poemas acima vão estar na 5ª edição do livro, a sair em 2021, nos 30 anos da obra. Ele é autor também de obras em prosa como “A goleada & outras contrapartidas” (JustiFiction! Edition, 2018). E-mail: azarfeg@yahoo.com.br




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