Marcelo Ariel à queima-roupa
………………….SETE PERGUNTAS PARA MARCELO ARIEL
1.) Ana Peluso: Para você, como poeta do limite, seria lícito dizer que existe um espaço não ontológico onde a poesia acontece, ou seria mais pontual dizer “existe um espaço não ontológico onde a poesia pode vir a ser”? Em resumo, a poesia pertence ao poeta ou é entidade corporificada por ele?
Marcelo Ariel: Talvez não seja possível conceber um espaço não-ontológico porque é extremamente difícil conceber um tempo não-ontológico, mesmo que este se manifeste através da abstração funcional chamada tempo cronológico, aliás, diga-se, o tempo cronológico é uma das maiores auto-sabotagens da história da humanidade, também considero que a poesia, como o amor nada tem a ver com esta doença chamada pertencimento, porque existe a possibilidade da fusão absoluta e misteriosa entre o poeta e o poema, é algo que ocorre com crianças, loucos , índios, com gente que jamais escreverá um livro, mas vive de muitos modos os poema, através destas alteridades podemos acessar a diferença entre o pertencimento e o não-pertencimento, o estado de acessibilidade ao poema parece ser um estado ontológico , viver a vida como um poema é imprescindível e acessível, não é privilégio de uma classe especial, é acessível principalmente aos que sabem rir de si mesmos, Os poemas são parte das obras do amor, citadas por Søren Aabye Kierkegaard e os risos loucos dos moradores de rua e das crianças também podem ser vistos do mesmo modo, uma das funções mais nobres da arte é a de curar , principalmente de nos curar da ilusão de um eu, esta ontologia da corporificação do poema é um processo que nos leva a consciência de que não somos um eu, não somos um buraco negro, somos a matéria escura vivida como metáfora ou o que pode ser como um imenso lago onde cada planeta ou ente cósmico flutua e se move como pétalas de uma flor ou como peixes luminosos, somos estas flores estelares e estes peixes que emitem luz nadando na matéria escura que é também o Elohins , que é também uma camada finita do infinito que respira e se move dentro das hexadimensões, estamos no infinito, sentindo o infinito de modo finito e precisamos sentir o infinito como infinito, tudo sempre esteve conectado a tudo,milhões de anos antes da internet colocar esta possibilidade como metáfora , porque só existe uma Alma que é uma rede de bilhões de fios invisíveis costurando o visível, bordando o visível , a relação do poeta com o poema seria então como a do invisível com o visível , como a do finito com o infinito. Também não acho possível conceber o poema como um devir, o poeta talvez seja um devir do aberto, como pensava Rilke, neste Aberto se manifesta o Sol da vida, Dioniso dança com Shiva, Exu gargalha para o céu cristão.
2.) Ana Peluso: Então podemos dizer que um poeta não nasceu, e não nascerá apesar de sua poesia? Se assim for, sua vida “corre” onde? Nos veios paralelos dos homens constituídos, por apreciação, ainda que crítica? Em outras palavras: poetas vivem pelos olhos dos outros?
Marcelo Ariel: Prefiro falar do poema ao invés de continuar falando do poeta, o poema nasce, nasceu e o poeta é um de seus condutores sempre atravessando esta ponte que cruza o rio do silêncio genesíaco, como separar ente e mundo, natureza e sobrenatureza ? Esta pergunta deveria ser feita para pastores do ser como Edmond Jabés e Juliano Garcia Pessanha, Jabés está morto? Possivelmente a vida falada dele se encerrou em algum outro ovo, mas ele ainda assim responde bem a esta pergunta, melhor do que este Marcelo Ariel, Juliano também responde bem a esta questão do silêncio genesíaco revirado ao avesso em seu texto ‘ heterotanatografia’.
3.) “Viver a vida como um poema”, fale sobre isso.
Marcelo Ariel: Esta é minha tradução livre do conceito que é evocado com frequência pelos poemas de Herberto Helder do ‘ Poema Contínuo’ , de qualquer modo a morte não apaga o fogo, me lembro também de uma epígrafe de Adorno no Minima Moralia que diz que A vida não vive. É mas difícil viver o Poema, não necessário ter escrito um poema para isso, sair da frente do poema, da frente do espelho e de sua medusa é essencial, vejo que a antipoesia prevalece dentro de muitos totalitarismos afetivos e etc., como não existe nenhuma essência onírica no acaso, o acaso não se sonha, logo, a meu ver , o poema que não é fruto do acaso é o poema que se vive mas não absolutamente , porque a vida ao contrário da epígrafe usada por Adorno, vive, é a vida quem vive, nós não vivemos e o que me parece mais urgente ser dito, se nos falta uma tridimensionalidade, uma artisticidade do ser, aí a vida se torna a impossibilidade do poema.
4.) Você vê o poeta como um corpo sem órgãos? E a poesia?
Marcelo Ariel: Não , as duas coisas começam no corpo , para o corpo e pelo corpo, mas pode ser que alguns poetas não tenham um corpo e ‘ sair da frente do poema ‘seja justamente o empoderamento de um corpo no mundo, os antigos astrólogos da Pérsia localizavam o zodíaco no corpo, cada planeta correspondia a um órgão, neste sentido de um corpo planetário, celeste.
5.) Você conduz ou é conduzido?
Marcelo Ariel: Sou um Daimon, se você ler a tradição hermética, principalmente ‘ A ciência dos magos ‘ de Giuliano Kremmerz, perceberá que ele dedica um capítulo inteiro para ‘A evocação de Ariel’, posso dizer que sou conduzido por um Daimon chamado Ariel, é uma tridimensionalidade do ser. Mas qualquer um pode ser um Daimon e viver a tridimensionalidade do ser. Estou escrevendo uma série de poemas para um livro que irá se chamar ‘Com o Daimon no Contrafluxo’ onde falo sobre este processo. O contrafluxo é a vida bidimensional, dicotômica e o contraponto é a vida hierofânica, daimônica, Os poetas-pensadores do grupo Tempestade e Ímpeto criaram um conceito de vida eudemônica onde o centro seria o êxtase da alegria de viver e não o sofrimento cristão, o mundo do trabalho, do ‘se não trabalha, não come’ precisa ser destruído para que o Paradiso se manifeste como Mundo outra vez, o Paradiso é o jardim que está enterrado debaixo do asfalto as cidades, que serão mais cedo ou mais tarde abandonadas como projeto de uma vida bidimensional.
6.) Quem te anima? Quem é o interlocutor, artista, vizinho, que torna teu dia mais luminoso?
Marcelo Ariel: Uma árvore, um pássaro, uma nuvem, se não me engano, Píndaro disse perto da morte ‘me lembro de ter sido, uma árvore, uma pedra, um pássaro’.
7.) Se você não escrevesse, o que faria?
Marcelo Ariel: Em uma das 115 dimensões, não escrevo e sou um pintor, em outra me matei com 17 anos e era um traficante de cocaína, em outra morri no massacre do Carandiru, em outra sou mulher, em outra sou um dente de leão, em outra uma bala perdida, em outra um índio velho sentado debaixo de uma arvore no Xingu, um preto-velho fumando seu cachimbo num quilombo, todas estas dimensões-vidas ecoam nesta do mesmo modo que o céu azul é um eco do Sol.
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Ana Peluso, 1966, escritora, poeta, web designer, lançou 70 Poemas, que integra a Coleção Patuscada da Editora Patuá, premiada com o ProAC – Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Participou também da antologia deZamores pela Editora Escrituras, em 2003, resultado do encontro de alunos de diferentes oficinas literárias virtuais do SESC SP, sob orientação do escritor João Silvério Trevisan. Também participou de diversas antologias do grupo Anjos de Prata, Poetrix, e, recentemente do TOC140. Em 2007 participou da antologia de minicontos MOSCAS, em homenagem ao escritor guatemalteco Augusto Monterroso, com publicação da Edições Dulcinéia Catadora, resultado da oficina literária do escritor Marcelino Freire no centro cultural b_arco. Também participa da antologia É que os Hussardos chegam hoje também pela Editora Patuá, 2014, e de Hiperconexões : Realidades Expandidas, primeira antologia poética sobre o pós-humano, com organização do escritor Luiz Bras, pela Editora Terracota, 2014. Possui publicações nas revistas Coyote e Ciência e Cultura (UNICAMP), e no extinto jornal O Pasquim. Também possui publicações em revistas eletrônicas, tais como Germina Literatura, Releituras, Cronópios, Musa Rara, Lazanha, Diversos Afins, Fora de Mim etc. Blogue: http://anapeluso.tumblr.com
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