Três poetas de Minas
,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,…..,Breves leituras sobre três poetas de Minas
Adriane Garcia, Adri Aleixo e Simone Teodoro são poetas, são mineiras e moram em Belo Horizonte. Isso é que elas têm em comum (além de outras coisas não perceptíveis a olho nu). A poesia das três, no entanto, não é igual. Cada uma tem suas leituras, suas epifanias, suas descobertas literárias. Cada uma fisga o leitor com uma isca diferente.
Adriane Garcia traz o universo aquático para nosso mergulho. “Só, com peixes”, seu livro que abordamos neste texto, foi lançado em 2015 pela Confraria do Vento, do Rio de Janeiro. Com prefácio de Nelson de Oliveira, “Só, com peixes” é uma obra temática. Nascida em Belo Horizonte, em 1973, Adriane Garcia é historiadora, arte-educadora e atriz. Escreve poesia, contos, livros infanto-juvenis e teatro. Venceu o prêmio de Literatura do Paraná – Helena Kolody, em 2013, com o livro de poesia “Fábulas para adulto perder o sono”. Publicou, ainda, “O nome do mundo”.
Nascida em Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, Adri Aleixo nos brinda com o livro “Pés”, que fala da busca pelo equilíbrio através da poesia. Lançada em 2016 pela Editora Patuá, de São Paulo, a obra tem textos de Marcelo Ariel e Marcia Barbieri. Adri Aleixo é professora de Português e Literatura. Possui textos publicados em sites e revistas literárias de todo o país. Publicou em 2014 “Des.caminhos”, também pela Editora Patuá.
Já Simone Teodoro chega com “Movimento em falso”, livro onde o discurso é livre e em que sua poesia voa além das páginas. Lançada em 2016 pela Editora Patuá, de São Paulo, a obra conta com textos de Jovino Machado e Alexandre Guarnieri. Simone Teodoro é mestra em Literatura Brasileira pela Universidade Federal de Minas Gerais. Publicou em 2014 “Distraídas astronautas”, também pela Patuá.
Os três livros podem ser adquiridos nos sites das respectivas editoras.
Com vocês, a poesia de Simone Teodoro, Adri Aleixo e Adriane Garcia.
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Os movimentos certeiros de Simone Teodoro
A dicção drummondiana é muito forte no livro “Movimento em falso”, de Simone Teodoro. Mas não é uma dicção que pensa apenas em ser mais um epígono do grande poeta de Itabira. Pelo contrário, é uma dicção com sotaque próprio e verve poética múltipla. Há um que de rock’n’roll, de blues, de grafiteiros, de dark nos poemas da Simone. Como no forte “Lúcifer”, que abre o livro falando dos anjos caídos, dos anjos feridos que habitam nosso ser.
“Balada para uma estrela perdida” é cortante, como a fuga do pecado original. Ao mesmo tempo singela, como uma canção de ninar. “Blue para a lâmina das horas” traz uma das mais belas estrofes do livro: “A mãe dormia/ de boca aberta/ quase toda vestida de tempo”, falando da infância triste misturada a ladrilhos. Notem que esses três primeiros poemas citados revelam como que um grito agoniado do eu-lírico. Um grito onde o movimento em falso parece ser a realidade. Daí, a fuga para o imaginário do passado.
Daí que é melhor instalar a desordem poética, porque nesta há licença para o movimento em falso ser real. Caso contrário o poema pode se perder nas escadas sujas do metrô ou nas referências drummondianas que não suportam baratas envenenadas nos ombros. Ou algo de Manuel Bandeira, lendo poemas para gatos e até para a lua. Ou na inusitada inversão erótica do belo “Lugar”, com a interessante analogia poética entre hímen e hífen. Erotismo este que vem com força também nos primeiros versos do poema seguinte – “Blue”, para desaguar na lógica de Gonçalves Dias, de se morrer de amor.
Simone Teodoro é uma poeta que já neste seu segundo livro demonstra que tem muito a dizer. Sua poesia é visceral, com um lirismo estranho, porque underground. Ou com um submundo estranho, porque lírico. Citaria aqui “Litania para quando descarrilarem os astros”, “Tumba e cal”, “Cem segundos de espera” e “Todas as mulheres”, poemas que dialogam abertamente com a dor de forma terna.
“Movimento em falso” traz, ainda, poemas com sabor de prosa. Não falei “poemas em prosa”. São poemas escritos com a linguagem cotidiana da prosa e um toque de irreverência que vem na medida certa. Cito alguns poemas neste estilo, como “Balada para Vita Sackville-West”, “Pecado original”, “Esperar Saturno”, “Morrer devagar”, entre outros. Aliás, alguns desses poemas lembram também a dicção de Ana Cristina César: misto de agonia, rebeldia e lirismo.
“Detalhe sobre o vazio” é uma das melhores líricas do livro. Apesar de dividido em três partes, o título do poema está no singular, como a demarcar a originalidade do que está escrito. “Tempestade de granizo ao redor” também vale a leitura para lembrar que éramos cor de outono. Algo meio William Blake quer se libertar na poesia de Simone Teodoro. Sinto isso na leitura de “Angelus” ou nas imagens dionisíacas de “Tango”.
Simone Teodoro, até pela sua juventude, é uma poeta ainda em formação. “Movimento em falso” é uma prova, no entanto, que essa formação vem se tornando cada vez mais sólida. De Drummond a Ana Cristina César, o que não falta nas páginas desse livro é a poesia de Simone Teodoro, só dela, apesar das bênçãos de algumas referências. Uma poesia que não é pouca. E explode!
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Com os pés no edifício poético de Adri Aleixo
Os pés são a parte do corpo que traz equilíbrio, segurança, estabilidade. Não só isso. Os pés nos fazem caminhar, seguir adiante, buscar novos horizontes. Podemos dizer que tudo isso está presente no livro “Pés”, de Adri Aleixo, o segundo de sua trajetória literária. O livro é delicado, sem excessos e nem faltas, e com a segurança poética de quem está sabendo onde está pisando.
Gosto de muita coisa dessa obra de Adri Aleixo. Gosto, principalmente, das folhas da memória que se espalham por suas páginas. No poema “Fotograma” ela diz que “Há um alicerce de palavras me perdendo”. Ouso dizer que é o contrário que acontece em “Pés”. Na verdade, há um alicerce de palavras se erguendo página a página do livro até chegar à construção do edifício poético dessa mineira de Conselheiro Lafaiete.
Esse edifício tem vários cômodos espalhados por diversos apartamentos. Só que nestes cômodos não se encontram camas, sofás, cadeiras ou mesas. A mobília poética de Adri Aleixo é farta de quinquilharias surpreendentes. Pode ser de células a revelar um nascimento para um futuro qualquer ou a enxugar os pés encharcados na chuva, “porque toda reta se curva”.
Interessante a poesia de Adri Aleixo. No poema “A terceira margem do rio”, por exemplo, ela não lembra Guimarães Rosa, mas sim Adélia Prado, quando fala que apanhou “com o corpo vivo dos meus filhos”. Em “Macondo” não é a solidão que põe seus pés na poesia, mas a memória, que torna-se lugar. “Flor de lótus” não apenas reproduz o símbolo do budismo, sussurrando renascimentos, mas fala de gentes como cadernos de apontamentos.
“Dínamo” é um poema curto e forte, de quem nasceu lavradora, mas sempre quis ser terra. Talvez, reminiscências das origens de Adri, em sítios nos mundos perdidos de Minas. Origens de quem sabe que “o pior/ da dor/ são os tentáculos”. Raízes de quem sabe que “É preciso pouco/ para molhar as margaridas// mas é tudo/ o que necessitam”. Sua pátria é daqueles que flutuam no azul da Ismália de Adri, não da de Alphonsus de Guimaraens. Ou no diálogo com Autran Dourado, com Manuel Bandeira.
Como diz Marcelo Ariel no prefácio da obra, é preciso estar atento a pistas, degustar imagens, emergir sensações, permitir-se o desamparo e a desconexão na leitura de “Pés”. “É preciso grandeza para se chegar ao mínimo, ao rastro, às sutilezas”, reforça. Isso! Descobrir as sutilezas da poesia de Adri Aleixo. Guardar suas palavras, que não são desnecessárias.
Na poesia de Adri Aleixo, o edifício se constrói com a delicadeza da argila, minério das Minas para os gerais poéticos do Brasil. Uma poesia para saborear lentamente, como a leitura da sorte na borra dos dias. Afinal,
“Há uma morte lenta/ nessa luz que passa/poída/pela cozinha”.
Essa luz é o edifício poético, do tempo de pedra, palavra e umidade de Adri Aleixo, com o silêncio obliterado, gritando para o mundo sua poesia muito além dos condomínios fechados do lirismo moderno.
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Mergulho, com peixes, na poesia de Adriana Garcia
Nelson de Oliveira já lembra no prefácio que coletâneas temáticas de poemas são raridades em meio universo literário. Ainda mais sobre um tema delicado e complicado, que é o universo marítimo, aquático. Neste caso, o mergulho pode ser perigoso, sujeito a tempestades marítimas com afogamento sem direito a respiração boca a boca. No caso de Adriane Garcia, não é isso que acontece. Feito um escafandrista, a poeta se protege das armadilhas do lugar-comum e constrói um dos melhores livros de poemas temáticos recentes da literatura brasileira em “Só, com peixes”.
Neste mergulho, há o não desespero de afogar-se, como ousa num dos poemas do livro, há a lógica de ficar enredada, um repuxo de um violento mistério que “Nos tira do mar”. Para o eu-lírico poético, o primeiro oxigênio é rede. Em tom de fábula, tenta explicar a origem da água:
“Ninguém se pergunta
De onde vem a água?
Ninguém desconfia
Que os peixes choram?”
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O jeito é migrar para onde os peixes correm, de preferência longe do aquário. Afinal, “Um peixe é um pássaro/ Sem asas/ Mas um pássaro é um peixe/ Sem águas”, espécies de aleijões poéticos que só perdem para o peixe-homem com seus trezentos recursos “Pra nada”.
O jeito é buscar outras fábulas. Como a do “Sobrevivente”, que fala do menino que é peixe que escorregou do anzol pro rio. Ou a do “Peixe-Escorpião”, com seu vermelho sangrando por fora. Se bem que existe “O Milagre”:
…………………“Fizeste-me sem lugar
………………….Fizeste-me mamífera
………………….No mar
………………….Fizeste-me peixe
………………….Na areia
………………….Se ao menos eu fosse
………………….Baleia
…………………Mas eu sou essa coisa
…………………De pouquíssima fé
…………………Que dizem
…………………Poder caminhar sobre as águas”.
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Nos mares de Adriana Garcia há outros seres misteriosos, imprevisíveis. Como “Medusa”, a que “Nunca viu um peixe enlouquecido”. Como a “Menina de Crônica Depressão”, estranha história que fala do peixe que estava dentro dela e suicidou-se. Tem, ainda, a lenda d’A Multiplicação dos Peixes, tentando aprender sobre os homens que não amam. Fala-se, também, nesses mares, das “Bêbadas”, vistas “Expostas na madrugada dormindo na rua”. Ou o erótico “No mais sensível de um corpo”. Ou o belíssimo “A língua para fora”.
Adriane Garcia mostra que a loucura da poesia pode navegar em mares mineiros, sim. Quem disse que Minas não tem mar?
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Linaldo Guedes é jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, é radicado em João Pessoa desde 1979. Como jornalista, atuou nos principais órgãos de comunicação da Paraíba e foi editor do suplemento literário Correio das Artes por seis anos. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas”, “Intervalo Lírico”, “Metáforas para um duelo no Sertão” e “Tara e outros otimismos”. Lançou, ainda, “Receitas de como se tornar um bom escritor”. E-mail: linaldo.guedes@gmail.com
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3 abril, 2017 as 20:37
7 fevereiro, 2018 as 14:01
2 julho, 2018 as 2:22