#O tamanho do buraco
Esta é mais uma historinha da série “Meu Dias de Publicidade e Pizza”. Era janeiro de 2007, e meu amigo Donizete Galvão (1955-2014), também redator publicitário, havia me indicado para uma vaga de escriba na Abril Publicidade. Marquei uma entrevista com uma supervisora de Criação, e lá fui eu para a Marginal Pinheiros, com meu portfólio. Na recepção do prédio da Abril, a funcionária me informou que todo o pessoal da publicidade tinha ido embora — “evacuaram o prédio”.
Como assim, “evacuaram”, se o prédio não estava em chamas? E desde quando publicitários largam o serviço no meio da tarde? “Parece que teve um acidente na obra do metrô”, ela acrescentou. Voltei para casa e liguei a TV.
A reportagem me mostrou o tamanho do buraco: 30 metros de profundidade, 80 metros de diâmetro. Lá dentro, caminhões enormes pareciam brinquedinhos. Caramba, era preciso muita tecnologia e arrojo para produzir um desastre daquela dimensão. Como saldo, houve 7 mortos e mais de 70 famílias tiveram que deixar suas casas sinistradas. Mais tarde, eu saberia que as empreiteiras associadas no chamado Consórcio Via Amarela estavam tentando cavar um túnel sob o rio Pinheiros, quando teria sido tão mais simples (e mais barato?) lançar um viaduto sobre o rio e assentar os trilhos.
Voltemos à entrevista. Remarquei com a supervisora e retornei dias depois. Como a sala de reuniões estava ocupada, ela me receberia no meio de salão, numa mesinha estreita. Porém, antes disso, tive oportunidade de espiar pelas janelas e avistar a Cratera do Metrô. Fiquei embasbacado. Aquela imagem daria uma capa fantástica para a VEJA, só que a revista tinha ignorado o desastre. Naquela semana, a VEJA resolveu homenagear o melhor amigo do homem: deu a capa para O Cachorro, com a manchete — “Cão e homem, uma amizade de 15.000 anos”. Eu já tinha visto essa capa nas bancas, e estranhei a fragorosa ausência do Buraco. Não pude deixar de comentar essa omissão com a entrevistadora, e suspeito que ela não achou graça no meu humor inoportuno. O caso é que não fui chamado para a “vaga”, embora tivesse trabalhado na publicidade da Globo, poucos anos antes. Lembrei disso a propósito da não-cobertura da grande imprensa às manifestações de 29 de maio contra Bolsonaro.
Resolveram falar de “reaquecimento do PIB, cidades do interior que se reinventam”, e até como “um domingo de sol é perfeito para se fazer um divertido piquenique”. “O Globo” chegou ao requinte de registrar o avistamento de um arco-íris em São João do Meriti, RJ. Em meados de 2017, um publisher de revista técnica já tinha me alertado que os empresários estavam “alinhados com Bolsonaro”, e confiantes. Eu me pergunto se hoje os ditos barões da imprensa estarão ainda igualmente alinhados e confiantes, ou apenas esperando que o Mercado manifeste seus humores em face da mobilização da cidadania.
Eu vi e ouvi Cid Moreira escamotear a campanha das DIRETAS JÁ com uma frase: “Em São Paulo, milhares de pessoas comemoram o aniversário da cidade na Praça da Sé”. Mostrou rapidamente a multidão (sem faixas, sem cartazes, sem palanque), e miau, mas isso foi no século passado. Não estamos mais em 1985, e continuamos metidos nesse buraco.
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Luiz Roberto Guedes é poeta e escritor. Publicou, entre outros, os poemários Calendário lunático (2000), Erosfera (2017), e os contos de Miss Tattoo (2016) e Como ser ninguém na cidade grande (2018).
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