Henry James em viagem


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Estilo não é um conjunto de idéias aprendidas nos livros, e sim a expressão espontânea do modo de ser e de pensar de um indivíduo.  E um estilo literário é uma combinação única entre as qualidades e as limitações de um escritor, e é tão definido pelo que ele não sabe fazer quanto pelo que ele faz muito bem. Henry James foi um dos grandes escritores da virada do século 19 para o 20, e em seus romances (como “Outra volta do parafuso”, “Washington Square”, “Pelos olhos de Maisie”, “Retrato de uma dama”) a atividade mental dos personagens (sinuosa, contraditória, imprevisível) é recriada com uma prosa elegante e cheia de nuances. A escritora Edith Wharton, que foi sua grande amiga, conta um episódio típico da personalidade de James. Os dois viajavam de automóvel pelo interior da Inglaterra. Perderam-se, e estavam tentando encontrar a direção de King’s Road, a estrada principal. Ao ver um camponês, pararam o carro no acostamento e James dirigiu-se ao homem.

“Meu bom homem, se pudesse ser gentil e aproximar-se um pouco… Bem, para resumir tudo em duas palavras, eu e esta senhora estamos vindo de Slough, ou, para ser mais exato, acabamos de atravessar Slough em nosso trajeto, pois estamos voltando de Windsor para Rye, que foi o local de onde partimos originalmente.  Visto que fomos surpreendidos pela escuridão, ficaríamos extremamente gratos se pudesse nos dizer agora onde nos encontramos em relação a, por exemplo, High Street, que, como o sr. certamente sabe, conduz ao Castelo quando viramos à esquerda após a estação ferroviária.”

O homem, que era bem idoso, fez uma cara de perplexidade e James continuou:

“Em resumo, o que quero lhe expor numa palavrinha é: supondo que já tenhamos (como tenho todos os motivos para supor) passado direto pela entrada à esquerda na estação ferroviária (a qual, neste caso, estaria situada agora não à nossa esquerda, mas à nossa direita), onde será que nos encontramos agora em relação a…”

Nesse ponto Ms. Wharton não aguentou mais e disse: “James, pergunte a ele onde fica King’s Road”. E ele:

“Ah! King’s Road? Isto mesmo. Muito bem. Será que poderia, meu bom homem, dizer-nos onde, em relação à nossa localização presente, fica King’s Road?”

O homem abriu a boca pela primeira vez e disse:

“É esta estrada aqui.”

Isto, amigos, é uma justaposição de estilos. Na grande maioria das vezes, estilo literário não é uma ideologia racionalmente estruturada, é a expressão verbal completa dos processos mentais de um indivíduo, cujo desenho total é personalizado, único, irrepetível e precioso.

 

 

 

 

 

 

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Braulio Tavares é escritor e compositor. Estudou cinema na Escola Superior de Cinema da Universidade Católica de Minas Gerais, é Pesquisador de literatura fantástica, compilou a primeira bibliografia do gênero na literatura brasileira, o Fantastic, Fantasy and Science Fiction Literature Catalog (Fundação Biblioteca Nacional, Rio, 1992). Publicou A máquina voadora, em 1994 e A espinha dorsal da memória, em 1996, entre outros. Escreve artigos diários no Jornal da Paraíba: http://jornaldaparaiba.globo.com/ Blog: http://mundofantasmo.blogspot.com/ E-mail: btavares13@terra.com.br




Comentários (3 comentários)

  1. chico lopes, O episódio é um pouco “jamesiano” demais pra que se acredite nele, e James despertou piadas, realmente, com sua maneira indireta de abordar as coisas. Mas era um grande escritor, e é só o que importa. Muita gente não gosta do que ele escreve por causa disso: estilo, alto estilo, e profundidade única em muitas abordagens. O melhor livro seu que li, até aqui, foi “Retrato de uma senhora”, que deveria ser tão lido quanto “Madame Bovary” para que se compreenda a alma feminina. Infelizmente, circula uma versão dele em filme, com Nicole Kidman, que não é boa. “Washington Square” ficou conhecido no Brasil como “A herdeira” e pinta uma mulher tímida, esmagada pelo pai, que é uma perfeição de personagem. No cinema foi vivida por Olivia de Havilland na produção “Tarde demais”, de William Wyler. E ninguém que queira entender o mundo da poesia e seus abutres pode deixar de ler “Os papéis de Aspern”. James é fundamental.
    24 agosto, 2012 as 12:34
  2. admin, Chico, grandes comentários. Por favor, escreva algo sobre o livro “Os papéis de Aspem” para a MUSA RARA. Edson
    24 agosto, 2012 as 14:46
  3. chico lopes, Édson: Escreverei sim, oportunamente. “Os papéis de Aspern” conta a história de um editor que, em Veneza, se instala numa velha casa onde mora uma tia centenária e sua sobrinha. A tia pode ter sido amante de um poeta importantíssimo para esse editor, Jeffrey Aspern, e, para chegar a papéis que ele espera encontrar em poder da idosa, ele age sem escrúpulos, tentando seduzir a sobrinha solteirona. As duas são reclusas radicais e ele viola a intimidade delas de maneira a mais descarada possível. James parece estar criticando a idolatria estética, que pode desfigurar um caráter humano, com sua abordagem. É sensacional.
    4 setembro, 2012 as 11:56

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