Mary Szybist: quase realidade
A poesia de Mary Szybist pertence a algum mundo paralelo, uma espécie de realidade alternativa, que toca em tudo a nossa realidade. Suas cores não são bem as nossas cores, mas existe uma ponte, um mistério aglutinando o encaixe das palavras, que expande os sentidos, tanto sensoriais como semânticos, interceptando-os num mundo reconhecível, mas absolutamente novo. Então um azul passa a ser uma outra coisa que é ainda mais azul. É como se cada frase poética trouxesse alguma coisa torcida por dentro, um elo mais profundo e significativo com os objetos ordinários. Mary Szybist transforma o ordinário (e o extraordinário) em poesia verdadeira e completamente tangível, uma poesia que nos fala de frente, hoje, aqui.
O poema abaixo, que traduzi de seu livro mais recente, Incarnadine, é uma peça que representa a leveza radiante e direta da poesia de Mary Szybist, uma das novas vozes da poesia americana. Incarnadine foi o vencedor do National Book Award em 2013, e seu livro anterior, Granted (2003), foi finalista do National Book Critics Circle Award, entre outros prêmios importantes. Dez anos separam os dois livros, sem pressa. Mary Szybist vive em Portland, Oregon, onde é professora no departamento de Inglês do Lewis & Clark College, e no programa de criação literária do Warren Wilson College.
Conversa das Meninas Montando um Quebra-Cabeça
Mary Szybist
Tem certeza de que esse azul é o
mesmo azul? Esse muro é como um
fundo de piscina, sua
cor, quero dizer. Preciso de
um biquíni mais escuro neste verão, do tipo
com elástico na cintura, um que sirva
direito. Não consigo
achar as mãos dela. Onde vai esse
dourado? É como se o anjo desse
um pedacinho de favo de mel para ela comer.
Não sei por que Deus simplesmente
não desce aqui e
a beija ele mesmo. Este é o vermelho daquele
batom que vimos no
shopping. Este pedaço do
pescoço dela se encaixaria na parte clara
do céu. Acho que isto
é um pedaço de água. Que tipo
de rainha? Onde,
aqui? E é para acreditarmos
que ela de repente
fala anjo? Quem inventou
isso? Eu queria ter um
biquíni de veludo. Aquela flor é da cor das
veias nas mãos da minha avó. Eu
queria poder
andar naquele jardim e pegar um
raio-X para flutuar em cima.
É. Eu também. Eu diria
mil vezes sim para qualquer um.
Girls Overheard While Assembling a Puzzle
Mary Szybist
Are you sure this blue is the same as the
blue over there? This wall’s like the
bottom of a pool, its
color I mean. I need a
darker two-piece this summer, the kind with
elastic at the waist so it actually
fits. I can’t
find her hands. Where does this gold
go? It’s like the angel’s giving
her a little piece of honeycomb to eat.
I don’t see why God doesn’t
just come down and
kiss her himself. This is the red of that
lipstick we saw at the
mall. This piece of her
neck could fit into the light part
of the sky. I think this is a
piece of water. What kind of
queen? You mean
right here? And are we supposed to believe
she can suddenly
talk angel? Who thought this stuff
up? I wish I had a
velvet bikini. That flower’s the color of the
veins in my grandmother’s hands. I
wish we could
walk into that garden and pick an
X-ray to float on.
Yeah. I do too. I’d say a
zillion yeses to anyone for that.
Original em inglês “Girls Overheard While Assembling a Puzzle,” do livro Incarnadine. Copyright © 2013 por Mary Szybist. Reimpresso com permissão da Graywolf Press, Minneapolis, Minnesota, Estados Unidos. www.graywolfpress.org.
“Girls Overheard While Assembling a Puzzle,” from Incarnadine. Copyright © 2013 by Mary Szybist. Reprinted with the permission of Graywolf Press, Minneapolis, Minnesota, U.S.A. www.graywolfpress.org.
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Confira entrevista com Mary Szybist, aqui.
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Flávia Rocha nasceu em São Paulo em 1974. Jornalista, trabalhou nas redações das revistasBravo!, República e Carta Capital, e Casa Vogue, entre outras publicações. É autora dos livros de poemas A Casa Azul ao Meio-dia (Travessa dos Editores, 2005) e Quartos Habitáveis (Confraria do Vento, 2011). Tem mestrado em Criação Literária pela Columbia University e é uma das editoras da revista literária americana Rattapallax. Editou antologias de poesia brasileira para as revistas Rattapallax (EUA), Poetry Wales (País de Gales) e Papertiger (Austrália). Fundou, com Steven Richter, a Academia Internacional de Cinema, onde desenvolveu o curso de Criação Literária coordenado pela escritora Veronica Stigger. E-mail: flavia@aicinema.com.br
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