Alentejo é nome de mundo
Tenho seguido com algum interesse, alguma curiosidade e certa nostalgia as notícias e demais parafernália que vai rodeando o tentame, absolutamente correcto e bastante justificado, de conseguir que o “cante alentejano” seja considerado património cultural da humanidade.
Creio que o é já, independentemente de as entidades oficiais darem de maneira formal o seu assentimento. Tal como o flamenco, maravilha musical maior de “nuestros hermanos”, o cante alentejano é indubitavelmente uma das fórmulas vocais e poéticas mais belas que a imaginação, caldeada por anos de adequação intrínseca, deu à voz humana organizada num jeito peculiar.
Gostaria de pensar, de concluir e finalmente certificar que este movimento não está nem estará orientado – e muito menos capturado – por intenções de sectores que, por radical conceptualidade que pelos anos lhe tem sido própria, usam tentar colonizar todas as coisa que pareçam, ou se lhes antolhem, fazer aumentar a sua influência na manobra política e social.
O que no Alentejo, pelo tempo fora, tem sido por vezes demasiado usual…
PScriptum – O poema que vem a seguir foi escrito nos idos de 72 e publicado por Mário Cesariny num dos boletins do Bureau Surrealista em 1978. Tinha sido cortado pela Censura quando busquei dá-lo a lume no “Distrito de Portalegre”, então dirigido por José Heitor Patrão, algumas semanas após a sua efectivação.
A obra que ilumina este bloco, “Grande Interior Alentejano” – cartão para painel de azulejo (210 cm X 200 cm) faz parte da colecção do engº Vítor Lemos Julião e foi elaborado por Trepal Ldª.
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POEMA ALENTEJANO
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Nascer no Alentejo é engraçado
– com a morte debaixo e a fome ao lado.
Planta-se uma couve regada de urina
– colhe-se um maneta com viola e menina
É-se jovem e airoso como um deus antigo
– com sorriso rasgado da garganta ao umbigo
Esvoaça na rua da aldeia velha
A canção do pirata de brinco na orelha
(História contada no caminho
dos que estão
com a raiva ou o carinho
dos que vão.
História terrível
do Bem e do Mal
alentejanamente
convencional)
E o sol ao tombar doura as arcas de ouro
fugindo das trevas, vagalume mouro.
E o suão é suor de romance barato
– p’ra ter bem depressa toucinho no prato.
Saudades saudades saudades irmão
– natureza morta com cego e bordão.
Ai terra do Alentejo
corda de guitarra cigana
flor de lua ao entardecer
caranguejo de face humana
no dia negro a morrer.
(E o pastor que guardava o gado
jaz dolorido e enforcado)
Tudo está errado e tudo está certo
a oliveira ao longe e o borrego ao perto.
E balança a estrela da madre pendente
o silêncio da infância e a voz do poente.
Saudade saudade saudade perdida
na morte na morte na morte
da vida.
in “Poemas perdidos”
ns

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