A bela tríade – parte I
Acordes que nunca acabam II
(Jorge Drexler – Roberto Bolaño – Ricardo Darín)
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Essa coisa do tempo é muito louca. E não é só isso, há tanta mentira, tanta erva daninha que acabamos emaranhados e levamos um tempão pra achar aquilo que realmente pode nos dizer que ainda vale à pena. Quando descobri o carinha ele já estava em seu décimo disco. Por aí, se eu não tiver contado errado. Eu estava no cinema, sozinho (sozinho porque não gosto nunca de correr o risco de logo ao sair da sala de projeção ter a minha lúdica viagem estilhaçada pela simpática, porém fatídica pergunta: “e aí, gostou?”. Se o filme for bom, ele fica rodando em minha mente horas, sei lá quantas. Preciso de um tempinho até voltar ao anormal. Então, se alguém ao meu lado me pede um veredicto enquanto ainda rumino imagens, pensamentos, legendas e otras cositas más… perco o balanço.). Enfim! Eu ali, numa sala (que ainda se preza) de sampa, quietinho como um bebê no útero. O escurinho, o friozinho, burburinhos, sussurros, papéis de balas estalando timidamente, perfumes diversos e cheiro de pipoca e ar-condicionado. (só tô sentindo falta do/da lanterninha. (da) de preferência) Ah! Se eu pudesse morar ali dentro. Enfim. Começou a película. Ah! a fotografia, putz! as músicas. Caraca. Nem tudo está perdido, quanta lágrima, quanta lágrima e eu, aqui no escuro, nesse aconchego macio e solitário. O mundo se explodindo lá fora: gente correndo, infartando, vendendo, comprando, roubando, mentindo, casais discutindo, carros num vai e vem insano (Claro! Já viu carros num vai e vem saudável? Se liga!) e essa maquininha mágica rodando sem parar. Deu me até vontade de comprar uma motocicleta e sair por aí (Como se esse não fosse o sonho da maioria).
Che, on the road com um amigo do peito. Dois molecões cheios de vontade. Aprontando pra valer. E, o médico argentino, asmático, longe, muito longe ainda do seu trágico fim. Quando o rolo terminou o meu começou. Fiquei ali, como um náufrago se segurando numa inquietação estofada. Só saio depois que a tela fica branca (porra, a tela é branca) quero dizer, quando o filme acaba mesmo. É mania. Quem quiser pode sair. Levanto as pernas, giro prum lado, pro outro. Pode passar. Com licença, sim? Sim. Por favor! Quebro e requebro, mexo e remexo sem tirar os olhos dos créditos. Aí, de repente, rola a música. O que? Voz melancólica, vindo de um país com um nombre de um rio, tambores, ritmo marcado, tribal, o folclore no pop, o pop no folclore: um popfolclore ou um folclorepop? Violão suave, bem tocado, timbres modernos, arpejado, voz na cara, a cara da voz, o refrão apontando uma luz no fim do túnel, I mean, no outro lado do rio. Caraca, quero essa música. Quem é o carinha? De Montevideo? Quem? Jorge Abner Drexler Prada, 47 anos. Médico e cantor ou cantor e médico. (Otorrinolaringologista) Jorge Drexler, pra ser mais preciso. Um molecão que tempos depois abocanharia o Oscar de melhor música do filme Diários de motocicleta (Walter Salles). Tô cagando e andando pro Oscar. Essa música é muito maior que o Oscar. Al otro lado del rio (Eco2 2005): eis a dita cuja. A primeira música em espanhol a vencer o Oscar de melhor música. Fui atrás do cara. Bom, já falei que já existiam muitos discos. Gosto muito do “Sea” de 2001. Um disco experimental, por sinal. Duka! “Sea” foi indicado ao Grammy Latin Awards e ao MTV Latin Awards no ano de 2001 e votado entre os 10 melhores álbuns daquele ano pela revista Rolling Stones Argentina. O “Frontera” (1999) também foi indicado a vários prêmios. Mas tem ainda o “La luz que sabe robar” de 1992, que se eu não tiver perdido a conta, é seu primeiro disco. Drexler além de grande melodista, preza muito pelo que coloca no papel. Há mais poesia em suas letras que em muitos poemas por ai, diga-se de paso.
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SEA
“Lo que tenga que ser, que sea
Y lo que no por algo será
No creo en la eternidad de las peleas
Ni en las recetas de la felicidad”
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FUSION
“¿Cuánto de esto es amor?
¿Cuánto es deseo?
Si desde el corazón a los dedos
no hay nada en mi cuerpo que no hagas vibrar.”
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ECO
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“Yo, sin embargo,
siento que estás aquí,
desafiando las leyes del tiempo
y de la distancia.
Sutil, quizás,
tan real como una fragancia:
un brevisimo lapso de estado de gracia.
Eco, eco
ocupando de a poco el espacio
de mi abrazo hueco…..”
UN PAÍS CON EL NOMBRE DE UN RÍO
“Como me cuesta marcharme
Me cuesta quedarme
Me cuesta olvidar
El olor de la tierra mojada
La brisa del mar
Brisa del mar…
Llévame hasta mi casa, brisa del mar
¿Dónde estará mi casa?, brisa del mar
Llévame hasta mi casa, brisa del mar”
GUITARRA Y VOS
“Que viva la ciencia,
Que viva la poesia!
Que viva siento mi lengua
Cuando tu lengua está sobre la lengua mía!
El agua esta en el barro,
El barro en el ladrillo,
El ladrillo está en la pared
Y en la pared tu fotografia.
Es cierto que no hay arte sin emoción,
Y que no hay precisión sin artesania.
Como tampoco hay guitarras sin tecnología.
Tecnología del nylon para las primas,
Tecnología del metal para el clavijero.
La prensa, la gubia y el barniz:
Las herramientas de un carpintero.
Hay tantas cosas
Yo sólo preciso dos:
Mi guitarra y vos
Mi guitarra y vos.”
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…E por aí vai… E vai e vai…
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Quando fui pesquisar sobre o uruguaio vi que era apaixonado pela música brasileira (até aí, tudo bem, quem não é?) e vivia rondando o nosso terreiro, participando do sarau do bituca e fazendo parcerias com todos os malucos daqui. Jorge Drexler é uma das maiores novidades surgidas nos últimos tempos. Hoje trago praticamente toda sua obra em meu iPod. Muitas já me salvaram. Há algo que sempre te joga pra cima mesmo nas canções mais tristes, mais melancólicas. É um trabalho visceral. Um tipo de pop tribal vestindo ternos bem cortados. Quando fui tocar em Montevideo e depois fui dar um giro pelas ruas, comprei um disco caseiro, raro do cantautor. Um Drexler ainda em começo de carreira tocando num teatro pequeno, com poucas pessoas. Muitas canções que se tornariam sucessos alguns anos depois já estão neste disco como um pequeno laboratório. Além do belo trabalho de composição e interpretação, o uruguaio também tem muito jeito pra releituras. A sua gravação de High and Dry, do Radiohead é um primor. A música tornou-se outra. O Jorge se apossa das canções quando põe o seu dedo nelas. Hoje há trocentas regravações de suas músicas. Sem contar as regravações por outros cantores pelo mundo todo. Só no Brasil: Maria Rita, Paulinho Moska, Vitor Ramil e mais recentemente a cantora Tiê cantam o cara. Em seus conciertos Drexler gravou suas canções de todos os jeitos e maneiras. Há várias versões para as mesmas músicas. Gravações ao vivo, som voz e violão, gravações caseiras, pequenos shows (início de carreira) e grandes gravações (teatros lotados).
Depois de tascar o Oscar (com mucho gusto) e de vários grammys e indicações sem fim, Drexler não para mais. Talvez nem tenha mais tempo pra olhar a garganta, o nariz e os ouvidos dos seus pacientes. Paciência. Roda por ai, cá, ali, acolá. Não em uma moto, a deriva como o jovem e sonhador Che, mas empunhando uma guitarra, soltando a voz e percorrendo os maiores teatros dos quatro cantos do mundo. Che e Drexler: os dois com um sonho em comum: trazer uma luz no fim do túnel, quis dizer, no outro lado do rio.
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Reynaldo Bessa é músico e escritor. Já lançou cinco CDs. O mais recente com músicas suas sobre diversos poemas de autores como: Drummond, Leminski, Auta de Souza, Alphonsus de Guimaraens, além de Fabrício Carpinejar, Alice Ruiz entre outros. Em 2008 lançou seu primeiro livro “Outros Barulhos – Poemas” (Prêmio Jabuti 2009 – Poesia). Em 2010 foi um dos finalistas do PRÊMIO SESC DE LITERATURA , com o seu livro de contos “Algarobas Urbanas” (editora Patuá) lançado recentemente. O autor escreve para sites, blogues, jornais sobre literatura, música e poesia. Têm contos, crônicas, poemas publicados em revistas, jornais, suplementos literários pelo Brasil e exterior. E-mail: contato@reynaldobessa.com.br
Sites: www.algarobas.blogspot.com e www.reynaldobessa.com.br