Aonde vamos?


 

Título de antiga Revista Judaica publicada há muitas décadas atrás em São Paulo. Talvez minha primeira memória pessoal de uma publicação, quando ainda aprendia a ler. E um nome que sempre volta a minha mente quando experimento momentos em que o futuro é uma grande incógnita. Curioso, apenas o nome da Revista ficou, mas seu profundo sentido acompanha-me por toda a vida, há mais de cinco décadas. Quantas não foram as oportunidades na vida pessoal ou coletiva que trouxeram a memória este título, Aonde Vamos?

E com certeza o momento atual mais que tudo exige esta reflexão. Afinal a energia das manifestações que balançaram o Brasil nestas inesquecíveis semanas de junho, teve tamanha força que trouxe a todos profundas indagações, após o choque de indignação.  Quem poderia prever esta explosão da expressão de protesto de milhares de brasileiros ocupando as ruas de Norte a Sul? E aquilo que acontece sem previsão sempre carrega profunda dificuldade para antever o que virá. O imprevisível carrega novas estruturas que exigem novos conceitos para compreensão. Aquilo que não foi previsto não obedece os parâmetros de percepção do presente. É quando a inovação acontece.

Uma coisa nós sabemos: os acontecimentos que levaram multidões às ruas está relacionado com as novas formas de comunicação que começamos a pouco praticar. Não se pode falar das manifestações sem se referir às redes sociais. Através da internet as ações foram convocadas, acompanhadas e  comentadas.  As redes tornaram as pessoas e os acontecimentos mais próximos de todos. Estar postando nas redes vai tornando-se hábito constante no cotidiano das pessoas. Nada escapa à nova mídia: aniversários, nascimentos, falecimentos, eventos os mais variados possíveis, culinária (o pão nosso de cada dia), jogos de futebol (Galvão Bueno sentiu na pele na última Copa, quando a Fúria do Pássaro Twitter ganhou  a capa da Veja pela primeira vez), e até novelas… o cotidiano abraçou a nova mídia. Minha vida não é só mais uma vida só minha. Ela é compartilhada por milhares pelas redes, cotidianamente. Eventos cruciais como desastres (naturais ou não), revoluções contra ditaduras, são também compartilhados por milhares de pessoas on line, ao vivo e a cores. Este é um ponto que nos ajuda a entender a força do que ocorre no país. De repente o tecido que entrelaça as pessoas nas redes amadureceu, ganhou consistência. Lemos jornais, artigos, mas também recebemos as informações do que ocorre diretamente por milhares de pessoas com quem compartilharmos nas redes.

Ao caminhar de minha casa para a Faria Lima por onde passava a Manifestação relembrei as passeatas dos 60, quando era muito pequeno mas percebia o que acontecia, as do 70 já no movimento estudantil, ativo na luta contra a ditadura pelas liberdades democráticas, as do 80 pelas diretas e finalmente as 90 pela queda do Collor… muitas imagens acompanhavam a emoção em dirigir-me outra vez para as ruas de Sampa para uma passeata… parei num boteco de esquina e vi que todos, trabalhadores da construção civil estavam com os olhos na TV acompanhando os eventos. Um moreno mais desinibido olhou para mim e perguntou: “e aí doutor, quem lidera isso?” Fiquei sem graça para responder que não sabia ao certo, mas rapidamente arrisquei: “você tem FaceBook?”, “claro” respondeu o rapaz. “Pois então, quem lidera é o FaceBook”. “Ah, entendi!” encerrou a conversa satisfeito, e eu segui para a Manifestação. Mas claro, quem é o FaceBook? Não é obviamente um líder no sentido tradicional, um indivíduo. As redes sociais são milhares de indivíduos com existências compartilhadas. As manifestações foram a expressão nas ruas de uma corrente de pessoas que foram se conhecendo e se ligando nas redes.

No ônibus de volta do jogo “Espanha X Nigéria”, em Fortaleza, nosso coletivo deixou o futebol de lado e tornou-se espaço para manifestação com as palavras de ordem que estão rolando pelo Brasil com direito ao hino nacional ser entoado inteirinho três vezes! Claro todos registrando e postando nas redes. Quando eu poderia imaginar que um dia, num ônibus de volta de estádio eu seria transportado para um espaço/momento de manifestação? A sociedade em rede, a vida compartilhada chegou! Muita forma nova de viver começa a acontecer. Agora vamos refletir uma vez mais: Aonde Vamos? Uma discussão com todos, para todos!

 

 

 

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José Luiz Goldfarb é graduado em Física pela Universidade de São Paulo com mestrado em Filosofia e História da Ciência – McGill University, Canadá. Curador do prêmio jabuti da Câmara Brasileira do Livro, diretor de cultura judaica e diretor geral de cultura da Associação Brasileira ‘A Hebraica’, conselheiro da Biblioteca Haroldo de Campos ‘Casa das Rosas – Secretaria de Estado da Cultura’. Com vasta experiência na área de História, com ênfase em História das Ciências. Atualmente é professor contratado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, coordenador do Programa de incentivo à leitura São Paulo. E-mail: jlgoldfarb@dialdata.com.br Twitter: @jlgoldfarb @puc_sp FaceBook Jose Luiz Goldfarb




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