A propaganda dos poetas


.

A propaganda dos poetas. E os poetas da propaganda.

 

Em setembro, tive a alegria de ser um dos coordenadores da Primeira Semana de Poesia da Escola Superior de Propaganda e Marketing-ESPM- de São Paulo. Muitas e variadas atrações, com pesos pesados da crítica literária e da poesia brasileira.

E tive a tristeza de constatar o óbvio: os universitários, com as poucas exceções de sempre, não parecem se entusiasmar pelo tema literatura, mesmo sendo de graça e de alta qualidade como neste evento da ESPM.

Perderam, assim, a chance de compartilhar a sabedoria atualizada de um Cláudio Willer, de um Carrascoza, de um Franceschi, de um Mauro Salles e, até, a performance do ator Pascoal da Conceição que tirou as calças e, de bunda de fora, deu um show sobre Mário de Andrade e o modernismo.

Meu lado poeta ficou revoltado, mas meu lado publicitário, mais cínico, me consolou: esses jovens que não se ligam em leitura irão se ferrar em breve. Como é que alguém pode pretender trabalhar em marketing e propaganda se não gosta de ler? Em mais de 30 anos de profissão, nunca conheci um publicitário de sucesso que não gostasse de ler! Simplesmente porque é impossível viver o dia a dia da propaganda sem uma boa bagagem cultural. Na minha área, por exemplo, a Criação, as ideias surgem e se concretizam das mais diversas fontes: da moda, da informação factual, do vocabulário, da filosofia, da psicologia, da história, da geografia, enfim, de todos os ramos do conhecimento humano. Sem ser curioso e ser muito lido, o próprio mercado rejeita o sem-leitura na primeira entrevista de seleção.

É mais fácil alguém que não gosta de ler virar presidente da república que publicitário de sucesso.

Por isso, no próximo evento da ESPM, pois muitos outros virão, já que sua diretoria é de apaixonados pela literatura, meu conselho de puta-velha é: compareçam e aproveitem, meninos, antes que seja tarde demais.

O estudante que não compareceu às palestras, mesas-redondas e recitais, achando que poesia não tem nada a ver com propaganda, se passou um diploma de burraldo com louvor.

Grande parte dos nossos maiores escritores e poetas foi (e assim ainda é) dependente da propaganda para sobreviver.

O que também não é nenhuma novidade: o primeiro poeta que colocou seu talento a serviço do processo de venda de produtos, serviços e ideias (sim, o nome disso hoje é o tal de marketing, aluno alienado!) foi o maior poeta latino, Virgílio. Há mais de 2 mil anos atrás, ele ficou 8 anos escrevendo os 4 volumes do imenso poema Geórgicas. E não porque quisesse. Era para ganhar a vida mesmo. O hiperpoema foi encomendado pelo imperador de Roma para convencer as pessoas a voltarem a trabalhar com prazer no campo, já que não cabia mais ninguém na cidade. Leiam e irão ver que o poema é quase um tratado de agricultura. Resumindo, propaganda pura e simples.

.
A seguir, divirtam-se com uma seleção de exemplos da língua portuguesa:
.
Fernando Pessoa, que dispensa apresentações, em 1928 meteu-se na propaganda e criou o slogan da Coca-Cola, produto recém-chegado ao seu Portugal: “Primeiro, estranha-se! Depois, entranha-se!” O slogan chegou a ter sua utilização proibida, pois as autoridades consideraram que ele insinuava que a Coca-Cola continha substâncias tóxicas. No que o autor deste artigo concorda, pois é viciado nela.

Casimiro de Abreu, outro clássico, criou a propaganda do Café Fama: “Ah!Venham fregueses!/E venham depressa! Que aqui não se prega/ Nem logro, nem peça.”

Olavo Bilac, aquele do ouvir estrelas ensinado nas escolas do antigo primário, hoje fundamental, fez a propaganda do Fósforos Brilhante com estes versos: “Aviso a quem é fumante/Tanto o Príncipe de Gales/Como o Dr. Campos Salles/Usam Fósforos Brilhante.”

Ernesto de Souza, em 1918, criou um hit poético-publicitário que todo mundo lembra geração após geração, para o remédio Rhum Creosotado: “Veja ilustre passageiro/o belo tipo faceiro/ que o senhor tem a seu lado./ E, no entanto, acredite,/ quase morreu de bronquite,/ salvou-o Rhum Creosotado.”

Augusto dos Anjos, aquele poeta da morte e dos vermes corroendo nossas putrefatas carnes, fez inúmeras propagandas em versinhos, com muita repercussão. Uma delas foi esta, para uma loja de roupas importadas: “Nesta cidade onde o atraso/ Lembra uma cara morfética/ Fez monopólio da estética/ A Loja do Rattacaso.”

Bastos Tigre e Ary Barroso, em 1934, lançaram a cerveja Brahma em garrafa, grande novidade da época já que, até então, só existia cerveja em barril: “O Brahma Chopp em garrafa,/Querido em todo o Brasil,/Corre longe, a banca abafa,/Igualzinho o de barril.”

A lista é infindável, mas meu espaço não, por isso paro aqui. Mas aproveito para reiterar (é a mesma coisa, em propaganda, que a gente chama de stressar) que estudante de comunicações que não curte ler, nem ama a literatura, vai ter um problema prático logo de cara quando tentar virar profissional: seus futuros patrões são leitores compulsivos. E, também por causa disso, muito espertos e sabidos.

Aliás, vários deles estavam lá, na Semana de Poesia da ESPM. E outros tantos estarão nas próximas. Jovem que não for, dançou, marcou bobeira. Amém.

 

 

 

 

 

 

 

.

Ulisses Tavares ainda não publicou em bulas de remédios e em chinês. Por enquanto. Comemora 52 anos de militância com a palavra escrita, falada, desenhada, encenada, cantada, televisionada e filmada. Mais de 112 livros publicados em todos os gêneros e assuntos. Mais de 20 milhões de exemplares vendidos. Não fosse brasileiro, estaria rico. Mas é rico de imaginação e planos. Budista, ativo ecologista e defensor dos animais. Professor, publicitário, marketeiro, jornalista, dramaturgo, compositor, roteirista, ator e sempre poeta. E-mail: uuti@terra.com.br




Comentários (9 comentários)

  1. Gláuber, Ah se fosse apenas com os universitários da ESPM. Infelizmente é assim em todo o Brasil. Estou cansado de ir em lançamentos de livros com meia dúzia de pessoas. Literatura, ao menos no Brasil, é para poucos. Muuuuuito poucos. Parabéns pelo ótimo texto.
    15 março, 2012 as 21:20
  2. Susan Blum, Texto maravilhoso!! Adorei saber das “publicidades” dos poetas! Obrigada por mais este presente, Musa Rara!!! e o Gláuber tem razão… lançamento de livro no Brasil, só para os escritores consagrados! Pena!! Tantos bons escritores. Só aqui em Curitiba, em breve levantamento o jornal Cândido mostrou vários!
    16 março, 2012 as 1:22
  3. Ana Lucia Vasconcelos, Belo texto Ulisses,e tambem agradeço as informaçõoe sobre a publicidade feita por poetas famosos.No mais gostei da intimação aos jovens que pretendem um dia ser publicitários- leiam enquanto é tempo!!!adorei mesmo.Aliás , grande engano este das pessoas em geral- jovens em particular? de não considerarem a leitura, a cultura em geral e ai estão incluidas idas a cinema, teatro, galerias de arte, museus , concertos etc. como primordial na sua formação.
    16 março, 2012 as 2:51
  4. Delmira, Ulisses, parabéns pelo fantástico texto! Só mesmo uma pessoa como sua capacidade e competência para conseguir nos chamar à atenção para um fato óbvio com tanta clareza e riqueza de detalhes.
    16 março, 2012 as 19:47
  5. Tamiris Gomes, Texto excelente e inspirador! Infelizmente os jovens que não leem hoje serão os chefes de amanhã se outras coisas menores continuarem a ser mais valorizadas do que a leitura e o estudo. O que observo é que na publicidade, especialmente na criação, as execuções estão sendo mais valorizadas do que as ideias, e os contatos mais do que o talento, o estudo e a dedicação. Mas muito bom saber que nem todos pensam assim. É uma esperança.
    18 março, 2012 as 16:01
  6. Maria Lúcia Martins, Maria Lúcia Martins; Alem de encantador, é um texto real e concreto (ou que reúne o diverso), A propaganda dos poetas. Seu autor faz das palavras um hábil instrumento de ironia e verdade; e que belos exemplos! Mas, confesso que, mesmo sendo leitora inveterada (e viver disputando com ela, tempo para escrever…) não tenho a menor noção, nesse valioso mundo do marketing, de como me possa ser possível divulgar meus livros, para além de seus lançamentos… Antonio Carlos Secchin (um dos poetas que escreveu na orelha de meu livro A condição de Pégaso – seguido de Ferreira Gullar, Ruy Espinheira Filho, entre outros) certa vez, declarou que o livro de poesia recebe, no dia de seu lançamento, ao mesmo tempo, a certidão de nascimento e a de óbito… Em todo caso, lendo Ulisses Tavares, talvez seja o caso de eu ao invés de lembrar dessa segunda certidão, quem sabe, imprimir aos meus livros, a crença (semelhante a que ponho nos autores que me encantam) de que um livro (claro, de literatura) é um bem que me ultrapassará… E mais: se, apenas, houver um leitor que o leia com prazer, já valeu a pena…. Até porque, se a propaganda (boa, inteligente) convence, o prazer contagia!
    19 março, 2012 as 2:28
  7. Luis Fernando, Ulisses, a coisa é bem pior. Há alunos de Letras, por exemplo, que não gostam de ler.
    19 março, 2012 as 22:12
  8. Tibor Moricz, Texto de admirável lucidez. Parabéns.
    25 abril, 2012 as 22:11
  9. Thaís Ribeiro, Parabéns pelo artigo,fantástico ! Também pertenço ao grupo dos que protestam a escassez de leitura entre os estudantes,dei uma lida nos demais comentários e concordo plenamente com o Luís Fernando,a coisa é bem pior mesmo,faço um curso de letras e 75% dos meus colegas declara com a maior tranquilidade do mundo : “Odeio literatura”,é de fazer chorar….
    18 maio, 2012 as 22:57

Comente o texto


*

Comente tambm via Facebook