A arte da narração



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Em 1936, Walter Benjamin afirmou que, “por mais familiar que seja seu nome, o narrador não está de fato presente entre nós, em sua atualidade viva. Ele é algo distante, e que se distancia cada vez mais.” Benjamin anunciava que a experiência de narrar estava em vias de extinção, pois “são cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente”, ou seja, é cada vez maior o número de pessoas pobres em histórias, embora ricas em informações, como diz o filósofo alemão. A diferença entre a informação e a narrativa/história é que a primeira é direta, tem um ponto a atingir e aí ela se esgota, já “com a narrativa é diferente: ela não se esgota. Conserva sua força reunida em seu âmago e é capaz de, após muito tempo, se desdobrar”, conclui Benjamin.

Se reconsideramos hoje o sombrio diagnóstico de Benjamin, poderemos talvez dizer que, atualmente, voltamos a nos preocupar com, e a nos indagar sobre, a figura do narrador. Segundo o poeta brasileiro contemporâneo Bráulio Tavares, “contar histórias é algo tão importante em nossa cultura que todo mundo quer aprender e todo mundo acha que sabe ensinar. É uma atividade que envolve raciocínio e intuição”.  Para o poeta, a parte que envolve raciocínio pode ser ensinada, ou transformada em regras, mas a parte que envolve a intuição fica a cargo de cada um de nós.

O fato é que uma nova geração voltou os olhos à tradição milenar de contar histórias e parece interessada tanto em praticar quanto em ensinar essa arte que implica, além de raciocínio e intuição, também uma técnica.

No final do ano passado, a contadora de histórias catarinense Aline Maciel publicou Cada um conta de um jeito (Florianópolis, Cia. Mafagatos). Nesse belo e oportuno livro de estreia, Aline dá dicas valiosas para todos aqueles que pretendem excursionar amadoramente, ou até mesmo profissionalmente, pela arte de narrar. Segundo Aline, “todos nós tivemos contato com a narrativa oral e todos sabemos narrar. Porém, há técnicas para a contação de histórias e essas técnicas podem ser estudadas e praticadas.”

Algumas dessas técnicas dizem respeito, por exemplo, à escolha do figurino e do cenário, ao uso da voz e dos gestos do narrador.

Quanto aos gestos, Aline afirma que eles devem ser naturais: “em um primeiro momento, não se preocupe em fazer gestos. Isso pode fazer com que pareça artificial e não será agradável nem para quem conta e nem para quem escuta e vê.”

Podemos, assim, comparar um bom narrador a um bom escritor, que é descrito, num breve ensaio de Walter Benjamin, como aquele que não diz mais do que pensa, por isso, prossegue o filósofo, “quanto mais mantiver a disciplina e evitar movimentos supérfluos, desgastantes e oscilantes, tanto mais cada postura do corpo satisfará a si própria e tanto mais apropriada será sua atuação”.

Aline sublinha ainda que “é através da voz que o contador irá cativar o ouvinte e fazer com que as imagens de uma história ganhem vida na imaginação de cada um”. A voz foi objeto de um comentário brilhante da escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol, que, em seu livro Cantores de leitura, lembra: “[…] é preciso cuidar a leitura, porque a voz – se for incerta no seu deserto – mata, mata a leitura e o texto ­­­­­­­­­­[…]”, opina a autora portuguesa.

A voz estaria diretamente relacionada com o interesse do narrador pelo texto. Sem o menor interesse pelo texto, “com voz menos vibrante, [os narradores] ficam parados, a olhar os outros, porque são assim – baços”. Um conselho que Llansol dá aos narradores é que “aprender a leitura tem um método, mas não obedece a um método. Depende da infinita variedade dos livros, ou seja, da corrente que flui, e nos mergulha nela, seja qual for o suporte.”

Aline segue esse mesmo ideal e aconselha que todo contador de histórias deva ser, antes de tudo, um leitor e que “[…] não existe nada mais gratificante que encontrar uma história que queremos partilhar com os outros. Se gostamos dela, se queremos compartilhar, a contação fará sentido. Do contrário, se somos obrigados a contar […], a história perde seu maior valor: o do encantamento.”

Em Cada um conta de um jeito, Aline oferece, além de técnicas, algumas histórias para aumentar o repertório do “candidato” a narrador. O livro de Aline é um começo precioso para os pretendem mergulhar na arte de narrar.

 

 

 

 

 

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Dirce Waltrick do Amarante é professora do curso de artes cênicas da UFSC. Autora de As antenas do caracol: notas sobre literatura infantojuvenil (Iluminuras, 2012). E-mail: dwa@matrix.com.br




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