Literatura e êxtase: gênese do trabalho
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Há uma tradição não explícita na história da literatura, de poetas e prosadores que por intermédio da arte da escrita buscaram o seu encontro com aquilo que conhecemos como sagrado, místico ou espiritual. Essa literatura irrompe na imanência e na transcendência das experiências no mundo, “bebe da fonte de onde tudo mana”, como diria o poeta e místico espanhol São João da Cruz (1542-1591).
O meu objetivo aqui será apresentar autores e obras que, de algum modo, resvalaram inquietos por esses temas ou mesmo embrenharam-se com fervor por essa floresta densa e escura. Seja pela fé religiosa, pelo encontro ou pelo embate com Deus, pela contemplação, pelo silêncio, pelo vazio espiritual, pela tentativa de expor o inexplicável mistério da existência, pelo debate ético, social e moral, pelo exercício de sentido místico ou por encontrarem no profano o seu êxtase. Nesse escopo, é possível incluir muitas obras, o arsenal literário com o pé no sagrado é imenso.
A palavra como fonte de mistério tem um paideuma de grandes autores. Apenas para citar alguns nomes que nortearão essas meditações: Hermann Hesse, Nikos Kazantzakis, Leon Tólstoi, Adélia Prado, Hilda Hilst, Clarice Lispector, Murilo Mendes, São João da Cruz, Rabindranath Tagore, Ernesto Cardenal, Erri de Luca, Jalal ud-Din RUMI, Alberto Caieiro, Gamal Ghitany, entre outros. Sem esquecer, é claro, das velhas tradições, como alguns livros do antigo testamento ou os contos das tradições Sufi, Zen, Hindu, Árabe, etc.
Não se trata de fazer leitura teológica desses autores e textos, mas sim de poder investigar, livre de dogmas religiosos ou literários, a dor e o prazer provocados por essa íntima relação da arte de escrever com o êxtase de ser.
O encontro com a nossa sombra e a nossa luz é o mais terrível. Esses prosadores e poetas bravamente enfrentaram essa jornada tendo a fé na palavra. Fizeram desse exercício o seu purgatório, quiçá para chegar ao paraíso, à iluminação. E, por isso, estamos aqui, para seguir ao lado deles com respeito, temor e veneração pelo enigma de ser e de estar, de saber e não saber, de se perder nessas leituras. E, quem sabe, se encontrar.
Que assim seja.
Nas palavras do grande poeta sufi do século XIII, Rumi:
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“Faltam-te pés para viajar?
Viaja dentro de ti mesmo,
E reflete, como a mina de rubis,
Os raios de sol para fora de ti.
A viagem te conduzirá a teu ser,
Transmutará teu pó em ouro puro”.
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Marcelo Maluf é escritor, mestre em artes pela Unesp. É autor do livro de contos Esquece tudo agora (Terracota, 2012) e do infantil As mil e uma histórias de Manuela (Autêntica, 2013), entre outros. Em 2013 foi contemplado com prêmio de incentivo à criação literária promovido pelo Governo do Estado de São Paulo (ProAC) com o romance A imensidão íntima dos carneiros. E-mail: malufmarcelo@gmail.com