Lucie Brock-Broido, As Feras
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Ou a ilusão de? O livro mais recente de Lucie Brock-Broido, Stay, Illusion (Knopf, 2013), finalista do National Book Award 2014 nos Estados Unidos, é uma travessia para um ambiente poético além da realidade conhecida. É como se animalidade de todas as criaturas — e a nossa — e seus atos — e os nossos — flutuassem no ar, e se atassem aqui e ali de forma lúcida, viva, nos entregando suas outras realidades. Um poema pode ser dedicado “À Névoa de um Leopardo em Outra Vida”, por exemplo, e ali podemos nos tornar o imprevisível na “semente de Darwin.” Lucie Brock-Broido criou um movimento que ela chama de feral poetry, que busca o visceral detrás das palavras e das ideias, expandindo seus sentidos. Um lirismo com tons surrealistas, mas ao mesmo tempo plantado na terra, sanguíneo, e pessoal. Eu convivi com a Lucie durante dois anos na Columbia University, onde ela coordena há anos o mestrado em poesia. Ela nos entregou o que eu chamo até hoje de “bluebook”, um manual de capa azul celeste com uns 7 cm de espessura em que ela reúne lições poéticas e poemas-guia. A cada ano ela faz uma nova edição do caderno, excluindo e incluindo textos maravilhosos. As entrelinhas desse manual hão se ser dedicadas à animalidade e à mística dos cavalos. Porque cavalos, diga-se, são instrumentais em poesia como metáfora — e você não encontrará um livro de Lucie Brock-Broido que não seja povoado pelos mais extraordinários cavalos jamais vistos. Por isso a escolha do poema que publico aqui, extraído de Stay, Illusion, traduzido por mim, com autorização da autora.
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Poema de Lucie Brock-Broido
Tradução de Flávia Rocha
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NOTA DO COLABORADOR
……………………………E se agora é verdade
Que eu não quero falar daquilo
Que me pediram para dizer?
Cada ser de quatro patas descansa o rosto
Contra as ripas da cerca sem nada
Perguntar: por que ou como. Quanto tempo.
Como você ousa voltar para casa da sua fábrica
De outonos, seu matadouro, esgotado
E apático, com os cabelos meio
Soltos, sem usar
Cada pequena parte do cavalo
Que lhe foi dada. E os cascos.
A crina. O coração trote anca rabo
O prazer em ver as maçãs caindo
Enquanto prepara o pelo para o inverno todos os anos.
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CONTRIBUTOR’S NOTE
……………………..What if it is true now
I do not want to speak of that
Which has been given me to say?
See, each four-legged rests his face against
The fence’s slats and asks
No questions: why or how. How long.
How dare you come home from your factory
Of autumns, your slaughterhouse, weathered
And incurious, with your hair bound
Loosely, not making use
Of every single part of the horse
That was given you. What of his hooves.
His mane. His heart his gait his cello tail
His joy in finding apples fallen
As he built his coat for winter every year.
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Flávia Rocha nasceu em São Paulo em 1974. Jornalista, trabalhou nas redações das revistasBravo!, República e Carta Capital, e Casa Vogue, entre outras publicações. É autora dos livros de poemas A Casa Azul ao Meio-dia (Travessa dos Editores, 2005) e Quartos Habitáveis (Confraria do Vento, 2011). Tem mestrado em Criação Literária pela Columbia University e é uma das editoras da revista literária americana Rattapallax. Editou antologias de poesia brasileira para as revistas Rattapallax (EUA), Poetry Wales (País de Gales) e Papertiger (Austrália). Fundou, com Steven Richter, a Academia Internacional de Cinema, onde desenvolveu o curso de Criação Literária coordenado pela escritora Veronica Stigger. E-mail: flavia@aicinema.com.br
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