A nobreza da consciência


…………………..Portrait of James Ragan by Danuta Rothschild
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James Ragan fez minha irmã chorar de emoção numa leitura na The Mercantile Library em Nova York em maio de 2008. Eu tive o prazer de ler com ele naquele dia, em meu sotaque, uma tradução de uma versão inacabada (que ainda iria passar por muitas camadas de revisões antes de ser publicada em livro, do poema “Quartos Habitáveis”).  Nessa época, eu já estava de volta ao Brasil, mas minha irmã ainda morava em Nova York, e foi à leitura. O lirismo vívido de James Ragan a pegou totalmente desprevenida, tocando uma sensibilidade já emocionada pelo nosso reencontro.

Depois saímos todos para jantar e ouvir as histórias cativantes de James Ragan, sua vida em Hollywood (por 25 anos ele foi o diretor do departamento de Writing da University of Southern California, além de roteirista e script doctor), suas viagens internacionais como embaixador da poesia. Ele já leu nas Nações Unidas,  e para cinco chefes de estado, incluindo Mikhail Gorbachev e Vaclav Havel. Em 1985, recitou poemas ao lado de Seamus Heaney, Robert Bly e Bob Dylan no Primeiro Festival Internacional de Poesia em Moscou, para um estádio lotado, ávido por vivenciar a Perestroika. O título para este post emprestei de um discurso que ele fez na Normal University em Pequim, em 2008.

Em 2009, convidei James Ragan para vir ao Brasil, para uma palestra e leitura de poemas na Academia Internacional de Cinema, em São Paulo, para alunos de cinema, literatura e público interessado. Essa foi a segunda vez que o vi recitar – e como na primeira vez – Ragan cativou a todos com o carisma iluminado de sua poesia. Traduzi uma série de poemas dele para a ocasião, que li (após ele recitar), numa tentativa de capturar em nossa língua um pouco daquela vibração.

Trago aqui uma das traduções e o original, “The Hanger Wall” (um poema que ele recitou ao Presidente da República Checa e 500 convidados num castelo em Praga, em 2008). Voltei a conversar com James Ragan recentemente para uma seção dedicada a ele na revista Rattapallax, que inclui poemas, vídeos, entrevista e o discurso da China. Quem, quiser ouvi-lo, e saber mais (em inglês) aqui o link: http://rattapallax.org/blog/2011/james-ragan/

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“The Hunger Wall” de James Ragan (do livro THE HUNGER WALL, Grove/Atlantic)
Tradução de Flávia Rocha

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O MURO DA FOME

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Andamos até a ponte em Karlova,
e vimos o rio onde na névoa os cisnes
mergulhavam os bicos na espuma, seu santuário.
As árvores se fechavam em sombra. Olhamos
por entre os salgueiros para o morro do outro lado, uma única
luz num quarto brilhava cada vez mais tristeza.
Um vapor solene cozinhava o jantar.
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Estávamos a ponto de matar a nossa fome
quando, na luz do sol, sem avisar,
uma sombra maciça de pedra começou a esticar
o pescoço ao longo da encosta.
Percorria a água por alguns minutos
antes que a folhagem roçasse sua garganta,
a fome interior era então suavizada
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por alguns momentos, e de novo, o impulso
batia como barbatana num tambor.
Os álamos começavam a se agitar. Um falcão
espiralando-se, como o conversar de folhas trêmulas,
desviou-se do ninho para bloquear o sol.
A represa lá embaixo se encheu de água densa
como se mostrasse com que facilidade guerras são vencidas.
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Eles alimentam o muro da fome, a garçonete aponta,
os dedos remexendo moedas na saia,
as mãos se escorando para alimentar o passado.
Não espero que os pobres me aturem, ela diz
que o Príncipe Charles falou àqueles que pagava,
olhando-os na cara, erguendo fronteiras, a fome como muro,
enquanto ela fitava o latente Vltava, assistindo a fome.

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THE HUNGER WALL

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After walking to the bridge at Karlova,
we found the river where at dusk the swans
dipped their beaks into the falls for sanctuary.
The trees closed in for shade. We gazed
through willows to the opposite hill, a single
light from a room growing thick with sadness.
Solemn smoke now cooked the evening meal.
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We were just about to treat our hunger well
when, out of sunlight, undeclared,
a shaded mass of stone began to stretch
its neck along the slope.
It would scan the water for a quarter hour
before the foliage rubbed its throat,
some internal hunger now assuaged
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for only moments, then again, the impulse
thumbed like whalebone on a drum.
The poplars began to rustle. A hawk
spiraling, like an aspen deep in chatter,
betrayed its nest to block the sun.
The dam below rose up to boulder water
as if to show how easily wars are won.
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They feed the hunger wall, the waitress points,
the fingers in her skirt rubbing coins
her hands are shoring up to feed the past.
I don’t want the poor to endure me, she says
King Charles said to those he paid, as he watched
their faces, building borders, hunger for a wall,
as she faced the smoldering Vltava, watching hunger well.

 

 

 

 

 

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Flávia Rocha nasceu em São Paulo em 1974. Jornalista, trabalhou nas redações das revistas Bravo!, República e Carta Capital, e  Casa Vogue, entre outras publicações. É autora dos livros de poemas A Casa Azul ao Meio-dia (Travessa dos Editores, 2005) e Quartos Habitáveis (Confraria do Vento, 2011). Tem mestrado em Criação Literária pela Columbia University e é uma das editoras da revista literária americana Rattapallax. Editou antologias de poesia brasileira para as revistas Rattapallax (EUA), Poetry Wales (País de Gales) e Papertiger (Austrália). Fundou, com Steven Richter, a Academia Internacional de Cinema, onde desenvolveu o curso de Criação Literária coordenado pela escritora Veronica Stigger.




Comentários (2 comentários)

  1. Ricardo Farias, Não conhecia a obra de James Ragan. Poema (canto e conto) de beleza invulgar, a julgar pela tradução de Flávia Rocha. Em tempo: o site deveria criar e-mails para seus colunistas.Tipo: “musarara(nome do colunista)@…..”. A interatividade entre leitores e articulistas, por certo, fortalece as cadeias de reflexão sobre a literatura.
    4 fevereiro, 2012 as 20:13
  2. admin, é uma boa ideia. mas, daria um pouco mais de trabalho para os colunistas q teriam q ir até o administrador, ou configurar sua cx de email. mas vamos analisar. é uma boa ideia.
    5 fevereiro, 2012 as 1:43

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