Dois sonetos lunáticos
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DE TRISTAN CORBIÈRE
Tradução: GIL PINHEIRO
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O SAPO
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Um canto na noite sem ar…
A lua branca a laminar
Sombras de verde em metal puro.
…Um canto, como um eco, vivo,
Enterrado no mato, esquivo…
Então, cala. – Vem ver, no escuro…
– Um sapo! Que horror! – Por que o horror,
Se estás com teu fiel soldado?
É só um poeta depenado…
Rouxinol do brejo, um cantor…
– Que horror! –Bobo esse medo teu.
Não vês nos olhos dele a chama?
– Não, está escondido na lama.
………………………….
– Boa noite, o sapo sou eu.
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LE CRAPAUD
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Un chant dans une nuit sans air…
– La lune plaque en métal clair
Les découpures du vert sombre.
… Un chant ; comme un écho, tout vif
Enterré, là, sous le massif…
– Ça se tait : Viens, c’est là, dans l’ombre…
– Un crapaud! – Pourquoi cette peur,
Près de moi, ton soldat fidèle!
Vois-le, poète tondu, sans aile,
Rossignol de la boue… – Horreur! –
… Il chante. – Horreur !! – Horreur pourquoi?
Vois-tu pas son œil de lumière…
Non : il s’en va, froid, sous sa pierre.
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Bonsoir – ce crapaud-là c’est moi.
HORAS
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Esmola ao vagabundo em caça!
Mau olhar contra olhar fatal!
Ferro com ferro, se é punhal.
– Minh’alma não está cheia de graça!–
Eu sou o louco de Pamplona,
Tenho pavor da fanfarrona
Lua, que ri na névoa… Horror!
E tudo é vela num apagador.
Escuto como uma matraca:
É a hora ruim, na noite opaca,
Que bate… e bate fúnebre… a chamar…
Já contei mais de catorze horas…
A hora é uma lágrima. Tu choras,
Coração…. Canta… Para de contar!
HEURES
Aumône au malandrin en chasse
Mauvais oeil à l’oeil assassin!
Fer contre fer au spadassin!
– Mon âme n’est pas en état de grâce! –
Je suis le fou de Pampelune,
J’ai peur du rire de la Lune,
Cafarde, avec son crêpe noir…
Horreur! tout est donc sous un éteignoir.
J’entends comme un bruit de crécelle…
C’est la male heure qui m’appelle.
Dans le creux des nuits tombe : un glas… deux glas
J’ai compté plus de quatorze heures…
L’heure est une larme – Tu pleures,
Mon coeur!… Chante encor, va – Ne compte pas.
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SOBRE TRISTAN CORBIÈRE
Em 2015, celebram-se exatos 170 anos do nascimento e 140 da morte de Tristan Corbière (1845-1875), poeta que Paul Verlaine chamou de “o mais audacioso e o maior” dos “malditos” que divulgou e que Ezra Pound classificou como o melhor de um período coabitado por campeões como Arthur Rimbaud e Jules Laforgue. Infelizmente, a saúde precária não permitiu a Corbière passar dos 30 anos, mas seu livro Les Amours Jaunes (“Os Amores Amarelos”), publicado postumamente, ainda hoje surpreende pela inovação. Sua poesia, ou antipoesia, como queiram, porque rompe com todos os preceitos de musicalidade e forma do seu tempo, estão bem ilustrados nos dois sonetos cuja traduçâo ofereço aqui. E se os chamo de lunáticos, não é só pela heterodoxia, mas pela presença, em ambos, de uma particularíssima lua.
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Gil Pinheiro é jornalista, professor de português e tradutor. Há quem o diga poeta, mas ele não faz questão do rótulo. Tem falado por tanta gente grande em português que se contentaria se, aqui ou ali, de vez em quando, fosse lembrado como um porta-voz interessante. Segue traduzindo as feras e promete para breve uma edição completa dos Canti, de Giacomo Leopardi. Que os numes o valham. E-mail: gppress@hotmail.com
29 maio, 2015 as 19:16
3 junho, 2015 as 1:40