Quarenta anos sem Picasso


……………40 ANOS SEM PICASSO – MORTO EM ABRIL DE 1973

 

DOIS MOMENTOS (ou monumentos) DO CRIADOR DO CUBISMO

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1 – LES DEMOISELLES D’AVIGNON (100 anos)

Uma das transformações mais radicais na arte ocidental do século XX, tem como paradigma o quadro de Pablo Picasso LES DEMOISELLES D’AVIGNON, concluído em 1907. Era uma espécie de manifesto ou plano piloto do espaço multifacetado cubista. Braque se assustou quando viu o quadro, mas logo em seguida foi influenciado por essa pintura que havia lhe causado indignação. Juntos, Braque e Picasso realizaram obras relevantes e decisivas para deslanchar o mais importante movimento da história da Arte Moderna: o Cubismo. Com uma diferença, Braque se manteve à parte do que veio depois, encerra sua notável contribuição com o Cubismo. Picasso se manteve atento às turbulências, à instabilidade e à velocidade do século da máquina e se fez um símbolo da modernidade.

Os principais gestos renovadores da arte moderna saíram do cubismo, como as geografias construtivas de Mondrian e Malevitch, o Futurismo, o Dadá e o Surrealismo. A partir da lição de Cézanne, interpretar a natureza segundo o cilindro, o cone e a esfera, um novo problema foi formulado pelos cubistas. Rejeitar a representação do mundo (a mímêsis), decompor analiticamente o espaço renascentista, descentrar a percepção, demolir o claro/escuro, encerrar a ilusão de profundidade e afirmar o plano como verdade do espaço moderno. Era o fim de uma tradição da pintura ocidental que desde Giotto até Courbet, determinava como tarefa primeira do pintor, criar uma ilusão de espaço na superfície do plano.

LES DEMOISELLES D’AVIGNON foi a primeira invenção moderna que abriu caminho para transgredir convenções e tradições visuais naturalistas do ocidente. Picasso subverteu por completo as regras de representar a figura humana e os objetos, desconstruiu o corpo e a separação entre figura e fundo, a anatomia foi subordinada à geometria e a luminosidade sem compromissos com a natureza, totalmente livre. A figura humana, que era para Rafael, principal elemento da representação, passou a ser um objeto a mais na paisagem, sem expressividade. A arte deixou de ser cópia ou ilustração do que é entendido como real. O que importava era o espaço construído com um olhar inquieto que pretendia desnudar as aparências para expor suas estruturas internas.

Picasso se inspirou nas “Banhistas” de Cézanne. A pintura apresenta cinco figuras femininas submetidas a estilizações geométricas, corpos angulosos e desproporcionais, fragmentados, com mascaras africanas nos rostos para abolir de vez os últimos resíduos da representação renascentista. Uma pintura simultânea, com justaposição de perspectivas, uma solução encontrada por Picasso para mostrar os múltiplos pontos de vistas sobre uma mesma coisa, de frente e de costas ao mesmo tempo, que remete a certas preocupações científicas da época, o problema da representação quadridimensional, objeto de estudo do matemático francês Henri Poincaré, considerado um dos precursores da Relatividade.

Mudou a posição do espectador frente à tela, esta deixou de ser uma janela para o mundo e assumiu sua condição de superfície bidimensional, passou a ser uma realidade em si. Um investimento contra a perspectiva linear para devolver ao artista seu lugar no mundo, como desejava Cézanne, e não mais o espectador à distância da paisagem e das coisas. LES DEMOISELLES D’AVIGNON foi uma revolução na história do olhar do século XX, um dos marcos iniciadores da nova verdade da arte moderna, apreendida na ordenação geométrica e não mais na anatomia.
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2 – GUERNICA (70 anos)

Eu sempre acreditei e continuo acreditando, que o artista que vive e trabalha de acordo com valores espirituais não pode e não deve ficar indiferente aos conflitos onde os valores mais importantes da humanidade e da civilização estão em risco.” , Pablo Picasso

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GUERNICA (1937), um outro memento de Picasso, mostra um artista inquieto, consciente de sua posição de artista e cidadão, de olho nos acontecimentos políticos e a favor das transformações no campo da arte. Suas incursões no surrealismo, a maneira “metafórica” de tratar o tema nesta pintura, não deixaram de lado a planaridade cubista, é também o momento do artista tomar consciência da dificuldade para realizar um cubismo menos ortodoxo, mais relaxado. Estremecido e fracionado por golpes de uma história que está distante da tela.

Para o respeitado crítico americano Clement Greenberg: “Guernica é a última grande reviravolta decisiva na evolução da arte de Picasso”. Um retrato cubista em preto e branco de uma cena sombria, a pintura lembra uma batalha, construída dentro de uma ilusão mínima de profundidade, quase plana, com um simbolismo difícil de decifrar, particular, que mesmo diante de elementos conhecidos resiste à precisão de uma interpretação. Um olho luz, no alto, se destaca e atrai a atenção do espectador, talvez queira dizer que antes de mais nada, as obras de arte são destinadas ao pensamento do olhar, também pode ser o olho de Deus, vigilante e atento a tudo, ou um símbolo da tecnologia que faz a guerra. Um imaginário ponto de fuga. Ao fazer associações com as imagens dilaceradas, ou melhor, cubistas do quadro com o meio exterior, o espectador tira suas conclusões.

O motivo determinante do cubismo foi dessecar e analisar os objetos para fazer surgir no plano da tela a integridade esquemática da imagem. Na estilização ou nos destroços das imagens do quadro vemos ou imaginamos: rostos, cabeças e braços quebrados, um cavalo apavorado, um touro imóvel, uma casa em chamas, mãe e filho morto, uma espada quebrada e uma flor, angústias e gritos. Imagens sobrepostas e uma desordem geral. Um teatro do caos, a vida massacrada pela tecnologia. Esta foi a forma peculiar de revolta do artista e de retratar a cidade de Guernica após um bombardeio, sem esquecer que a política da arte se processa no interior de sua linguagem. Apesar do sentido político do tema, não é uma obra isolada, mantém uma coerência formal e um compromisso estético com a trajetória do artista e suas experiências racionais e emocionais.

As figuras explicitam muitas interpretações, falam de violência, catástrofe, da desgraça que é uma guerra, essa “obra prima” da civilização. Talvez uma chave para entender o quadro, esteja na resposta de Picasso, a um oficial nazista que lhes fez a pergunta diante da foto do quadro: “Foi você que fez isso?” Picasso respondeu: “Não, vocês o fizeram”. Os entrecruzamentos de linhas, o preto, o branco e cinza fazem desta manifestação pictórica um cenário de angústia e desespero, carregado de tristeza. Essa pintura, além mostrar a reação de Picasso ao bombardeio da antiga capital basca pelos aliados alemães de Franco, em abril de 1937, revela a sua vontade de transformar a linguagem da arte não esgotada com a invenção do cubismo.

 

 

 

 

 

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Almandrade é artista plástico, poeta e arquiteto de Salvador. Email: almandrade@ibestvip.com.br




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