O gênio não-original
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Kenneth Goldsmith, um questionador das práticas literárias, é fundador do saite UbuWeb (www.ubuweb.com), conhecido como “o YouTube da vanguarda”. Eu não diria que é um grande escritor, e é bastante possível que, ganhando de presente um livro dele, nunca o lesse. A maldição da vanguarda é que geralmente seus postulados teóricos são fascinantes e arrojados, mas suas produções artísticas nos deixam entediados ou perplexos. Num artigo recente (http://bit.ly/npT8zj), Goldsmith argumenta que na época da cultura digital o conceito de originalidade artística está sendo substituído pelo de “reorientação” (“repurposing”) das idéias e dos textos. Mais do que produzir páginas originais, cabe ao escritor de hoje administrar um excesso de textos já existente, organizá-lo, distribuí-lo. Diz Goldsmith:
“Nos últimos cinco anos, vimos alguém copiar ‘On the Road’ de Jack Kerouac por inteiro, uma página por dia, num blog; a apropriação do texto de uma edição do New York Times, publicada sob a forma de um livro de 900 páginas; uma reorganização da lista de lojas num shopping, diagramada em forma de poema; um escritor empobrecido que pegou todos os seus extratos de cartão de crédito e os encadernou num volume impresso por demanda, com 800 páginas, tão caro que ele próprio não conseguiu comprá-lo; um poeta que reorganizou o texto de uma gramática do séc. 19, inclusive o índice, de acordo com seus próprios métodos; um advogado que apresenta como poemas os memorandos do seu trabalho, sem mudar uma palavra sequer; outra escritora que passa os dias na Biblioteca Britânica copiando o primeiro verso do ‘Inferno’ de Dante, em todas as traduções ali existentes, um depois do outro, até esgotar o acervo da biblioteca; outra equipe de escritores que se apropria de posts e status de redes sociais e os atribui a escritores falecidos (“Jonathan Swift conseguiu entradas para o jogo dos Wranglers hoje à noite”), criando uma obra poética épica, interminável, que se reescreve cada vez que alguém atualiza seu Facebook; e um movimento literário chamado Flarf que consiste em recolher os piores resultados de busca do Google, quanto mais ridículos e ofensivos melhor”.
Esses escritores são as formigas-operárias da literatura, cujo trabalho consiste em cortar folha e trazer folha, para produzir a pasta fermentada que alimenta o formigueiro. Não creio, como Goldsmith, que o gênio original deixou de existir, mas acredito que em torno do Escritor tradicional surgem reescritores, descritores, transcritores, meta-escritores… A Literatura está se movendo, e nós, suas pulgas, nos movemos com ela, crentes que ela obedece às nossas vontades.
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Bráulio Tavares é escritor e compositor. Estudou cinema na Escola Superior de Cinema da Universidade Católica de Minas Gerais, é Pesquisador de literatura fantástica, compilou a primeira bibliografia do gênero na literatura brasileira, o Fantastic, Fantasy and Science Fiction Literature Catalog (Fundação Biblioteca Nacional, Rio, 1992). Publicou A máquina voadora, em 1994 e A espinha dorsal da memória, em 1996, entre outros. Escreve artigos diários no Jornal da Paraíba: http://jornaldaparaiba.globo.com/ Blog: http://mundofantasmo.blogspot.com/ E-mail: btavares13@terra.com.br
8 fevereiro, 2012 as 10:23