O movimento das multidões
A ciência é um ramo da poesia. Absurdo? Não. A ciência é um ramo da poesia que se baseia na matemática. Estou dizendo isto e vou provar (cientificamente): vejam Arquimedes na banheira, vejam Newton e aquela maçã. Acrescento: certas observações científicas iniciais são tão vagas quanto qualquer ideia inicial de um poema.
Poesia e ciência nascem do caos.
Estou sendo claro?
Continuo.
Os cientistas que criaram a “teoria do caos” começaram contemplando nuvens, como os poetas nefelibadas (que falavam de nuvens) no final séc.19.
Os poetas barrocos contemplavam as jorros dágua saindo continuamente das fontes; já os cientistas da teoria do caos, mais modestos, contemplavam a frequência da queda de uma gota d’água da torneira.
Para onde estou indo, se me proponho a falar das multidões?
Vocês já observaram um bando de gansos, de andorinhas, de patos selvagens em formação de V migrando para alguma parte?
Vocês já repararam nos cardumes de peixes fazendo aquelas formações elípticas, rápidas, lindissimas?
Multidões de seres se movendo.
Se você ficar olhando muito o céu e o mar, vão lhe chamar de poeta. Mas os cientistas não fazem outra coisa. O Carl Sagan vivia olhando estrelas.
Agora, olhem uma multidão. Eu sempre olhei as multidões. Os historiadores e os poetas sempre olharam as multidões. No entanto, três cientistas sociais nos anos 50 (Riesman, Glazer e Denney) escreveram um livro clássico – “A multidão solitária”. E dizem que é do místico Thomas Merton a frase: “Nenhum homem é uma ilha”. Só o que muitos não sabem é que os físicos também examinam atentamente o movimento das multidões, como se fossem aves migratórias ou cardumes humanos. Dois fisicos – Hessrs Helbing e Peter Molnard – fascinados com os movimentos das multidões tentam criar modelos (“social forces”) no computador para entender para onde elas estão indo.
Para onde estão indo as multidões?
Pasmem! Lembram da indagação de Saint Exupery no “Pequeno Príncipe? Olhando, do planeta terra, as multidões se deslocando para o trabalho, como manadas indo daqui para ali, ele se indagava: mas para onde está indo toda essa gente?
Marx achava que sabia para onde as multidões estavam indo.
Alguns achavam (cinematograficamente) que a classe operária iria para o “paraíso”.
Leio que cientistas constatam que indianos e alemães caminham diferentemente no meio das multidões e até organizam as multidões diferentemente. Os cientistas querem construir modelos que aproximem os humanos e as partículas elementares. E para isto estudam até o “haj” – aquela formidável peregrinação em Meca, lá na Arábia Saudita. Entender o movimento sacrificial daquela turba é entender parte da partícula chamada ser humano.
Outro dia vi um documentário sobre formigas: como é que elas descobrem seu caminho? Como evitam trombar com as outras? Que cheiro deixam em sua trilha para não se perderem e guiar as outras?
Não era um filme sobre formigas. Era um documentário sobre a construção de robôs. Descobriram que o melhor modelo para um nanorobô é o modelo do formigueiro: a mobilidade de cada uma na flexibilidade do conjunto.
Da próxima vez em que você ficar frente a frente com alguém na rua, sem saber quem deve ir para a esquerda ou para a direita, quando isto acontecer, saiba, você está vivendo um dilema que interessa aos cientistas.
E à poesia, naturalmente, porque como diria Vinícius,“a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro”.
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Affonso Romano de Sant’Anna: Um dia dizendo seus poemas no Festival Internacional de Poesia Pela Paz, na Coréia (2005), ou fazendo uma série de leituras de poemas no Chile, por ocasião do centenário de Neruda ( 2004), ou na Irlanda, no Festival Gerald Hopkins(1996), ou na Casa de Bertold Brecht, em Berlim(1994), outro dia no Encontro de Poetas de Língua Latina(1987), no México, ou presente num encontro de escritores latino-americanos em Israel(1986), ou participando o International Writing Program, em Iowa(1968), Affonso Romano de Sant’Anna tem reunido através de sua vida e obra, a ação à palavra . Nos anos 90 foi escolhido pela revista “Imprensa” um dos dez jornalistas que mais influenciam a opinião pública. Em 1973 organizou na PUC/RJ a EXPOESIA, que congregou 600 poetas desafiando a ditadura e abrindo espaço para a poesia marginal; foi assim quando em 1963, no início de sua vida literária, tornou-se um dos organizadores da Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, em Belo Horizonte. Com esse mesmo espírito de aglutinar e promover seus pares criou, em1991, a revista “Poesia Sempre” que divulgou nossa poesia no exterior e foi lançada tanto na Dinamarca, quanto em Paris, tanto em São Francisco quanto New York, incluindo também as principais capitais latino-americanas. Atento à inserção da poesia no cotidiano, produz poemas para rádio, televisão e jornais. Tendo vários poemas musicados (Fagner, Martinho da Vila), foi por essa e outras razões convidado a desfilar na Comissão de Frente da Mangueira na homenagem a Carlos Drummond de Andrade, em 1987. Apresentou-se falando seus poemas, em concerto, ao lado do violonista Turíbio Santos. Tem também quatro CDs de poemas: um gravado por Tônia Carrero, outro comparticipação especial de Paulo Autran, outro na sua voz editado pelo Instituto Moreira Salles e o mais recente outro pela Luzdacidade, com a participação de atrizes e escritoras. Seu CD de crônicas, tem participação especial de Paulo Autran. Escreveu dezenas de livros de ensaios e crônicas. Como cronista, aliás, substituiu Carlos Drummond de Andrade no “Jornal do Brasil” (1984). E-mail: santanna@novanet.com.br
24 fevereiro, 2012 as 21:24
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