Augusto de Campos
No último dia 9, em Brasília, o poeta Augusto de Campos foi o principal homenageado da cerimônia de entrega da Ordem do Mérito Cultural, do Ministério da Cultura, a pessoas e entidades que se destacaram nas artes e no ativismo cultural em nosso país. Algumas semanas, antes ele já havia recebido no Chile o Prêmio Pablo Neruda, que pela primeira vez foi concedido a um escritor brasileiro. A cerimônia no Palácio do Planalto teve também uma presença de destaque de dois discípulos de Augusto: Caetano Veloso, que ao longo da cerimônia cantou algumas canções (“Tropicália”, “Alegria Alegria”, “Um Índio”, “Língua”, “Elegia”) e Arnaldo Antunes, também agraciado. O filho de Augusto, Cid Campos, também cantou algumas de suas parcerias com o pai.
A influência da poesia concreta (a poesia de Augusto e Haroldo de Campo e de Décio Pignatari) na música popular brasileira tem sido visível nesses artistas e em outros (Tom Zé, Walter Franco, José Miguel Wisnik, etc.). O primeiro livro de Augusto de Campos que li foi Balanço da Bossa, o qual me abriu os olhos para inúmeras questões relativas à composição popular, ao poema, à letra de música e ao Tropicalismo, que veio recolocar muitas dessas questões de uma maneira nova e que de início eu não fui capaz de compreender.
O trabalho de Augusto de Campos como tradutor de poesia é exemplar, mesmo quando discordamos de escolhas específicas para este ou aquele verso. Não somente os poemas em si, mas as discussões e teorizações que os acompanham. Traduzir é tentar entender num raio de 360 graus algo que está apontando numa direção só. Todo verso, por mais burilado que seja, é o colapsar de dezenas de versões superpostas dele mesmo. Feliz do tradutor que percebe essa nuvem de probabilidades verbais e encontra um equivalente em sua própria língua.
Ao agradecer o prêmio em seu discurso, Augusto fez a mais imprevisível (para mim) das citações. Falou: “Disse o escritor Rex Stout, através de um personagem famoso, o anti-Sherlock Holmes de um dos seus romances policiais, uma frase singular: Só os pessimistas têm surpresas agradáveis”. Ele se refere ao detetive Nero Wolfe, criado por Stout: um detetive obeso, gastrônomo, que cria orquídeas em seu apartamento em Nova York. A literatura é vasta e variada como um ecossistema. Pensando bem, traduzir poemas é como criar orquídeas, é como decifrar crimes, é como saborear iguarias. Que um poeta e erudito de primeira linha seja capaz de citar num discurso um dos grandes autores do romance policial é um testemunho das muitas surpresas agradáveis que a vida reserva até aos que não são pessimistas.
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Braulio Tavares é escritor e compositor. Estudou cinema na Escola Superior de Cinema da Universidade Católica de Minas Gerais, é Pesquisador de literatura fantástica, compilou a primeira bibliografia do gênero na literatura brasileira, o Fantastic, Fantasy and Science Fiction Literature Catalog (Fundação Biblioteca Nacional, Rio, 1992). Publicou A máquina voadora, em 1994 e A espinha dorsal da memória, em 1996, entre outros. Escreve artigos diários no Jornal da Paraíba: http://jornaldaparaiba.globo.com/ Blog: http://mundofantasmo.blogspot.com/ E-mail:btavares13@terra.com.br
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