Cubistas em Nova York
…………………..Os cubistas se encontram em Nova York
[The Man at the Café (1914)]
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No dia 20 de outubro, teve início, no Metropolitan Museum of Art (MET) de Nova York, uma exposição de obras cubistas dos anos 1906 a 1924. O visitante terá acesso a 81 obras de artistas como Pablo Picasso, Georges Braque, Juan Gris e Fernand Léger, doadas ao museu pelo colecionador de arte Leonard A. Lauder, herdeiro da indústria de cosméticos Estée Lauder.
Embora não faça parte da exposição, não poderia, a meu ver, falar de cubismo sem mencionar Les demoiselles d’Avignon, concebida por Pablo Picasso no final de 1906. Les demoiselles, ainda que não seja propriamente cubista, é considerada a pedra fundamental desse novo movimento artístico. Na época, o quadro recebeu críticas de artistas e historiadores de arte. O poeta Guillaume Apollinaire não entendia por que Picasso abandonava a pintura figurativa por um estilo hermético. Para Apollinaire, esse tipo de pintura acabaria com a carreira de seu amigo espanhol.
Les demoiselles bebeu de fontes diversas: Cézanne, principalmente, Gauguin, El Greco etc., numa colagem, que, “conduzida sob a bandeira do pastiche”, como afirma Rosalind Krauss, “imprimiu em sua própria superfície, por assim dizer, a marca da própria fraude. Aí está Picasso como falsificador, seu ato uma traição flagrante do projeto modernista.”
Outra grande influência de Picasso, ao criar essa e outras obras cubistas, foi a escultura africana, uma vez que o pintor estava descontente com as formas da pintura ocidental. Segundo John Golding, “contrastando com o artista ocidental, o escultor negro aborda o seu tema de um modo mais conceitual, as ideias sobre o seu tema são para ele mais importante do que a representação naturalista.” Desse modo, suas formas são mais estilizadas e abstratas.
O termo cubismo surgiu, no entanto, quando Georges Braque, amigo de Picasso e outro pilar desse novo movimento artístico, submeteu algumas de suas obras ao Salon d’Automne. Matisse, que fazia parte do comitê de seleção de obras para a exposição, teria dito que Braque enviara “uma pintura feita de cubinhos”. Cubismo, alerta Gompertz, é uma denominação imprópria, pois diz respeito à natureza bidimensional da tela, “ao passo que Braque e Picasso estavam agora olhando para um objeto de todos os ângulos concebíveis”, ambos fundiam várias perspectivas de uma figura ou objeto numa mesma imagem. Braque não aceitava a perspectiva tradicional, com um ponto de vista único; ele queria mostrar a multiplicidade de informações dos objetos pintados. Já Apollinaire dizia que “Picasso estuda um objeto da maneira que um cirurgião disseca um cadáver”.
Em 1912, Picasso e Braque incorporam tiras de papel e outros fragmentos de materiais diversos às suas obras, que, no MET, podem ser vistos em quadros como Head of a Man (1912) e The Man at the Café (1914). As colagens davam às obras diferentes texturas. Sobre suas colagens, Picasso afirmou, certa vez, que “se um pedaço de jornal pode converter-se numa garrafa, isso também nos dá algo para pensar a respeito de jornais e garrafas”. Quanto ao uso do jornal na obra cubista, Rosalind Krauss lembra que ele tinha uma função política, social (questões exploradas por Picasso nas citações de jornais que escolhia para compor sus colagens) e estética: “o jornal […] é distração sistematizada, política e moda, esportes e publicidade, confinando uns com os outros num caleidoscópio de assuntos, sendo cada um deles um segmento aparentemente independente”. O cubismo parece ter se interessado também por esse caleidoscópio de temas aparentemente independentes.
A colagem, cujo meio era fortemente antinaturalista, solucionava o desejo dos cubistas em representar seus temas de modo distanciado, sem envolvimento emocional, e ajudava a ilustrar o que os cubistas chamavam de “quadro-objeto”, ou seja, a “pintura como objeto ou entidade construída e dotada de vida própria, não refletindo o mundo externo, mas recriando-o de modo distinto e independente”, como afirma John Golding.
Por volta de 1910, um grupo de artistas experimentais — Fernand Léger, Albert Gleizes, Jean Metzinger e Juan Gris, que moravam em Paris e que haviam compreendido a concepção cubista – começou a trabalhar na mesma linha artística criada por Picasso e Braque. Esses artistas lançaram publicamente o movimento no Salão dos Independentes, em 1911, em Paris. A mostra não incluía as obras dos fundadores do cubismo, que não quiseram participar da exposição.
Na exposição do MET, que vai até o dia 16 de fevereiro, grande parte desses artistas finalmente se encontra e o visitante, além de quadros, poderá ver algumas poucas esculturas de Picasso, como The Absinthe Glass (1914).
Antes ou depois da visita, não deixem de passar no MoMa e ver Les demoiselles d’Avignon, onde tudo começou.
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Dirce Waltrick do Amarante é autora de Pequena Biblioteca para crianças: um guia de leitura para pais e professores (Iluminuras). E-mail: dwa@matrix.com.br

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