Luiza, não lê os poetas nos livros


 

Nem Luiza, que não está mais no Canadá, conseguiria compreender o que se passa na poesia brasileira hoje. Tantos livros lançados, tantos poetas de valor e ao mesmo tempo tantos poemas conceituais, escondendo seus autores por entre signos e sinais lingüísticos e literários, nem sempre visíveis ao comum dos mortais.

Houve um tempo em que o cinema nacional tentou fazer algo parecido com o que acontece hoje na poesia brasileira. Era o tempo de Glauber Rocha, cinemão de arte elogiado pelos intelectuais e praticamente ignorado pelo público. Muita tese para pouco entretenimento.

Mas o que anda acontecendo mesmo com a poesia brasileira (?), deve perguntar Luiza, ao voltar do Canadá. Nada demais. Ou, melhor, nada de mal. Apenas existe um medo dos poetas de se exporem nos poemas, com algumas exceções, claro. Os livros, em sua grande maioria, são conceituais. Escolhe-se um tema, e trabalha poemas sobre ele da forma mais impessoal possível. Afinal, é proibido ao poeta mostrar que é gente. Que chora e ri. Que tem dores e problemas na família. Que tem contas para pagar e para receber também.

Funciona assim:

O poeta chega para o seu espelho e diz:

– Vou fazer um livro sobre quantos autores já falaram do espelho em suas obras.

Pronto. Apareceu o mote e se trabalha um livro conceitual sobre outros, e não sobre o próprio poeta. Um livro que podia até render uma boa tese teórica. E até rende bons poemas. Mas um livro que se lê e só. Depois de lido, não fica um poema na memória.

Engraçado que este medo de se expor dos poetas atuais acontece na contramão da super-exposição de todos em redes sociais, como twitter e facebook. As redes estão apinhadas de poetas de qualidade, que falam de seus medos, de suas vidas, seus fantasmas e de coisas triviais. Tanto que Luiza “curte” adoidado os links e microtextos destes poetas nas redes sociais. Curte porque sabe que em livros, ela não lerá tais textos. Os livros são para intelectuais, claro.

 

 

 

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Linaldo Guedes é jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, é radicado em João Pessoa desde 1979. Como jornalista, é atualmente editor de Política dos jornais O Norte e Diário da Borborema. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” e “Intervalo Lírico”. Lança em fevereiro deste ano seu terceiro livro, “Metáforas para um duelo no Sertão”. E-mail: linaldo.guedes@gmail.com




Comentários (8 comentários)

  1. Daniel Lopes, Olha Linaldo, concordo, este objetivismo torto, frio, impessoal, tb não me agrada nem um pouco, mas existe gente escrevendo de outra maneira, o problema é que ninguém comenta, ninguém lê. Continuemos pois. Abço.
    27 janeiro, 2012 as 0:06
  2. Hilton Valeriano, Concordo plenamente. Os poetas buscam a obsessão pelo experimentalismo estéril…vivemos de certa forma a ditadura das pseudo-vanguardas…das peripécias linguísticas…
    27 janeiro, 2012 as 10:59
  3. Luis Fernando, Absolutamente o que eu queria dizer, Linaldo! É isso!
    31 janeiro, 2012 as 14:55
  4. João Antonio dos Santos, Linaldo, parabéns pelo texto. botou o dedo na ferida de muitas feridas, digo poesias de hoje…e muito valida sua lembrança do Gláuber (em que pese sua grande importância e proposta de cinema nacional): a intelectualidade sempre chega a orgasmos estéticos/cinematográficos, mas a grande maioria dos que assistem a seus filmes não entendem nem sentem bulhufas em relação a tudo que se discute, ou melhor sentem um enfado brutal, como já ouvi de muita gente. Deriva dessa postura a posição de muitos outros artistas quando falam de sua obra, de sua proposta. Sobretudo de alguns cineastas brasileiros que, antes de mais nada se pretendem gênios. Falam de sua obra e quando a vemos, decepção total! Muitas vezes é algo tão pretensioso que acaba não passando de algo tosco, primário…Vejo isso tmbém em muitos poemas inacessíveis ao senso estético-poético comum…precisamos de um software especial para entender…abs. João Antonio
    31 janeiro, 2012 as 17:57
  5. diniz gonçalves júnior, o rótulo conceitual esconde muita baboseira , aqueles poemas que citam mil referências para demonstrar sofisticação , mas são ocos
    31 janeiro, 2012 as 23:05
  6. Maria Valéria, Obrigada, querido Linaldo! Você me tirou de uma terrível dúvida: eu me perguntava se o fato de ler livros inteiros de poesia “contemporânea” e não me ficar nenhum poema na memória já era o Alzheimer me pegando.
    1 fevereiro, 2012 as 23:01
  7. ANDRÉ FERRER, Alguém já disse que os espaços em branco são importantíssimos na poesia. Nas redes sociais, Linaldo, espaço em branco é o que não falta.
    4 fevereiro, 2012 as 0:36
  8. chico lopes, Estou com Maria Valéria: o artigo foi esclarecedor e me fez achar que, afinal, não estou errado – essa poesia não me atinge emocionalmente. Faço prosa, mas amo a poesia – só que, quando me ponho a lembrar do que gosto, é só Pessoa, Drummond, Cecília, Rilke, Baudelaire…Não conseguiria citar nada do que se fez ultimamente. Sinto que essa poesia de citações e de escassa emoção é uma espécie de monstrengo inútil. O que se há de fazer? Restam ainda bons poetas – Marco Lucchesi, Carlos F. Moisés, Iacyr Anderson Freitas – mas sinto que são pouco lidos.
    6 fevereiro, 2012 as 10:21

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